Dissertação de Mestrado - Faculdade Cásper Líbero
INTERNET, JORNALISMO E WEBLOG: A NOVA MENSAGEM

Estudos Contemporâneos de Novas Tendências Comunicacionais Digitais

Home > Capítulo III > Um Chat com Especialistas


HOME - SUMÁRIO

AUTOR - CONTATO

BIBLIOGRAFIA

ANEXOS

GLOSSÁRIO


3. Um Chat com Especialistas


“I want you to be yourself” – Devil’s talking[230]

Blogs, Blogueiros, Blogosfera e Mídia

No decorrer desta pesquisa, navegamos por inúmeros blogs, mantivemos contato com diversos blogueiros e fizemos muitas perguntas relacionadas às questões que levantamos desde o início deste estudo. A análise a seguir leva em conta as respostas de dois pequenos questionários, enviados em duas diferentes oportunidades, num contato com um total de 32 blogueiros, dentro os quais dezoito acenaram positivamente para responder uma pesquisa via e-mail com cinco ou seis questões abertas sobre blogs, jornalismo e Internet. Desses dezoito que se disponibilizaram a nos atender, apenas oito responderam de fato a pesquisa, dentre os quais, dois, ou melhor, duas, as blogueiras Lucia Freitas (www.ladybugbrasil.com) e Carolina Terra (rpalavreando.blogspot.com) nos concederam a honra de responder questões com mais profundidade. Além disso, algumas questões que fizemos aos blogueiros concernem a outras questões que fizemos ao sociólogo e ex-diretor do instituto de pesquisa Datafolha, Prof. Dr. Gustavo Venturi Junior (USP)[231], que gentilmente nos elucidou questões ligadas às grandes empresas jornalísticas que observamos neste estudo, o Estadão e, com mais propriedade, a Folha, além do próprio contexto atual geral da mídia no Brasil.

O primeiro contato que mantivemos com os blogueiros foi durante a Campus Party Brasil[232], realizada de 11 a 17 de fevereiro de 2008 no museu da Bienal de Artes de São Paulo. Na ocasião, abordamos pessoalmente treze blogueiros, explicamos o escopo de nossa pesquisa e pedimos um e-mail para o envio posterior de cinco questões abertas[233]. A nossa idéia era enviar poucas questões e, conforme as respostas que obtivéssemos, iríamos mantendo o diálogo com novos questionamentos até que as respostas nos satisfizessem. Apesar de todos os blogueiros terem se prontificado a responder nosso questionário, apenas cinco de fato o fizeram e, dentre estes, conseguimos manter um diálogo apenas com a blogueira Lucia Freitas que era, inclusive, a responsável pelo espaço Campus Blog dentro da Campus Party. Após uma série de trocas de e-mails, Freitas se dispôs a gravar uma entrevista em profundidade para nós[234], e assim o fez.

O segundo contato que mantivemos foi por ocasião da banca qualificatória deste estudo, realizada em 08/09/2008 na Faculdade Cásper Líbero, quando os membros da banca nos indicaram uma matéria da revista Imprensa[235] que passava pela questão dos blogs, inclusive, nos pedindo para tentar um contato com os blogueiros mencionados na matéria. Foi o que fizemos, tentamos estabelecer contato com os dezessete blogueiros citados na matéria através de seus blogs. Desses dezessete, não conseguimos contatar quatro, aos demais enviamos mensagens[236] via e-mail ou, quando não encontramos um, via comentário no blog, e obtivemos o retorno de apenas três blogueiros, dentre os quais, estava Carolina Terra que, além de blogueira e profissional de Relações Públicas, é mestra em Interfaces Sociais da Comunicação (ECA/USP). Terra foi a única dentre os blogueiros citados na matéria com quem conseguimos manter um diálogo; assim, além das questões prévias[237] que havíamos enviado, tanto para ela quanto para os demais, conseguimos obter mais informações com esta atenciosa professora.

Além desses, tentamos contato com mais alguns blogueiros que nos interessava questionar, dentre os quais, o único que nos atendeu, o blogueiro Tiago Dória, é formado em jornalismo (Universidade Católica de Santos) e especialista em tecnologia. O contato com Dória se deu em função de algumas informações que já havíamos obtido através de uma matéria em que ele fala ao caderno Link do Jornal da Tarde[238], e pelo fato de termos nos encontrado em um seminário sobre tecnologia e cidadania ocorrido na Faculdade Cásper Líbero em setembro de 2008[239]. Dória respondeu ao mesmo questionário enviado aos demais blogueiros citados na matéria da revista Imprensa e mais algumas questões que enviamos em réplica às primeiras.

Veja abaixo o quadro completo com os blogueiros, blogs, tipo de contato e a receptividade que obtivemos nessa pequena empreitada investigativa:

Blog(s)

Autor(es)

Profissão / Área de Atuação

Contato

Receptividade

www.hitechlive.com.br

Helton Kuhnen

-

Pessoal: Campus Party

Não respondeu ao questionário

www.sedentario.org

Bruna Calheiros

-

Pessoal: Campus Party e via blog/e-mail

Não respondeu ao questionário nem ao e-mail

www.diretodoforno.com.br

Bruno Allucci

-

Pessoal: Campus Party

Não respondeu ao questionário

eoqha.net & tecnocracia.com.br

Matheus Siqueira

-

Pessoal: Campus Party

Não respondeu ao questionário

gawry.com

Gustavo

-

Pessoal: Campus Party

Não respondeu ao questionário

horaciosoares.blogspot.com

Horácio Pastor Soares

-

Pessoal: Campus Party

Não respondeu ao questionário

yassuda.org/blog

Luiz Yassuda

-

Pessoal: Campus Party

Não respondeu ao questionário

willpubli.blogspot.com

Willians de Abreu

Designer Gráfico

Pessoal: Campus Party

Cinco questões por e-mail

ladybugbrazil.com

Lucia Freitas

Jornalista

Pessoal: Campus Party

Cinco questões por e-mail e entrevista em profundidade

issomesmo.com & pvilla.com

Pedro Villalobos

Empresário

Pessoal: Campus Party

Cinco questões por e-mail

viajanteconsciente.com.br

Marcelo e Lyanne

Empresário e designer gráfica

Pessoal: Campus Party

Cinco questões por e-mail

tictactec.blogspot.com

Marcelo Andrade

Desenvolvedor / Analista de Sistemas

Pessoal: Campus Party

Cinco questões por e-mail

garotasquedizemni.ig.com.br

Flávia Pegorin, Clarissa Passos e Viviana Agostinho

Jornalistas

Via blog/e-mail

Seis questões por e-mail

rpalavreando.blogspot.com

Carolina Frazon Terra

Jornalista / Relações Públicas

Via blog/e-mail

Diálogo via e-mail

com dez questões

www.tiagodoria.com

Tiago Dória

Jornalista / tecnólogo

Via blog/e-mail

Sete questões via e-mail

www.mundotecno.info; www.bestblogsbrazil.com

Cynara Peixoto

-

Via blog/e-mail

Não respondeu contato

www.simviral.com

Rafael Ziggy

-

Via blog/e-mail

Não respondeu contato

www.bluebus.com.br

Diversos autores

-

Via blog/e-mail

Não respondeu contato

www.brainstorm9.com.br

Carlos Merigo

-

Via blog/e-mail

Não respondeu contato

www.digitaldrops.com.br

Nick Ellis

-

Via blog/e-mail

Não respondeu contato

Ilustrada no Cinema

Leonardo Luiz

-

Via blog/comentário

Encaminhou para o editor do blog

www.interney.net/
blogs/inagaki

Alexandre Inagaki

-

Via blog/comentário

Não respondeu contato

queridoleitor.zip.net

Rosana Hermann

-

Via blog/e-mail

Não respondeu contato

Blog(s)

Autor(es)

Profissão / Área de Atuação

Contato

Receptividade

www.blogdonoblat.com.br

Ricardo Noblat

-

Precisa de cadastro

-

malvados.blogger.com.br

André Dahmer

-

Sem contato

-

www.huffingtonpost.com

Adriana Huffington

-

Via blog/comentário

Não respondeu ao contato

www.clickbr.com.br

Fernanda Zaffari

-

Endereço não encontrado

-

Rio Fanzine

Carlos Albuquerque

-

Precisa de cadastro

-

comunix.org

Hernani Dantas

Sociólogo

Via blog/e-mail

Não respondeu ao questionário

blogdoamadeu.blogspot.com

Sérgio Amadeu

Sociólogo

Via scrap do Orkut

Não respondeu ao contato

anatesantalucia.blogspot.com

Anete Santa Lúcia

Jornalista e cantora

Via scrap do Orkut

Não respondeu ao contato

movimentoespontaneo.com

Christiane Gomes

Publicitária

Via scrap do Orkut

Não respondeu ao questionário

digitalpoiesis.blogspot.com

André “Dedo” Salles

?

Iniciativa própria

Uma questão via Orkut

Total de Blogs Consultados:

35

Porcentagem (em 32 contatos):

Porcentagem total entre contatos/ entrevistas obtidas:

25 %

Total de Blogs Não Contatados:

4

12,5 %

Total de Blogueiros Contatados:

28

-

Total de Blogueiros que responderam:

18

56,25 %

Total de Blogueiros que não responderam:

10

31,25 %

Total de entrevistas obtidas:

8

25 %

Antes de analisarmos com mais profundidade os blogs que contatamos e as informações que obtivemos, algo precisa ser esclarecido. Na ocasião em que estivemos na Campus Party, os nossos estudos ainda não tinham apontado para a questão dos blogs como algo que merecesse a mais meticulosa atenção, como ficou evidenciado no seu decorrer. Sendo assim, o proveito que poderíamos obter, as informações e uma série de outros fatos ligados às atividades dos blogueiros durante a Campus Party não recebeu a devida atenção de nossa parte na ocasião. Se soubéssemos que o nosso estudo iria mirar para os blogs como o foi, teríamos feito mais entrevistas e participado de mais eventos ligados ao Campus Blog durante a Campus Party, tanto que nós estabelecemos contato pessoal com diversos blogueiros mas optamos por fazer apenas algumas perguntas via e-mail, desperdiçando uma preciosa oportunidade de manter um contato em maior profundidade e com mais riqueza, embora tenhamos obtido algumas informações significantes mesmo neste do caminho optado.

Os questionários que enviamos a treze blogueiros que conhecemos durante a Campus Party não surtiram todo o efeito desejado. Embora todos os blogueiros, quando abordados face-a-face por este entrevistador, tenham se prontificado a responder, apenas cinco o fizeram. Entretanto, dentre os contatos que deram a devida resposta ao nosso pedido, destaca-se Lucia Freitas, que nos cedeu diversas informações, entrevistas e nos foram muito úteis, cujas informações enriqueceram de forma imensurável a nossa pesquisa. Assim, como pontificação final, a seqüência de entrevistas e contatos que fizemos para essa pesquisa foi:

·        Entrevista via e-mail com cinco blogueiros da Campus Party (fevereiro de 2008);

·        Entrevista em profundidade com a blogueira Lucia Freitas (12/06/2008);

·        Entrevista em profundidade com o sociólogo Gustavo Venturi Junior (29/07/2008);

·        Entrevista com três blogueiros contatados por meio de matéria da revista Imprensa (de 26/09/2008 a 24/10/2008);

Como expusemos no quadro anterior, do total de contatos que fizemos, a receptividade foi baixa, apenas um quarto dos blogueiros que contatamos responderam a nossa pesquisa. Assim, o primeiro item que questionamos a respeito dos blogueiros é a receptividade, a reciprocidade, ela não nos pareceu ser grande coisa. Essa reciprocidade que obtivemos pode ser explicada pela dinâmica comum das relações entre blogueiros, segundo Lucia Freitas – talvez a blogueira mais experiente entre todos os que entrevistamos. Falando sobre a relação do trabalho dos seus pares com a peer production, a produção entre blogueiros, ela esclarece:

Aliás, essa é uma característica dos blogueiros, a capacidade de compartilhar conhecimentos, todos se ajudam. Por exemplo, se você precisa de plug-in para uma determinada função que você precisa para o seu blog/site, você consegue rapidinho com os seus peers. Porém, os blogueiros têm muitas dificuldades de compartilhar conhecimentos que não sejam técnicos. Se você precisar de um blogueiro para te ajudar a pensar numa temática para o seu blog, aí você terá dificuldades em obter qualquer tipo de ajuda, nesse sentido, a produção do blog ainda é muito individualizada.

