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CONSIDERAÇÕES FINAIS - CAPÍTULOS I e II |
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“You buy future; you sell future; when there is no future” – Devil’s talking[174] O Paradigma da Internet Iniciamos o capítulo nos referenciando à mudança de paradigma advinda da inclusão da Internet dentro do palco midiático. Assim, vamos ressaltar quais foram as palavras e conceitos-chave que embasaram esta mudança de paradigma que é, como expusemos várias vezes: a introdução do indivíduo dentro da cena midiática através de uma rede que permite a comunicação de todos com todos, e não mais somente de um (ou poucos) para muitos, uma nova hierarquia comunicacional, ou seria melhor dizer: o fim das hierarquias comunicacionais. Fazem parte dessa mudança de paradigma a cibercultura, a inteligência coletiva e a nova forma de produção de conhecimento livre de propriedade entendida como Commons, a base da produção dos pares (ou usuários) interconectados, a peer production, que também perpassa por novas formas de conexão dentro de um mundo desintermediado e desterritorializado. A extensão da escrita através do hipertexto também nos mostra o novo degrau alcançado dentro da produção e do acesso ao conhecimento nas novas mídias, muito aquém do patamar que antes era delimitado em textos sobre suportes estáticos ou em imagens e sons que desaparecem no ar após o exato instante em que são veiculadas. Até