Segundo Freitas, a produção do blog está em algum grau ligada à questão da rede como meio midiático que reflete o individualismo, o egocentrismo ou eu-centrismo que campeia a sociedade contemporânea (ou, ao menos, o mundo ocidental). Os outros fatos descritos se encaixam perfeitamente no resultado dos contatos que obtivemos. Dentre as perguntas que fizemos aos blogueiros, algumas se ligavam a questões mais ideológicas, como as ligadas à questão da esfera pública, outras foram mais de cunho técnico, quando buscamos informações sobre alguns mecanismos, softwares etc., esclarecimentos de foro tecnológico. E, seguindo a lógica apontada por Freitas, o resultado demonstrou que o segundo escopo de questões nos trouxe informações muito mais importantes e relevantes para esta pesquisa do que o primeiro.

Apesar da pouca reciprocidade obtida através dos contatos através da Campus Party, como dissemos, não era essa a nossa expectativa; porém, na ocasião em que contatamos os dezessete blogueiros citados na matéria da revista Imprensa, desta feita, de fato, nós nos decepcionamos com o retorno obtido. Nós partimos do pressuposto que, se tais blogueiros atenderam à reportagem da revista, atenderiam a nós que estamos fazendo um estudo científico sobre blogs, cujo contato parte da matéria de qual participaram. O exemplo maior dessa “decepção” fica por conta do blog da Folha Online, Ilustrada no Cinema, que contatamos via comentário no blog. O jornalista que atendeu a matéria da revista Imprensa respondeu ao nosso contato alegando não poder responder por “não ser o responsável pelo blog”, e nos encaminhou a mensagem para um terceiro. Ficamos desapontados com o pouco interesse e descartamos a possibilidade de enviar as questões para este blog, assim como desistimos dos blogs que apresentavam algum obstáculo ao contato, como o requerimento de um cadastro para a liberação de comentários ou envio de mensagens, entendendo que isto é uma solução que não atende ao princípio da usabilidade, e sim ao da “espionagem”, o cadastro é primeiro dos mecanismos de serventia àqueles que querem monitorar os gostos e hábitos do seu público. Também os blogs que não possuíam espaços para contato foram igualmente descartados.

Após essa frustração com a reciprocidade obtida, optamos por seguir essa trilha de estreitar os laços mais firmes, na busca de mais calor humano. Para isto, a mesma pesquisa que enviáramos aos blogueiros, enviamos para alguns contatos (aqueles que possuíam blog) dentro do nosso espaço na rede social Orkut[240]. A reciprocidade no Orkut foi menor ainda, nem sequer deveria ser mencionada aqui, somente a nossa frustração é que foi maior, pois mesmo entre quem contávamos como certa a participação em nossa pesquisa, não obtivemos praticamente nenhum retorno, à excessão do blogueiro André “Dedo” Salles, que não fazia parte de nossos contatos e, por livre iniciativa, encontrou a comunidade e respondeu uma das questões[241]. Vale dizer que nós não publicizamos tal fórum além dos nossos contatos dentro da comunidade. A reciprocidade nula do Orkut nos fez questionar, até mesmo, se o problema ocorrido em tais contatos não esteja no carisma do pesquisador, ou melhor, na falta de carisma do pesquisador, hipótese que não pode ser descartada. A tentativa do Orkut, nesse sentido, foi duplamente frustrante.

Enfim, como diria Manuel Castells, o importante é olhar para o que há de positivo dentro dessa nova miscelânea digital, o que vale também para os nossos contatos. Vamos, então, relacionar os blogs e blogueiros que atenderam aos nossos pedidos:

Profissão/ Nome

Idade

Residência

Blog

Temática

Empresário Pedro Villalobos

22

Belo Horizonte – MG

Isso Mesmo!

Lifehacking

Empresário Marcelo e Designer Gráfica Lyanne

38 e 37

Florianópolis – SC

Vida de Viajante

Viagens, Turismo Responsável, Consumo Consciente e Meio Ambiente

Jornalista Lucia Freitas

42

São Paulo – SP

Ladybug Brasil

Tecnologia e comportamento

Analista de Sistemas Marcelo Andrade

27

Belém – PA

Cotidiano, Tecnologia e Algo Mais

Cotidiano e tecnologia

Designer Gráfico Willians de Abreu

25

São Paulo – SP

Will Publi

Desabafos

Jornalistas Flávia Pegorin, Clarissa Passos e Viviana Agostinho

33, 30 e 31

São Paulo – SP e São Francisco – EUA (Viviana)

Garotas que Dizem Ni

Generalidades, Mídia, dia-a-dia e fofoca

Relações Públicas Carolina Terra

28

São Paulo – SP

RPalavreando

Relações Públicas

Jornalista Tiago Dória

28

Santos – SP

Tiago Dória Weblog

Tecnologia

André “Dedo” Salles

29

Brasil

Digital Poiesis

Poesia

Apesar de pequena, essa amostra reflete um pouco da pluralidade de temáticas que existe na blogosfera. Enquanto os blogs dos grandes veículos jornalísticos que analisamos através da Folha e do Estadão giram em torno de temáticas que esbarram com as próprias editorias dos veículos[242], fora do âmbito dessas grandes empresas o horizonte é mais amplo, intangível. Apesar disso, algumas temáticas são comuns e, como decorrência, aparecem nesta amostra: tecnologia, cotidiano/comportamento, meio ambiente e fofoca. Dentre esses assuntos, temos um de extrema relevância social, que é o meio ambiente. Lucia Freitas chama a atenção para esse fato, inclusive atrelando-o a um dos fatores de maior importância dentro dessa nova esfera digital, o poder atribuído à grande rede como vetora de um pensamento mais crítico:

A discussão sobre a questão ambiental, do aquecimento global, é algo que tem sido amplamente debatido dentro da blogosfera, é um assunto que tem encontrado mais espaço nas novas mídias do que no jornal. Existem diversas ONGs atuando na Internet, utilizando-a como meio não só para o debate, mas no engajamento de ações e a blogosfera se mostra também atuante nesses casos. Ecologia e Internet têm tudo haver uma com a outra, a começar pelo próprio impacto ambiental dessa mídia que é muito menor do que a impressa, apesar da sucata que gera e do consumo de energia. O fluxo de informações da web também se mostra positivo para disseminar esse tipo de debate, onde as audiências se somam. A Internet, tanto para qualquer assunto ligado à mudança de comportamento, quanto para a educação, é fabulosa. O simples fato de você ter as pessoas na rede escrevendo, ainda que sejam aqueles scraps horrorosos do Orkut, já representa um imenso ganho.

Porém, quanto inquirida diretamente se, em sua visão, a Internet tem de fato esse poder “conscientizador”, Freitas expõe:

Em relação ao fato da Internet aumentar o pensamento crítico, eu acho que sim e não. Acho que quem é crítico é crítico, não porque passou a usar a web. Eu acho que a maioria dos blogueiros não tem capacidade crítica. Essa é também uma das críticas dos empresários a blogosfera. Existem alguns pontos, alguns blogs onde aparece a crítica, mas não é essa a regra geral. O Brasil, como país, não é um país crítico. Você não pode desconsiderar essa bagagem histórica e psico-social do nosso povo. Aqui as pessoas só têm o costume de criticar pelas costas, são incapazes de sustentar uma crítica olho-no-olho. As pessoas aqui não são capazes de cobrar seus políticos, seus deputados. Inclusive, eu acho que o brasileiro tem razão de não reclamar, afinal, ele nunca é ouvido. Mesmo no serviço de telemarketing de qualquer empresa, você liga para reclamar e eles fingem que te escutam. E quem está de fora dessa lógica, acaba com os nervos a flor da pele, vendo-se incapaz de fazer qualquer coisa. Isso também gera uma aversão à política que se torna algo natural.

Talvez essa seja a grande característica da Internet: pela sua fisiologia acêntrica, se torna praticamente impossível encontrar uma única explicação ou um único ponto de vista para quaisquer que sejam as suas características e potencialidades. O meio não muda por si só as pessoas a sua volta, mas ele muda e molda a mensagem e, se, a nova mídia é mais positiva para gerar ações como as descritas por Freitas na primeira manifestação acima, podemos dizer que sim, que a nova mídia favorece um diálogo mais crítico, mesmo que seja no meio de toda uma dispersão advinda da pluralidade informativa do novo meio. Já a segunda manifestação de Freitas nos parece denunciar uma certa frustração comum entre as pessoas que entendem as novas potencialidades das novas mídias, que inclui alguns dos filósofos que usamos para embasar este estudo, e não as vê tomando forma dentro dessas mesmas potencialidades na atualidade social. Assim, afirmações como as de Pierre Lévy e Manuel Castells se encaixam aqui para descrever a Internet, tanto como novo meio capaz de discutir assuntos vitais à sociedade, quanto como vetora de novos comportamentos, da mesma forma que as ponderações de Jean Baudrillard nos alertam para os possíveis resultados, frustrantes, que essas mesmas novas mídias podem oferecer: a manutenção do status quo.

Essa questão realmente suscita uma certa polêmica entre blogueiros e estudiosos diversos, por um lado muitos enxergam esse potencial libertário das novas mídias, por outro, poucos acham que isto de fato irá acontecer. Quando inquirimos diversos blogueiros sobre essa questão da consciência crítica, foi praticamente unânime a negativa de que os blogs favorecem esse tipo de despertar. “Acho que isso é atribuir um poder grande demais aos blogs”, diz Flávia Pegorin; ela crê que os blogs não têm esse objetivo, e sim o de informar imparcialmente, objetivamente, dentro dos mesmos moldes do jornalismo em geral: “E o papel do jornalista é, na verdade, informar com precisão a verdade plena, não despertar nada. Isso, quem decide, é o leitor”, diz a jornalista. Outros blogueiros seguem a esteira de Lucia Freitas, e não enxergam essa possibilidade nos meios, como Carolina Terra, que entende que “não são os meios que despertam a consciência crítica nos cidadãos”. Tiago Dória também concorda com essa afirmação, mas vislumbra algum potencial dentro da nova amplitude informativa da grande rede: “O que acontece é que, potencialmente e teoricamente, os blogs abrem espaço para que outras pessoas fora do mainstream possam publicar sua visão de mundo”. Mas em relação ao próprio jornalismo na web, incluindo os blogs, ele crê que “ele é o mesmo praticado no mainstream, só mudam os meios”.

O detalhe dentro desta questão pode não estar no fato de a Internet e a blogosfera despertarem, ou não, uma consciência crítica na população de um modo geral, pois isto não depende só dos meios, mas de outros fatores: “Isso demora (...) passa por inclusão digital e muita, muita educação”, diz Lucia Freitas. E ela aponta qual é o grande ganho da web em relação a este ponto:

Hoje o leitor não é mais tão passivo como antigamente, ele mudou. Hoje ele tem uma nova e ampla gama de informações que não vem mais apenas do jornal, têm novas leis de defesa do consumidor, institutos etc. No novo milênio, além dos meios tradicionais de comunicação, você tem a Internet como novo meio informativo. E através da web, as pessoas que lêem inglês e têm consciência crítica, puderam começar a exercer uma influência dentro de uma instância privada, ele pode construir uma rede própria de contatos, como no próprio MSN (que hoje tem cerca de 30 milhões de usuários no Brasil – dados da Microsoft), e exercer uma influência sobre essas pessoas que estão na sua rede, e sobre o que for, desde qual é o chaveiro mais confiável até questões políticas/ambientais, isto é, se você tem credibilidade com as pessoas que se relaciona. Se você usa a rede só para bagunçar, aí não funciona.

Se a rede não é o meio que desperta a consciência crítica, ao menos é o meio onde se pode exercer essa consciência, mesmo que ela esteja mais conectada a uma instância privada. Se entendermos que a Internet ou qualquer outro meio seja vetor para o despertar de uma consciência crítica, subentende-se que tal consciência esteja adormecida, ou não exista. Tal adormecimento passa pelas questões que discutimos a respeito da indústria cultural e da sociedade do espetáculo, de modo que qualquer nova iniciativa que venha contrariar essa lógica, pode ser entendida como uma forma de contrapoder ao que se tem instituído. Seriam os blogs uma forma de contra-poder? Freitas expõe a sua opinião sobre este fato:

Eu não sei o que é contrapoder. Na verdade, eu acho que a Internet pulveriza o poder, o diálogo. Os blogs podem servir aos dois lados, ele pode ser uma forma de protesto e também uma forma de conversão ao estabelecido. Tem muito blogueiro que de uma postura de militância política passa a defender posturas puramente comerciais. Mas, no meu entender, o blog é o espaço da crítica, da militância, do protesto, mas isso ainda é uma opinião minha e muito em função do feedback que eu recebo dos leitores do meu blog que, na grande maioria, acredita nesse tipo de postura.

Mais uma vez, o grande poder atribuído à grande rede está na pulverização do diálogo e do discurso. Nesse sentido, podemos entender o poder democratizador da web em torno de suas características inclusivas, que são abertas a todas as formas de expressão, incluindo aquelas que não tinham espaço dentro dos tradicionais veículos de mídia (e ainda não têm). É lógico que tais portas não se abrem somente para o novo ou para os excluídos, mas para os tradicionais também.

Influência e Credibilidade

As ponderações expostas nos parágrafos anteriores podem ser relacionadas com outro fator-chave abordado durante este estudo, a questão da influência dos jornais e dos blogs sobre o seu público. Os blogueiros foram unânimes em creditar o seu poder de influência sobre os seus públicos, mesmo que essa influência seja a replicagem daquela que pertencia aos grandes veículos, onde os blogs seriam novas bocas que ampliam a voz do mainstream media sob um novo tom. “A blogosfera jornalística raramente cria sua própria pauta, simplesmente replica e opina a de outros meios”, diz o empresário Pedro Villalobos. Tal afirmação vai ao encontro dos estudos de Mariana Della Dea Tavernari[243], que percebe a blogosfera como um espaço de discussão e replicagem dos conteúdos do mass media. Fato de concordância de Lucia Freitas, ela credita o poder influente da blogosfera no âmbito da discussão, e não da produção: “Sim, no sentido em que se produzem ondas de reação a determinados fatos, como o bloqueio do Youtube. Não no sentido em que se produzem ondas de conteúdo próprio...”. Inclusive, a maioria dos blogueiros crê que o blog, hoje, é mais um dos instrumentos que compõem o mainstream media, independentemente de gerar conteúdo ou não.

Tiago Dória entende que os blogs representam um novo caminho para os indivíduos “construírem a sua marca na rede”, a Internet representa o meio onde se “pode construir a sua reputação e credibilidade fora do ambiente de uma redação”. Ele próprio é o grande exemplo disso, nunca trabalhou em um grande veículo e construiu sua influência através da rede até chegar a ponto de possuir cerca de seis mil unique visitors em seu blog por dia. Sendo assim, ele também é o grande exemplo do quão inclusiva a Internet pode ser para aquele que tem algo a compartilhar. Como dissemos, a grande rede representa um palco aberto para as novas gerações de jornalistas que se formam a cada ano. Essa massa de profissionais que é abraçada ano a ano pela Internet poderá deslocar o centro da influência para fora dos grandes veículos com o passar do tempo. Dória, inclusive, afirma que, em breve, “a Internet vai passar a sustentar os impressos”. Ele acredita que a pluralidade da web representa o fim das formas autoritárias de distribuição da informação: “as pessoas não estão cansadas do jornal, mas de ler a mesma notícia duas vezes”, e isso pode ser um fator que venha a deslocar o centro maior da influência dos meios para longe das “totalitariedades” que, como vimos, são vetores do sensacionalismo e do consumismo no que tange ao mundo da notícia.

Segundo Freitas:

A questão da credibilidade é muito importante e tem vários níveis na Internet, que se somam e são contribuintes ao mesmo tempo, não é linear. A questão da tradição não entra aqui, um site que tem cinco anos aparece na frente do site do O Globo que tem quase cem anos. Na Internet a credibilidade se faz pelo círculo de relações, pelo conteúdo, pela apuração bem feita, por link que você vai ganhando, pelas suas ações. A credibilidade na web é construída dia a dia.
(...) na web uma informação se replica por caminhos que são imprevisíveis, que não podem ser mapeados, que é por onde a credibilidade se constrói. Um post num blog pode gerar milhões de cópias e comentários, uma matéria no site de um grande jornal pode ficar lá para os poucos usuários que acessam determinadas áreas do site.

Este último fator, apesar da crítica de Freitas, representa, na verdade, um ganho para o jornalismo, o fato de o jornal poder manter, na rede, um espaço para poucos usuários que não seria viável nos meios analógicos. Por outro lado, Freitas reafirma aquilo que já desconfiávamos, na Internet a tradição é algo muito relativo. Não adianta possuir uma grande marca se as ações dessa marca não forem ao encontro dos anseios dos internautas, afinal, a rede é a mídia dele. Ela exemplifica isso através de uma marca que não é centenária, uma marca que surgiu com o advento dos computadores, a Microsoft:

Como que a Microsoft – a grande inovadora da web – passou a ser a grande vilã da Internet? Destruindo as ações positivas que tivera num primeiro momento através de suas ações negativas, quando passou a impor o seu sistema operacional, destruindo o Netscape, acusando seus usuários de pirataria. Em pequenas ações, devagarzinho, eles foram construindo uma péssima imagem. Hoje, apesar da Microsoft ter uma série de ferramentas muito legais, ela tem uma péssima imagem global. Mas dá para reverter, como eles estão fazendo através de suas efetivas campanhas de inclusão digital, aderindo ao OpenSource e outras ações.

Em relação aos grandes jornais, Freitas entende que eles “estão perdendo uma excelente oportunidade de se reinventarem na Internet. Você tem hoje, cerca de 50 milhões de pessoas acessando a Internet diariamente, e essas empresas estão perdendo esse público”. Ela aponta o exemplo do jornal The New York Times, que perdeu milhares de leitores do dia para noite quando passou a cobrar pelo acesso das notícias em seu site. Enquanto isso, algumas iniciativas advindas dos usuários vão ganhando dimensões superiores a essas grandes marcas, onde temos os blogs[244]. Na mesma esteira de Dória, Freitas percebe o potencial dos blogueiros em exercer influência sobre seu público, pelo simples fato de estarem mais próximos de suas audiências. “O usuário que se informa através de blogs confia mais na informação que obtém dessa rede do que em qualquer veículo tradicional”. Tal afirmação reflete o conceito de rede social, o usuário é mais propenso a acreditar nas informações advindas de seus pares, e não de terceiros; isso reflete o próprio conceito da peer production[245]. Este fator também pode explicar a súbita adesão dessas grandes marcas, tanto dentro da esfera dos blogs, quanto nas redes sociais da Internet (como o portal Limão do Grupo Estado), como uma maneira de competir e incutir a sua influência no ciberespaço junto ao internauta. Mas não basta se inserir, é preciso interagir. Esse hiato pode explicar em parte o sucesso maior dos blogs independentes em relação aos blogs de grandes veículos: “Uma diferença significante do jornalista [de grandes veículos] e do blogueiro neste sentido é que o primeiro não responde a seu público; o blogueiro, através dos feeds, do e-mail, sim, e o tempo todo, muitas vezes tendo que lidar com os disparates de seus leitores – existe uma conversa nos blogs – e o jornalista, na maioria dos casos, sequer sabe o que os seus leitores estão pensando”. Esse fator apontado por Freitas é questionável, pois, como vimos, nós tivemos dificuldades de estabelecer um diálogo com os blogueiros[246] e, mais adiante, iremos nos aprofundar sobre essa questão no tópico “O Diálogo nos Blogs”. Apesar disso, cremos que o diálogo nos blogs é mais receptivo em relação aos grandes veículos devido ao fato do blog ser uma instância mais próxima do indivíduo, como já foi exaustivamente enfatizado.

O sociólogo Gustavo Venturi Junior analisa a questão da credibilidade dos meios pelo prisma das grandes empresas; ele a relaciona com o conteúdo jornalístico:

Quando você tinha somente o jornal impresso, as regras eram baseadas no fato da informação ir “ao ar” uma vez por dia, o jornal diário. Ou uma vez por semana se fosse uma revista semanal. Supõe-se que você tinha um tempo muito maior para a apuração das notícias e de preparo delas. Hoje, o noticiário da Internet fica em meio a uma disputa dentre os diferentes veículos, em que o que vale é você dar a notícia o mais rápido possível, até porque a possibilidade de correção depois é muito rápida. Isso acaba tornando o veículo menos confiável, pois volta e meia você vê saindo muita bobagem, que depois de uma hora ou duas vem o desmentido dizendo que não era bem aquilo.

Venturi Junior reafirma as palavras de Pollyana Ferrari[247], demonstrando o erro típico das coberturas “em tempo real” online de grandes veículos, e entendendo como isto pode minar a credibilidade dos meios. “Ninguém quer levar furo” e, “isso é algo que tira um pouco da confiabilidade das notícias”. Philip Meyer aponta em seus estudos que, se, um determinado veículo chega a um certo grau de baixa confiabilidade, automaticamente se abre a porta para que um outro veículo ocupe este espaço (e ele fala disso em termos de viabilidade econômica para se criar um novo jornal). Na web, um meio muito mais inclusivo, esse é outro fator que pode deslocar a credibilidade de certos veículos para outras novas iniciativas e instâncias, mas não sabemos se os blogs serão capazes de absorver esse espaço caso ele venha a se abrir, ou, até mesmo, como se daria essa dinâmica identificada por Meyer dentro das características do ciberespaço. De qualquer modo, é mais barato se abrir um novo jornal na web, isto é fato.

Outro fator relacionado à credibilidade/influência que Venturi Junior aponta como um vetor que poderá deslocar a influência dos meios impressos para a esfera digital jaz na baixa penetração desses veículos no Brasil. Ele expõe:

Você tem que levar em conta que a leitura dos jornais no Brasil nunca foi muito ampla. Na Argentina os jornais têm uma tiragem muito maior em um país com uma população muito menor, isso por conta de perfil de escolaridade, perfil cultural da população.
(...) Eu tenho a impressão que pode crescer a base de leitores e consumidores de notícias no país, mas que isso não passe mais pelo impresso. Como em lugares que o celular chegou e o telefone fixo não, e não vai chegar nunca mais.

Com o deslocamento da base maior de leitores do terreno impresso para o digital e, relacionando isso com as posturas autoritárias dos grandes veículos, inclusive no ciberespaço, temos mais um fator que, potencialmente, poderá levar a um segundo plano a influência desses veículos com o desenvolver da grande rede.

Mas este é um problema cujo cenário ainda não se desenha por aqui. Citando um exemplo ocorrido dentro da Folha de S.Paulo, quando após um acordo comercial com uma grande empreiteira, ela, subitamente, parou de ser referenciada pelo jornal como empreiteira passando a ser chamada de construtora, Venturi Junior vê neste tipo de atitude uma falta de bom senso por parte dos veículos:

Então esse é um problema que está ligado com a perda, vamos dizer, do risco de perda da capacidade crítica dos jornais em se manterem independentes quando de fato eles dependem do poder econômico. Ao mesmo tempo eu acho que ainda está longe [a perda da credibilidade], a credibilidade dos meios de comunicação ainda é muito alta, inclusive da televisão. Embora tenha essas crises pontuais, eu vejo que a população de forma geral ainda não tem uma formação critica, uma educação critica suficiente para questionar os meios, e tende a achar que se saiu na televisão ou deu no jornal é verdade.

Esse é um problema que, embora Venturi Junior enfatize não afetar os meios devido à falta de capacidade crítica do público, uma vez a mídia deslocada para o terreno cibernético, poderá afetá-la. Porém, na atualidade, nada indica que isso irá ocorrer. Ademais a credibilidade pode ser reconstruída, inclusive no âmbito das novas mídias como já refletimos. Venturi Junior, que além de ex-diretor do Datafolha é diretor do instituto de pesquisa Criterium, é cético nesse ponto: “eu acho mais fácil os jornais perderem público pela questão da mudança dos meios do que pela perda de credibilidade”. O que Venturi Junior nos diz é que esta falta de capacidade auto-critíca não chegar a recair sobre a opinião pública de forma a abalar a credibilidade do meio, mas se isso não atrapalha a empresa publicamente pode atrapalhar privadamente, ou seja, minar a credibilidade dos próprios jornalistas do veículo. Aqui cabe, mais uma vez, o exemplo de Luis Nassif que saiu da Veja contando histórias constrangedoras a respeito desse seu antigo veículo empregador. Ainda sobre essa mudança dos meios mencionada por Venturi Junior, o que entendemos como a convergência midiática em torno do bit, é assunto que abordaremos no tópico “O Fim dos Jornais Impressos”, adiante neste capítulo.

O Jargão dos Blogs

Como vimos no capítulo anterior através de pesquisas acadêmicas, a linguagem associada aos blogs é majoritariamente opinativa, narrativa, literária, informal e pessoalizada. Lucia Freitas entende a expressão dos blogs como um espaço opinativo, mas acha que não se pode taxar a linguagem dos blogs de uma maneira qualquer, pois diz que ela ainda está se consolidando:

A linguagem dos blogs é mais opinativa, é mais pessoal. Nos blogs existe um espaço de argumentação que antes só era possível através dos livros, ou num zine. Mesmo os editoriais dos grandes jornais não são pessoalizados, sempre tem uma questão política em relevância. Mas a própria linguagem dos blogs ainda é algo que está se consolidando, esse fenômeno ainda é muito novo.

Apesar de possuir um cunho opinativo, o blog nada tem a ver com as colunas ou os editoriais, espaços onde aparece a opinião dentro dos jornais, pois tais espaços carecem da pessoalidade que é uma das características da web, de modo que não há como comparar essas duas instâncias. Freitas acredita ainda que a linguagem dos blogs e da web já está influenciando o jornal[248], mas não crê que a liberdade de expressão atribuída aos blogs é algo que seja muito diferente do que acontece dentro dos jornais, a tal coerção que os jornalistas sofrem dentro de uma redação é algo muito relativo: “Em relação aos blogs serem mais livres de coerção do que os jornalistas de grandes jornais, eu não acredito nisso. Todo jornalista que trabalha para um grande veículo tem as restrições naturais de trabalhar numa grande redação e os limites das linhas editoriais”, diz a blogueira. Se se questiona a liberdade de expressão dentro dos grandes jornais, ela também pode ser questionada nos blogs, sobretudo naqueles que possuem contratos publicitários, patrocinadores ou estão inseridos em grandes veículos através de seus portais na web. De forma que não é somente o gatekeeper que se desloca para o usuário, mas sim todos aqueles fatores que são entendidos como coercitivos ou inibidores da liberdade de expressão. O questionamento que fizemos sobre uma propaganda de passagens aéreas disposta no Blog do Noblat[249] na ocasião do último grande acidente aéreo paulistano serve para ilustrar esse fato.

Freitas, que hoje trabalha com consultoria e implementação de blogs, também fala de outro fator que está se deslocando dos jornais para a web, o sentido de coletividade, apesar de todas as características eu-cêntricas da nova mídia:

Hoje, o jornalista trabalha sozinho na redação, não existe mais grupo de trabalho, hoje muitos veículos sequer fazem reuniões de pauta com o seu corpo jornalístico o que, quando eu trabalhei no Jornal da Tarde e outras revistas, era algo de praxe e fundamental para o exercício do trabalho da redação. Não existe mais equipe, time. Mas existem exceções, como a revista Veja e a Época. No trabalho que exerço em consultoria e montagem de blogs para diversos clientes, a gente sempre faz reunião de pauta. A reunião de pauta é um exemplo de peer production, de inteligência coletiva, que é realidade nos blogs, mas está desaparecendo das redações, um conceito básico de qualquer produção em grupo.

Estas palavras corroboram as denúncias do Prof. Dr. Sebastião Squirra[250], quando ele nos disse que o jornalista nada mais faz na redação do que ficar à frente do micro, o que inclui, segundo Freitas, a exclusão da pauta. Ao que parece, o eu-centrismo não é uma exclusividade do internauta ou do blogueiro, ele também contagia o jornalista que trabalha conectado à web dentro das redações. Dessa forma, não seria somente o jornalismo que está se transformando em uma conversa, o jornalista também está se tornando um internauta.

Inovação

Já discutimos longamente neste estudo a questão da inovação advinda das novas tecnologias binárias interconectivas, incluindo o advento dos blogs[251]. Mas, e na opinião dos próprios blogueiros, qual seria a grande inovação para a prática comunicacional jornalística relacionada aos blogs e ao próprio webjornalismo?

A blogueira Carolina Terra entende que o ganho obtido pelo jornalismo da era pós-Internet esteja no seu aspecto inclusivo e pelo avanço tecnológico obtido, que permite uma amplitude maior e mais rápida no acesso à informação: “as novas mídias agregam em muito ao jornalismo, pelo caráter de imediatismo, facilidade de publicação, de compartilhamento e de difusão”, diz a blogueira. Tal característica da web é também o que destaca Tiago Dória, que não só defende essa idéia, mas a representa em carne e osso: “o principal efeito do uso da plataforma blog para o jornalismo foi trazer para o mercado novos nomes e atores sociais”, expõe – sendo ele próprio um desses novos atores sociais. Ao caráter inclusivo das novas mídias, conecta-se a opinião da jornalista Flávia Pegorin, do blog Garotas que Dizem Ni, que percebe o surgimento de uma nova camada informativa jornalística através dos blogs, mas que, em relação ao jornalismo como um todo, agrega muito pouco. “À prática do jornalismo, em si, acho que agrega pouca coisa (...) acredito que a maioria dos blogs ditos ‘jornalísticos’ acabam se tornando mais sites de crônicas e de opinião, onde o autor dá sua idéia sobre os fatos”, afirma a garota “ni”.

O imediatismo mencionado por Terra é descrito por Marcelo e Lyanne, do blog Viajante Consciente, da seguinte forma: “A notícia agora é como ‘fofoca’, espalha rápido porque não precisa passar pelo ‘editor chefe’ para ver se ‘a imagem do jornal’ ou ‘linha editorial da revista’ pode ser ‘prejudicada’ com a tal notícia. Aconteceu, postou. Simples assim”. O casal percebe o deslocamento do gatekeeper para o usuário web como a grande inovação dos blogs e da Internet.

Em relação ao aspecto tecnológico, o blogueiro Pedro Villalobos crê que, hoje, a inovação esteja no uso racional das ferramentas e tecnologias por parte dos blogueiros (RSS, vídeo/podcast, microblog); já as grandes empresas e portais não sabem inovar com o uso dessas ferramentas, beneficiam-se apenas parcialmente com elas. O uso disseminado de vários devices, como câmeras digitais e telefones celulares, é outra inovação que permitiu ao cidadão comum ser incluído como repórter na grande mídia, o que aumentou icomensuravelmente o alcance comunicativo dessas empresas e da sociedade em geral. A cobertura do povo nas ruas sobre os eventos ocorridos em Nova York em 11 de setembro de 2001 foi o marco para essa “revolução”, segundo Villalobos. Willians de Abreu é outro blogueiro que faz coro a Villalobos no que tange ao uso ideal das ferramentas e gadgets por parte dos blogueiros, inclusive enfatiza que muitos são vistos “com maus olhos” pelos jornalistas ligados ao mainstream media pelo uso que fazem de tais recursos. Por isso, adverte: “use a coisa a seu favor” e, ainda, manda um recado para os grandes da mídia: “Ou respeitam os blogs os vendo de maneira sadia e utilizando-os a seu favor, ou continuarão sofrendo, como já estão, com a sua influência na rede”.

O blogueiro André Salles, detentor de um blog de poesias, entende a nova prática jornalística da web e dos blogs como uma evolução que relaciona-se com a própria origem da grande rede, uma plataforma de compartilhamento de conhecimento:

Acho que são a nova prática do jornalismo na atualidade. Agregam conhecimento de forma quantitativa e, por consequência, qualitativa. A fronteira entre o profissional e o amador torna-se cada vez mais tênue, de forma que a produção de conhecimento está agora na mão da população média. Temos com isso o surgimento de muito conhecimento não verificado/referenciado e de baixa qualidade, mas temos também muito mais conhecimento específico e embasado sendo produzido.

Lucia Freitas, um dos grandes nomes da blogosfera brasileira, não acredita que o blog seja uma inovação para o jornalismo, ela entende o fenômeno dos blogs como o resultado da convergência do usuário sobre essa nova plataforma, o que, de fato, seria a grande inovação. Isto no âmbito da blogosfera, já no âmbito das grandes empresas jornalísticas, ela crê que o blog em nada inovou: “O blog só pode ser enxergado como uma inovação no uso que os blogueiros passaram a fazer dele, dentro dos jornais ele continua sendo utilizado de uma forma extremamente burocrática”. Inclusive, ela lembra que o tempo para se falar em inovação do blog já passou, afinal a ferramenta já tem mais de dez anos de existência. Apesar de não perceber muitos avanços, Freitas vê a inclusão de novas vozes na mídia como uma inovação dentro deste cenário: “a Internet se apresenta como uma ameaça ao status quo, pois esses meios [mass media] perderam o poder de dizer o que é que vale” – é o adeus ao gatekeeper.

Freitas critica ainda o uso das ferramentas comuns dos blogueiros por parte das grandes empresas de mídia, pois entende que o uso maior e inovativo delas advindo está no usuário – e, vale frisar, especialmente nos blogueiros, que são usuários consumidores de tecnologia, são nerds, hackers, possuem facilidade de implementação e uso criativo das novidades que surgem – já o usuário dos grandes portais, majoritariamente, não possui esse perfil. Sendo assim, Freitas questiona o seu uso por essas empresas: “Tem um monte de jeito e um monte de ferramentas para você inovar dentro do jornalismo, mas, a questão é: elas são utilizadas? Como elas são utilizadas? Na Internet são muitas as inovações. Para mim, a grande inovação é que o ponto central delas está na mão dos usuários”. Com essas declarações, fica evidente que, apesar de existir uma série de tecnologias e ferramentas que vêm sendo utilizadas pelos blogs e pelos portais noticiosos, ainda é difícil se saber até que ponto elas têm efetivamente beneficiado os usuários consumidores de informação/conteúdo, e não somente os blogueiros ou jornalistas. Por outro lado, o número de novidades que surgem, confrontado com o pouco ânimo dos blogueiros em relação ao ganho obtido, em relação ao que foi agregado à prática jornalística com tantas inovações, nos mostra que ainda existe um largo potencial para evolução do jornalismo dentro da esfera virtual – a “revolução” está apenas começando. Para este potencial ser revertido em cinética, entende-se que outras inovações devem tomar lugar ao lado da inovação tecnológica, ou seja, ela passa por educação, programas de inclusão digital (e social) e o firmamento de novos hábitos ligados ao uso da grande rede e da mídia de um modo geral e massivo.

Além dessas colocações diversas, pedimos a alguns blogueiros abordados pela pesquisa que nos dissessem quais são as palavras-chave que eles associam ao sucesso do blog. As palavras destacadas pelos blogueiros foram: espontaneidade, instantaneidade, simplicidade, abrangência, colaboração, produção coletiva de conteúdo, participação, democratização e “faça você mesmo”. Sem delongas, vemos que são palavras que nos remetem às características da própria Internet, não somente dos blogs. Vale dizer apenas que tais palavras expressam o novo patamar comunicativo delineado pela web, da mesma forma como descrevem a nova dimensão inclusiva da grande rede e dos blogs. Também expressam, na mesma medida, tanto a característica eu-cêntrica quanto a colaborativa da rede das redes.

O Fim dos Jornais Impressos

“Essa questão gera ainda uma incógnita extremamente absurda”, diz o blogueiro Willians de Abreu. Apesar da incógnita, a opinião entre todos que entrevistamos para este estudo é quase unânime em acreditar na manutenção do jornal impresso. Abreu acredita que “existe espaço para todas elas [mídias]”, porém, outros blogueiros entendem que, em algum momento, a Internet será a principal plataforma de mídia e jornalismo: “eu desejaria (...) que as revistas e jornais impressos passassem a ser a alternativa, sendo o produto original uma página virtual”, expressa Flávia Pegorin. A mesma opinião é compartilhada por Tiago Dória, quanto ao desaparecimento do jornal impresso, ele é contundente em afirmar que “não vai acabar”. Outros blogueiros preferem observar a lógica do mercado onde o jornal e a Internet teriam os seus nichos específicos: “os jornais perderão um pouco da fatia de mercado e muitos se restringirão à Internet (...) vão se complementar e encontrar os seus nichos de atuação”, prevê Carolina Terra.

Terra expressa a opinião mais comum dos blogueiros, eles acreditam na co-existência das mídias impressas e digitais, remetendo essa questão às teorias de Roger Fidler, que fala da mídiamorfose, com os meios se fundindo, se complementando e criando um novo contexto midiático, mas sem que alguma mídia específica tenha que de fato desaparecer. Lucia Freitas é uma das partidárias dessa idéia. “Está provado historicamente que os meios anteriores não desaparecem (...) a Internet e as novas tecnologias aumentam as possibilidades de acesso a conteúdos; criam novos usos, mas não invalidam os demais”, diz a blogueira. Praticamente com as mesmas palavras, o blogueiro Marcelo Andrade faz coro a Freitas: “o surgimento de novas tecnologias não significa, necessariamente, o fim de outras”, afirma com veemência.

Freitas acredita que o jornal impresso não desaparecerá, e sim que a concorrência da Internet acarretará mudanças no formato do jornal:

O que eu acho que vai acontecer com o jornal é isso, uma mudança de formato, chegando quase ao formato de uma revista. O jornal standart é bom de ler na mesa do café da manhã, onde você pode apoiá-lo, dobrá-lo etc.. Novos formatos e tipos de diagramação são o futuro do jornal impresso, se esse formato vai ser tablóide, eu não sei, mas acho que o formato tende a mudar. A usabilidade (termo que usamos muito na Internet) do tablóide e dos formatos menores é muito maior que a do standart. Eu acho que no impresso, o grande caminho é a mudança de formato, entretanto duvido que os jornais brasileiros mudem de formato antes de qualquer outro país, porque aqui todo mundo é muito temeroso com qualquer tipo de mudança. Aqui tem-se muito medo de se bancar uma mudança dessas, que implica em investimento na mudança do parque gráfico, mesmo que no longo prazo isso signifique uma economia e um ganho para o jornal. Eles não sabem observar uma tendência, testá-la e aplicá-la. Essa é uma das características típica das empresas brasileiras que são empresas de família, mesmo que elas estejam hoje profissionalizadas. Com exceção da Globo, que é mais volátil às mudanças, afinal não é a toa que eles têm esse domínio todo.

A usabilidade mencionada por Freitas é um fator também considerado por Pedro Villalobos dentro dessa “polêmica”, ele acredita na substituição do jornal impresso por uma página eletrônica, o e-paper: “O papel nunca vai deixar de existir, mas o jornal mesmo de papel talvez possa dar lugar a uma versão eletrônica que se atualize no decorrer do dia. Acessibilidade é tudo”. Já o casal Marcelo e Lyanne entende a questão da acessibilidade às avessas, eles consideram a usabilidade do papel: “o jornal físico (papel): não acho que vai acabar por causa da Internet. Você não leva seu note ou palm pra praia pra ler as noticias que gosta. Leva o jornal”. Depende, há quem prefira levar uma prancha de surfe para a praia ao invés de qualquer tipo de leitura.

Como esclarecemos no início deste tópico, as nossas entrevistas com os blogueiros foram realizadas em dois rounds, o primeiro deles na Campus Party em fevereiro de 2008, e o segundo por intermédio da revista Imprensa de setembro de 2008. Apesar de nada mencionarmos nas questões que fizemos aos blogueiros no primeiro round, nós esperávamos que eles, de livre e espontânea vontade, atrelassem a questão do fim do jornal impresso (ou, ao menos, o fim da plataforma impressa), com o problema ambiental da atualidade. Achávamos que os blogueiros iriam ser os primeiros a defender a idéia de que a Internet é uma mídia mais ecológica do que o jornal impresso, porém, nenhum deles sequer chegou próximo a este entendimento. Sendo assim, no segundo round de entrevistas, nós induzimos os blogueiros a vincularem suas opiniões sobre o fim do impresso com a questão do aquecimento global. Entretanto, dos blogueiros entrevistados, apenas um manifestou a sua opinião levando em conta este problema, os demais simplesmente ignoraram a questão. Carolina Terra foi a única a relacionar a problemática ambiental em relação ao fim dos impressos, porém, em contrapartida, ela questionou o problema da sucata eletrônica gerada pelos dispositivos eletro-binários, considerando que além do “famigerado lixo cibernético”, como expôs, há muitos pontos que devem ser debatidos em todo esse imbróglio.

Entretanto, dentre as vozes a que demos ouvidos para esta pesquisa, está naquela que possui mais peso a percepção de que o jornal impresso desaparecerá, sendo gradualmente substituído pela Internet e os novos dispositivos eletrônicos móveis: a voz do sociólogo e ex-diretor do Datafolha Gustavo Venturi Junior. Além de, por livre e espontâneo manifesto, acreditar que o fim dos impressos seja algo positivo para o meio ambiente, Venturi Junior crê que o jornal está conseguindo sobreviver mais do que se esperava:

Não está muito claro o quanto que os veículos impressos vão sobreviver. Eu acho que seja uma questão de tempo, talvez a sobrevida deles seja maior do que se imaginou num primeiro momento, mas eu acho que dentro de duas décadas exista muito pouco em termos de jornal e outros materiais impressos, o que vale para os livros também. A tendência é essa, você agride menos o ambiente, você não precisa de uma produção tão grande de papel.

Além do problema ambiental, Venturi Junior enxerga nos hábitos das novas gerações um indicativo para o fim da plataforma impressa:

E, mais do que isso, estão surgindo gerações para as quais o meio digital é muito familiar, que não vão ter as dificuldades de adaptação que as gerações anteriores ainda têm. Eu lembro que teve uma época em que lançaram um software que você lia o jornal no micro e quando você virava a página ele fazia um barulhinho de página virando, para que as pessoas tivessem a sensação de que estavam manuseando o jornal impresso. Mas isso é uma necessidade de quem cresceu lendo o jornal no papel.

Apesar dessas declarações, Venturi Junior entende que, mesmo relegado a um segundo plano, o impresso continuará existindo, pois é um produto que possui muito apelo para as velhas gerações: “É claro que existem setores da população, principalmente setores mais velhos, em que o jornal impresso continue sendo uma referência importante e cultural por muito tempo, pelo menos até que as novas gerações cresçam e se tornem os principais consumidores”.

O medo de mudanças mencionado por Freitas como um obstáculo ao fim do impresso não é uma questão que, no entendimento de Venturi Junior, irá alterar esse cenário. Ele se apóia no exemplo de grandes marcas do jornalismo mundial para elucidar esse ponto de vista:

Você tinha o New York Times nos Estados Unidos que resistiu muito para fazer mudanças, para ter uma edição online, mas agora já tem, torna-se inevitável. Acho que vai ser uma mudança gradual, vai chegar um momento que, talvez por tradição, ainda se mantenha, em respeito a alguns consumidores mais antigos, a versão papel. Mas isso vai diminuir ao longo do tempo e a outra vai crescer. Vai chegar um momento que, operacionalmente, não vai mais compensar ter uma gráfica e manter todo aquele operacional que o jornal impresso demanda. É uma produção industrial que era a única alternativa, na medida que surge a Internet que é mais barata, ela tende a se tornar a opção.

Mencionando o cenário norte-americano, onde atribuímos a maior penetração da web no país como um dos principais vetores para a queda das tiragens dos jornais que se vê por lá, Venturi Junior acredita que o mesmo poderá acontecer por aqui, na medida em que a Internet for se desenvolvendo e alcançando públicos mais amplos.

Isso é curioso, de fato a crise lá foi maior, talvez por causa disso. A penetração da Internet lá é muito maior e o crescimento foi mais rápido. Aqui no Brasil está crescendo muito, na América Latina é o primeiro ou está entre os primeiros, mas comparado com os Estados Unidos creio que isso fez diminuir a queda de vendas dos jornais por aqui. Acho que houve até um ganho, se recuperou um pouco das tiragens que vinham despencando. Mas creio que isso foi um soluço no meio de uma tendência que é de queda, vai ser difícil os jornais se manterem como estão. No médio prazo a tendência é cair.

Outra mudança significativa apontada por Venturi Junior, e que deve alterar o cenário da mídia brasileira como um todo, inclusive podendo se reverter num fator de extrema influência dentro da questão do desenvolvimento e crescimento da web e, por conseqüência, levar ao fim da plataforma impressa é a convergência. Venturi Junior comenta a legislação brasileira do setor, e entende que ela tende a mudar de forma a abraçar o capital estrangeiro:

Você tem dois movimentos muitos fortes, recentes. Um é a fusão de empresas de um modo geral, a gente tem assistido a grandes fusões nos últimos tempos, e isso vai desde siderúrgicas até empresas aéreas, de cerveja, do que você quiser, de qualquer área, todos os ramos estão passando por isso. O Brasil tem uma legislação restritiva ainda, que diz que empresas de comunicação se limitam a cerca de 20% de capital estrangeiro. Isso vem sido discutido, é um limitador que vem segurando muito as companhias desse setor. Aparentemente é um movimento que é difícil de segurar, vai ter muita pressão para se mudar essa legislação no curto prazo, abrindo portas para o capital estrangeiro. O capital circula livremente e vai a busca das melhores alternativas em qualquer parte do mundo, o Brasil é um mercado atraente, e esse capital vai querer entrar aqui. Tem conseqüências evidentemente, essa legislação, não tenho certeza se ela é de origem ainda da época da ditadura militar, mas ela é nacionalista, ela refere-se um pouco aos conteúdos, que vai fazer a cabeça das pessoas e coisa e tal, de certa forma é uma defesa aos valores culturais, da nacionalidade. Mas o mundo está cada vez mais globalizado, a Internet tem muito a ver com tudo isso. (...) Dessa forma, creio que essa legislação dentro em breve deve ser considerada obsoleta e vai se abrir o capital para outras coisas, isso em termos gerais.

E, por fim, Venturi Junior percebe que a convergência não é um fator ligado somente ao capital. A questão do capital está, também, atrelada com a própria mídia em si, que hoje gravita em torno do bit. Ele expõe:

Outro detalhe, que se relaciona com os meios de comunicação e a produção de conteúdo, é aquela questão da fusão, da convergência dos meios, aquela idéia de que em muito pouco tempo a gente não vai ter uma televisão aqui e um computador ali, vai ser tudo um aparelho só. O celular que vai ser ao mesmo tempo computador e TV, isso gera, para os meios de comunicação, uma disputa muito grande. Quem está na área de telefonia quer entrar na produção de conteúdo, e quem está na produção de conteúdo, quer entrar dentro dessa área dos meios diversos. É uma aposta que muita gente está fazendo, e vai ter muita mudança nesse sentido, com fusões, e o capital vai buscar essas oportunidades, quanto a isso eu não tenho a menor dúvida.

A fusão do capital aliada à fusão dos meios é um indicativo de que novas formas de acesso à informação e à notícia comecem a tomar o palco geral da mídia. Dessas fusões, surge o ramo das Comunicações, sendo tal ramo o resultado da fusão dos setores da mídia, das teles e das empresas de tecnologia. Pode-se entender que tal movimento favoreça novas formas de interação com o mundo da comunicação que, majoritariamente, tenham como base as redes computacionais e as novas tecnologias binárias. Tal movimento também é um indicativo de que o jornal impresso, embora ainda não tenha desaparecido, está na berlinda – sem cadeira para sentar –, à mercê das Comunicações, aquela que deliberará o seu veredicto final.

A Grande “Sacanagem” do Mainstream Media

Além de blogueira, Lucia Freitas possui uma extensa folha corrida de serviços prestados para empresas jornalísticas ligadas aos maiores conglomerados comunicacionais nacionais[252], dentre eles, um que é objeto deste estudo, o jornal O Estado de S. Paulo pertencente ao Grupo Estado. Ela explica, sem meias palavras, qual é o grande absurdo praticado por essas empresas que lidam com a informação como uma simples mercadoria: o laço contratual com seus funcionários que produzem o seu conteúdo jornalístico/informativo:

Para mim, a grande “sacanagem” da grande mídia é o laço contratual, onde tudo que você produz não é seu, é deles, queiram eles publicar ou não. Eles podem fazer o que quiser com o seu material, vender para qualquer outra instância sem te dar um centavo a mais por isso além do que está expresso em seu contrato, que é um mísero salário. E ai de você se você publica um texto “deles” no seu blog, eles te matam. O problema nem é você tomar um processo nas costas, é que “eles” vão te perseguir pela web, te difamar em toda blogosfera, te atolar de e-mails, vão te amolar até você tirar o texto da rede. Mas tem os casos em que você pode mesmo acabar recebendo uma notificação judicial por determinado post.

Ou seja, a grande “sacanagem” do mainstream media está na apropriação intelectual desses veículos sobre a produção de seus funcionários, sobre aqueles que produzem o conteúdo dessas corporações. Basicamente, funciona como uma grande chantagem, ou o autor aceita ceder a sua produção sob as condições impostas pelos publishers ou fica sem espaço para produzi-la, algo que só é possível dentro de meios estanques e monopolizados por poucos. Este é um ponto no qual a Internet, como plataforma midiática, se apresenta como desmoronalizadora. A based-common peer production é a nova forma de produção de conteúdo intelectual que se apresenta como um parâmetro revolucionário dentro desse totalitarismo descrito por Freitas. Baseado na interconectividade da grande rede, trata-se de um conceito diretamente relacionado à inteligência coletiva[253]. Ao jornalismo, já expusemos que ele, entre diversas novas facetas e mídias, se apresenta na atualidade de uma nova maneira através da web: o jornalismo de autor, seja ele um único indivíduo ou vários. Alguns dos blogueiros que entrevistamos para esta pesquisa são exemplos de como a autoria ganha força dentro deste novo contexto comunicacional, dentre os quais, Flávia Pegorin, Clarissa Passos e Viviana Agostinho, as autoras do blog Garotas que Dizem Ni. Elas trabalham com conteúdo jornalístico em seus blogs e são patrocinadas pelo iG, um grande portal brasileiro, ou seja, possuem uma compensação financeira sobre o conteúdo que geram sem precisar abdicar de seus direitos autorais. Enfim, o blog também serve de exemplo de como a Internet é um meio de produção que apresenta diversas alternativas à maneira totalitária pela qual os tradicionais meios de comunicação de massa se apoderaram da produção intelectual até então, não só para os usuários que buscam conteúdo, mas também para aqueles que querem produzir. Porém, nem tudo são flores, o mesmo portal mantém com o blogueiro Tiago Dória um contrato de licenciamento de conteúdo pagando-lhe uma taxa mensal por sua produção, ou seja, se apropria de sua produção intelectual – um mesmo portal oferece novas formas mais justas de incentivo à produção, bem como pratica as mesmas velhas “sacanagens” de sempre.

Sobre a apropriação intelectual da produção, Freitas continua o seu desabafo, inclusive se apoiando nas teorias de Karl Marx:

Um dos grandes problemas dos portais e dos grandes jornais na rede é que eles ainda continuam funcionando dentro de uma lógica que se baseia no copyright, eles não pagam pela produção de seus funcionários, ao mesmo tempo em que se apropriam dela, vendendo-a e lucrando com ela. Eles pagam um salário mísero por uma produção que vai para diversos veículos, incluindo a Internet, a mais-valia virou tri-valia, poli-valia. Até um leitor que manda uma foto pro jornal, eles pagam uma miséria e depois usam e abusam dela do jeito que quiser (...) Enquanto não se modificar esse cenário relativo ao copyright, nada mudará na lógica dessas empresas, e eles não querem discutir isso, nem qualquer sindicato do setor. A ANJ sequer sabe o que é Internet, eles nem querer ouvir falar no assunto.

Como vemos nessas palavras de Freitas, muito se fala da “revolução” que a Internet impõe ao mundo da comunicação, entretanto percebemos que tal revolução está diretamente atrelada a essa questão. Enquanto os grandes conglomerados de mídia continuarem cercando a mídia através do exercício do copyright, não poderemos atribuir grandes mudanças a Internet dentro do novo contexto midiático. Na mesma medida em que empresas fecham o cerco sobre a mídia com base na lei do copyright, elas correm o risco de, talvez um dia, ficarem de fora do negócio, quando, como observamos, o centro da esfera comunicacional não estiver mais no alcance delas, e sim, com o usuário. No Brasil, onde a mídia se apresenta como um grande oligopólio, o problema não pára por aí, Lucia ainda comenta sobre outras questões, outros tentáculos da mídia que cerceiam a própria mídia de diferentes formas, sobretudo, tentáculos daquela velha mídia enraizada nos negócios oriundos de uma época onde os meios eram ainda analógicos, a questão da distribuição[254].

A Pequena Roda

Apesar de toda liberdade creditada à blogosfera brasileira, um porém pode ser citado. Lucia Freitas afirma que, sempre que existe qualquer debate sobre blogs, ou no lançamento de um novo produto tecnológico qualquer, muitos patrocinados por grandes empresas, como o Terra, por exemplo, ou mesmo como se viu na Campus Party no início de 2008, são chamados sempre os mesmos blogueiros para participar (sendo a própria um desses membros assíduos).

Na Campus Party, como organizadora do Campus Blog, Freitas procurou mudar esse cenário chamando pessoas que estão fora dessa pequena roda, numa tentativa de abrir esse círculo. Foi uma maneira de ampliar e aumentar a diversidade da blogosfera nacional. Tal iniciativa de Freitas é fundamental, pois, se a blogosfera se fecha em poucos nomes, ela acaba fechando esse novo espaço comunicacional interconectado, o que não seria saudável quando se entende a Internet como um novo canal, de ampla capacidade comunicacional em duas vias, que é como ela se apresenta.

Uma blogosfera fechada seria o mesmo que o fechado grupo midiático brasileiro que, hoje, além de poucas empresas (são oito grandes conglomerados de mídia nacionais), se constituem como um grande oligopólio. Uma blogosfera fechada também representaria um grande obstáculo ao diálogo, instância que é diretamente associada a esta ferramenta. Mas o que adianta existir diálogo se ele toma lugar apenas entre poucos nomes da blogosfera? Ademais, existe mesmo esse “diálogo” nos blogs? O blog é uma ferramenta de diálogo? É sobre isso que refletiremos a seguir.

O Diálogo nos Blogs

O blog, como ferramenta de publicação de itens datados com recurso que permite aos usuários comentar tais itens, não se apresenta como um recurso de diálogo. Neste quesito, podemos dizer que, no máximo, o blog favorece o diálogo, favorece a repercussão de fatos, mas não é uma ferramenta pela qual se possa dialogar. Quanto aos comentários, trata-se de comentários, e comentário não é sinônimo de diálogo. Dentre os inúmeros blogs que navegamos durante as análises do presente estudo, sempre procuramos observar onde estaria o tão proferido diálogo que os blogueiros atrelam a esta instância. Excluindo-se algumas raras exceções, não encontramos respostas por parte do blogueiros aos comentários de seus respectivos públicos, muito menos réplicas e tréplicas. A nossa busca encontrou blogs que apresentaram posts altamente comentados e outros com posts sem um único comentário. De qualquer modo, não encontramos diálogo na maioria dos blogs, dessa forma, podemos reafirmar aquilo que já havíamos detectado: os blogs são espaços de exposição à mídia, de publicização de fatos e pontos de vista, de colocação de opiniões, não são espaços de diálogo.

Não é preciso citar o filósofo grego Sócrates para darmos a exata dimensão da importância que o diálogo possui, inclusive como meio para o despertar de uma consciência crítica, algo que buscávamos encontrar na web, sobretudo nos blogs. Porém, ficou claro que o blog por si só não favorece esse despertar, inclusive, por não favorecer o diálogo. Dessa forma, a tal conversa entre jornalista e leitor à qual o jornalismo estaria se convertendo é inexistente em tais espaços. Vale lembrar o quão difícil foi para nós estabelecermos um diálogo com os blogueiros que contatamos para este estudo, e quando conseguimos estabelecer o diálogo, ele se deu por outros caminhos que não passaram pelo blog. O diálogo se deu via e-mail, via instant messenger que são ferramentas de diálogo, assim como outras que foram designadas para este fim, como os fóruns e os chats, por exemplo.

O máximo de diálogo que encontramos nos blogs foi entre blogs. Blogueiro comentando (via post) os posts de outros blogs, blogueiros que comentam e são comentados por outros blogueiros numa dinâmica que pode ser entendida como uma forma de diálogo. Uma notícia ou post qualquer que ganha repercussão em diversos sites/blogs que, no seu conjunto, formam uma espécie de malha dialogal sobre determinadas notícias/fatos. Mas se o diálogo se restringe aos blogueiros, o ganho para a sociedade, ou para os internautas, não representa um grande avanço, o avanço fica restrito à “pequena roda” que comentamos anteriormente. Mas também não podemos cobrar dos blogueiros, especialmente aqueles mais notórios que contatamos, por eles não dialogarem com o seu público (ou conosco), e nem a totalidade do público está interessada em interagir com o blogueiro. Como vimos, a audiência ativa dos blogs não chega a 10% e, dependendo do total de audiência do blog, 10% pode representar uma pequena massa de internautas à qual um blogueiro ou uma dúzia deles seria incapaz de dar conta, de dialogar ou interagir, por uma simples questão numérica. Basta pensarmos no blogueiro Tiago Dória, que possui seis mil visitantes diários: se 1% desses visitantes quiser estabelecer um diálogo com Dória, ele teria sessenta pessoas para dialogar por dia, haja fôlego – é algo inviável, teríamos, em apenas um blog, uma “mini-Torre de Babel”, o que dizer da blogosfera por completo? Talvez, se exista um diálogo nos blogs, ele exista mais fortemente nos blogs sem repercussão, nos blogs de baixa audiência, ou de audiência desprezível, pois nestes, a possibilidade do blogueiro interagir com seus “fãs” é maior, ao menos ele pode dar conta do diálogo. Tentar interagir com um blog notório, de alta audiência é tão difícil quanto interagir com um jornal nos tempos quando o único meio de contato eram as cartas postais. Para o usuário comum, como nós, o ganho que os blogs trouxeram neste sentido é praticamente nulo. Não existe nada mais comum ao usuário dos blogs do que comentar e ser completamente ignorado. Aqui, vale citar os estudos de Jürgen Habermas, ele revela que as esferas públicas políticas fomentadas pela imprensa nos idos do modernismo europeu eram espaços onde, dos nobres aos comensais, todos possuíam voz, mas para algumas vozes os demais ouvidos se abriam mais, possuíam mais peso, maior poder de persuasão que outras. O mesmo pode se dizer desse novo palco midiático que engloba blogs, blogueiros e internautas, mas com um detalhe que se amolda dentro das características duais da nova mídia: nos blogs o espaço para as vozes é maior e menor ao mesmo tempo. É maior porque o espaço para os argumentadores e para a argumentação é praticamente infinito, e é menor, pois no terreno virtual é mais fácil ignorar qualquer um, é mais fácil uma voz se perder no meio de tantas outras.

Existe nos blogs também algo que podemos dizer estar mais próximo do diálogo, algo que encontramos mais comumentemente em grandes sites informativos, sobretudo na Folha e no Estadão[255], aqueles que analisamos anteriormente: os comentários sobre comentários inseridos, tanto nos blogs como em qualquer espaço noticioso que permite comentários dos internautas. São internautas que não se contentam em comentar o que está sendo noticiado, comentam também os comentários dos outros internautas, as vezes, com direito a réplicas e tréplicas tanto em discussões saudáveis, como em calorosas disputas retóricas e, as vezes, chegando a trocas de ofensas (dentro dos limites que as políticas desses sites permitem, geralmente sem o uso de palavras de baixo calão). Embora não pudemos atribuir esse tipo de debate ao resgate do diálogo em si, muitas vezes, eles formam, de fato, um pequeno diálogo que ajuda a multiplicar os pontos-de-vista sobre uma publicização qualquer, o que engandrece o uso desse tipo de recurso. Enfim, fica claro que apesar de existir um diálogo limitado nos blogs, ele é mais comum entre blogs e entre usuários, o diálogo entre blogueiros/jornalistas e internautas é que parece ser o mais carente dentro dessa nova esfera. Outro detalhe: esse limitado diálogo que encontramos nos blogs se dá de forma assíncrona, o diálogo síncrono, por sua vez, é completamente inexistente, o que limita ainda mais o blog como uma ferramenta dialogal.

Como expomos, o blog é uma ferramenta que favorece o diálogo, mas as suas características intrínsecas não foram designadas para se dialogar. Estabelecer um diálogo unicamente com os recursos que são comuns aos blogs não está em congruência com a usabilidade de tais recursos/ferramentas, o blog não foi designado para este fim. Mas existe um diálogo que caminha ao lado dos blogs, que pode ser observado, inclusive, através de outros meios que utilizam a plataforma blog para estabelecer diálogo entre jornalistas/blogueiros e seu público; entretanto, o diálogo em si ocorre através de outras instâncias. Para exemplificarmos isso, vamos voltar ao site da emissora de TV a cabo ESPN Brasil.

Como mostramos, o site da ESPN Brasil possui diversas ferramentas que os jornalistas, comentaristas e/ou apresentadores da emissora se apóiam no intuito de dialogar com o “fã do esporte” [256] onde, entre outros recursos, aparecem os blogs. Alguns jornalistas vinculados ao canal (e a outros grandes veículos impressos também), utilizam o blog como meio de diálogo, mas o diálogo se dá nos programas televisivos, quando o jornalista responde as opiniões de seus leitores. Nesse sentido, o uso dos blogs é positivo para o jornalista monitorar o seu público, sentir a sua repercussão e dialogar com ela. E o diálogo ganha mais força quando se estende pela televisão, de forma que o próprio canal estimula essa via interativa através dos blogs de seus jornalistas. Mas existe uma consideração dentro dessa característica de diálogo, que não é exclusiva da ESPN Brasil e sim de vários blogs, mesmo aqueles que não contam com o apoio de em canal televisivo. Entre aquele jornalista/blogueiro que faz esse uso dialogal do blog para aquele que monitora a sua repercussão com outros fins que, entre outros, poderia ser o de vender um produto qualquer e, em função disso, molda o seu discurso centrado na objetividade de “agradar gregos e troianos” (público e anunciantes/patrocinadores), existe uma fronteira tênue e de difícil percepção para o usuário desses meios. Basta dizer que, entre os blogs que visitamos para esta pesquisa, existem alguns que nós questionamos tratarem-se mesmo de um blog, alguns mais se parecem com uma página de classificados, a usabilidade advinda da simplicidade dos blogs no acesso à informação fica submissa e perdida no meio de tantos anúncios. Um blog sobre política mais se parecia com um diretório político virtual (pró MCcain). Alguns dos blogs mais notórios são os que mais possuem publicidade, de forma que é difícil saber até que ponto não é a publicidade que molda o discurso desses espaços e não a informação, a opinião e o próprio diálogo.

Voltando ao site da ESPN Brasil, temos lá também o mural e os blogs dos programas e das transmissões, como partidas de futebol, por exemplo. Nesse caso, as pautas, os assuntos do dia ou os lances do jogo são postados e comentados pelos internautas. Em tempo real, os apresentadores/narradores/comentaristas vão destacando e respondendo aos comentários dos fãs num diálogo entre emissora e público. É claro que aqui, também, os comentários que são destacados ou respondidos representam uma pequena parcela do total, pois esse número extrapola qualquer possibilidade de se responder a todos[257]. Este exemplo, como inúmeros outros, inclusive fora da esfera dos blogs, demonstra que o diálogo na web depende de outras ferramentas ou da integração de várias delas. Sendo assim, um instrumento único de publicação por si só não estabelece diálogo ou, ao menos, não se apresenta como uma interface cuja usabilidade favoreça o diálogo. Este depende de outros mecanismos, seja um canal televisivo, seja um chatroom ou um programa de mensagens instantâneas e, até mesmo, o e-mail entre algumas possibilidades.

Embora a ferramenta blog não seja a mais adequada ao diálogo, existem alguns recursos associados aos blogs que vêm sendo utilizados pelos blogueiros como uma forma de se manter um diálogo, ou de se estender o diálogo, dentre os quais um que vem ganhando destaque na blogosfera, o microblogging.

Microblogging

Existem várias ferramentas que vêm sendo associadas aos blogs e que analisamos através de outras iniciativas, como o site do Google, a Folha Online, o Estadao.com.br e o site ESPN Brasil. Dentre elas, destacam-se: nuvem de tags, blogroll, RSS e outros feeds e a busca. Entretanto, essas são ferramentas de navegação, de acesso à informação e de organização da mesma, portanto, são ferramentas que estão ligadas ao conceito de usabilidade, que possuem um intuito facilitador e não dialogal. Já o microblog é uma ferramenta de diálogo cujo uso vem ganhando força entre os blogueiros, embora não seja uma ferramenta de uso exclusivo dos blogs.

Qualquer adolescente de classe média sabe como é ser convidado para uma festa de um amigo que faz aniversário e, chegando lá, excluindo o seu anfitrião, não conhece mais ninguém. Deslocado, acanhado, o adolescente passa a seguir o seu amigo durante toda festa até começar a interagir com outros que igualmente o estão fazendo e, então, consegue se socializar com os demais. A experiência que o usuário iniciante dos sistemas de microblogging tem é semelhante a esta, a diferença é que ela ocorre dentro do mundo virtual.

O que você está fazendo agora? Pergunta o sistema Twitter[258], o mais popular entre os blogueiros brasileiros, logo abaixo da pergunta, um campo para o usuário responder a essa simples questão com, no máximo, 140 caracteres. Na partilha dessa informação, os usuários desse sistema ou de outros semelhantes, tais como Pownce, Plurk, Jaiku, FriendFeed[259] e Hello.txt, se dá o diálogo entre os usuários. Estes ficam conectados uns aos outros através do recurso de se seguir alguém e, com uns seguindo outros, se monta uma rede de relacionamento. O microblog é mais que uma ferramenta de diálogo, é também uma nova forma de se montar uma rede social através da web. Vale dizer que essas ferramentas não se apresentam como microblog, e sim como uma nova maneira de se formar redes sociais. O microblog pode também ser entendido como uma espécie de chat sem chatroom, com a diferença que, neste caso, é o usuário que monta o seu chatroom, através da escolha de quem seguir. O pequeno campo de texto das ferramentas de microblogging permite mais do que simplesmente compartilhar informações, permite compartilhar arquivos e links. E, no que tange aos blogs, podem ser associados a ele como um recurso de publicação cuja usabilidade está na mobilidade, como nos explica Tiago Dória, um dos primeiros blogueiros a fazer uso dessa ferramenta no Brasil: “Utilizo o Twitter (...) porque é uma ferramenta mobile que me permite comunicar e publicar conteúdo de qualquer lugar. Acredito que essas ferramentas [microblog, RSS e outros feeds] criam camadas a mais de informação. Nenhuma substitui a outra. Cada uma tem suas vantagens e desvantagens”.

Uma das desvantagens do Twitter é a instabilidade do sistema que, volta e meia, fica fora da rede. Mas este é um problema comum a qualquer plataforma que esteja em desenvolvimento, que esteja crescendo[260]. Lucia Freitas é outra blogueira que vem se beneficiando com o uso do Twitter. Ela explica qual a chave para o sucesso dessa ferramenta dentre os blogueiros brasileiros[261]:

O Twitter, na verdade, é um jeito de criar conversas em rede (...) em outro formato. Estamos no Twitter, no Pownce, no Plurk, no Jaiku, no Hello.txt e no que mais aparecer. O Twitter sai na frente pela facilidade de uso: a gente pode se comunicar por múltiplas ferramentas, literalmente em qualquer lugar. Tudo pode ser taggeado (com #) o que facilita as buscas – e há MUITOS mecanismos de busca para a ferramenta. Mais que isso: ele permite que a gente use também como um IM (Instant Messenger).
(...) O Twitter é uma mega-fonte de informação para blogs, é onde a gente compartilha links, notícias, idéias, é onde buscamos ajuda para determinados problemas que podem ser expressos em 140 caracteres.

O Twitter e outras ferramentas semelhantes são centralizadoras de informações, funcionam de forma síncrona e assíncrona baseadas em tags. Permitem partilhar os comentários de posts dos blogs (que estejam formando uma rede dentro de um serviço de indexação de blogs), daí dizer que tal mecanismo virou um microblog, o que era inicialmente uma ferramenta apenas para o usuário dizer o que estava fazendo acabou sendo apropriada pelos blogueiros dessa maneira, utilizada para marcar encontro, trocar links, criar tags. Funciona em qualquer tecnologia, desde o celular[262] até o MSN, o que lhe confere um alto grau de usabilidade e mobilidade. Freitas é contundente em afirmar que tal recurso, microblogging, é resultado da apropriação dos blogueiros sobre essa ferramenta: “Entenda: a ferramenta serve ao USO que a gente faz dela. Não é a única, não é nem mesmo central. É mais um lugar onde a gente se encontra todo dia – como grupos de discussão, IM’s[263], bares etc.”. Ou seja, da mesma forma como se pode dizer que o blog jornalístico é resultado da apropriação que os usuários fizeram dessa plataforma[264], o microblog é, igualmente, fruto desse mesmo tipo de apropriação, é resultado da convergência midiática do usuário sobre as novas tecnologias a ele disponíveis.

BBB – Big Brother Blog

“Eu percebo que a grande mídia está de olho nos blogs”, diz Lucia Freitas. Já os blogueiros, estão de olho em você. Independentemente de com qual intuito, uma prática comum aos blogueiros é monitorar o seu público. Para fazê-lo, são utilizadas várias táticas, a primeira delas, como já mencionamos, é o cadastro. Alguns blogs, sobretudo aqueles vinculados a grandes portais, exigem um cadastro prévio para que o usuário possa interagir. O cadastro vai permitir ao dono do blog, do portal ou qualquer que seja o site, medir o perfil de seus usuários. Essa medida vai variar de acordo com as informações requisitadas, mas, normalmente, vão elucidar as dúvidas mais básicas sobre o usuário: quem é, onde vive, de onde veio e como chegou até aqui. O cadastro é feito através de um formulário eletrônico; os formulários, na verdade, podem ser utilizados para vários fins além do cadastro, podem ser utilizados como espaço de contato para envio de mensagens, envio de arquivos e imagens, confirmar um termo de uso, enviar um comentário ou para se montar uma enquete, entre inúmeros outros usos. Porém, quando o usuário de um blog ou outro site qualquer envia um formulário, as informações que são enviadas nem sempre se restringem àquelas que foram explicitamente solicitadas. Dentre as informações não requisitadas que podem ser enviadas está o número de I.P., o número que identifica a conexão do usuário. De forma que, enquanto uns clamam pelo direito ao anonimato na rede, outros se colocam acima dessa questão, pois possuem os mecanismos para identificar exatamente quem é o seu usuário. Um exemplo: se você fez um comentário anônimo em um blog da plataforma Blogger, a CIA tem condições de saber exatamente quem você é caso ela se interesse. Mas a Google (dona da Blogger), vale esclarecer, não é a única empresa a manter esse tipo de “negócio” com a CIA. Segundo palavras do diretor de um outro serviço de inteligência, o Ibope Inteligência, o Dr. Marcelo Oliveira Coutinho Lima[265] expõe que há tempos Bill Gates, dono da Microsoft, possui uma “parceria” com a CIA que permite à agência acessar qualquer computador conectado à rede que esteja rodando sob o sistema operacional Windows. Sendo assim, da mesma forma que dissemos, por exemplo, que a Internet possui características tecnológicas que resgatam o debate e o diálogo através da mídia, não há dúvidas de que ela tem embutida em si, também, todo um ferramental que pode ser utilizado para a espionagem. As questões levantadas por George Orwell na lendária obra 1984 são inerentes ao novo meio. É preciso que a idéia do Big Brother não seja exclusividade de um ou de outro, é preciso que ela seja utilizada em prol da coletividade, pois tal característica jamais poderá ser desvinculada da Internet. E não é preciso ir tão longe na imaginação, Yochai Benkler já ponderava sobre esse fato dentro de suas objeções ao resgate da esfera pública na Internet[266].

 Outra prática dos blogueiros é medir a sua repercussão dentro da blogosfera e perante o seu público; para isso, utilizam-se de variados sistemas de métrica. O mais básico de todos é o sistema de métricas de audiência internacional de sites Alexa, que exibe o tráfego dos sites. Como existem muitos sites, esse sistema não serve para destacar o peso do blog na blogosfera, para isto existem os sistemas de indexação de blogs, que medem a audiência entre os blogs cadastrados. Internacionalmente, o mais utilizado é o Technorati, mas existe um brasileiro, o Blogblogs. Vale destacar que no Technorati encontra-se a central do Blogger, maior plataforma de blogs mundial. O site também publica um estudo sobre blogs, “O Estado da Blogosfera 2008”, que, entre outras informações, registra 133 milhões de blogs cadastrados no sistema. Porém, até onde pudemos perceber, tal estudo não serve de referência para o público e os blogueiros brasileiros, um quadro que apresenta a demografia dos blogueiros simplesmente ignora a existência do Brasil e outras partes do mundo, por exemplo.

Para o blogueiro brasileiro, a maior referência é o Blogblogs, site que dá a medida da blogosfera nacional. O site rankeia os blogs pelo “sistema Google de métrica”, ou seja, baseado no link. O site mede a quantidade de blogs que linkam outros blogs, o que corresponde à quantidade de referências que um determinado blog possui nos blogrolls de outros blogs, e também o número de links que apontam para um determinado blog. Existe também o Netrattings do instituto Ibope (em parceria com o instituto Nielsen), que apresenta métricas baseadas em tráfego. Com essas diferentes formas de medida, há controvérsias quando se quer apontar o blog mais popular. Por exemplo, enquanto o Blogblogs coloca o Interney no topo do ranking da blogosfera nacional, o Ibope diz que o blog do Josias de Sousa da Folha Online é o maior do país. Enfim, o que vale mais? Ter mais links e repercussão na blogosfera ou possuir uma média de tráfego maior? O preço da propaganda talvez seja a única maneira de se responder a esta questão.

Outro serviço utilizado pelos blogueiros para monitorar o seu público e buscar novas soluções que visem melhorar o seu desempenho e a sua audiência, inclusive com o objetivo de aumentar os benefícios obtidos com marketing, é o Google Analytics[267]. É um serviço que apresenta uma ampla gama de sistemas de monitoramento e soluções para “testar e aumentar o número de conversações” dos blogs, como está descrito na página inicial do site. Nada mais interessante para a Google – a maior plataforma de webmarketing do mundo – do que incentivar e ensinar os seus usuários a aumentarem os seus benefícios que, a tira-colo, aumentam os benefícios dela mesma, em algo que pode ser entendido como uma espécie de novo “Baú da Felicidade” da era digital.

Carolina Terra expõe quais são as informações que os blogueiros costumam monitorar em seu blog: “Para você obter análises do blog, basta criar um blog no Wordpress e extrair relatórios de pageviews, hits, comentários, posts mais visitados, ping backs etc.”. Vale dizer que tais relatórios são fornecidos por outros provedores e plataforma de blogs também. Terra esclarece o que significam estes itens do relatório que descreve. Ping backs são todos os links que direcionam ao site/blog, e hits são os textos ou posts mais acessados, mais visitados. Em outras palavras, o ping back dá a medida do blog em meio à blogosfera, e os hits indicam a repercussão dos conteúdos veiculados pelos blogs. Vemos que os blogueiros, no fundo, não são muito diferentes dos jornalistas, eles se preocupam, de um modo geral, tanto com sua imagem perante o público quanto perante os seus pares, da mesma forma que os jornalistas. Quando se critica os jornalistas por eles escreverem ou se preocuparem com questões que concernem somente a eles, o mesmo pode se dizer dos blogueiros, pelo menos dentre aqueles blogueiros de maior renome.

Futurologia

“É muito difícil fazer previsões de futuro em se tratando de tecnologia no mundo atual, por isso eu prefiro me abster de falar sobre os rumos do jornalismo dentro dessa nova era da informação”, afirmam reticentemente os blogueiros Marcelo e Lyanne. “No mestrado não se faz jogo de adivinhações. Aqui não se estuda futurologia”, diz o Dr. Laan Mendes de Barros, coordenador da pós-graduação da Faculdade Cásper Líbero. Nós concordamos com todos, mas o que custa perguntar? Depois de tanto refletir sobre a contemporaneidade, não é demais tentar estender o pensamento para um pouco além: o futuro. Dessa forma, para encerrarmos o presente estudo, vamos ouvir o que os blogueiros nos disseram sobre o futuro – afinal, como cantaria um filósofo da música, ele está “alí logo em frente a esperar pela gente”.

Algumas pessoas, quando falam do futuro, não falam do que acham que irá acontecer, e sim do que esperam que aconteça ou, talvez, do que deveria acontecer. É dessa maneira que se manifesta Pedro Villalobos: “A apuração jornalística tem que permanecer, mas a forma de lidar com essa informação vai ter que mudar drasticamente ou as pessoas simplesmente vão abandonar esses meios. Ninguém aguenta mais pautas de jornal baseadas em miséria e crimes”.

Apesar de achar que “isso é um exercício de adivinhação” em função de o cenário atual estar em processo de constante mutação, Lucia Freitas espera que o jornalismo possa “abrir espaço para o leitorado e novos canais de comunicação com o seu público. E seguir apurando notícias, criando conteúdo e informação relevante”, o que, em outras palavras, é dizer que o jornalismo continue o seu curso atual, ganhando novos públicos com o surgimento de novos canais midiáticos, sobretudo neste mundo que “cada vez mais, flui através de linhas conectivas de banda larga, linguagem digital-binária e dispositivos computadorizados miscelâneos”, como dissemos num passado não muito distante.

 


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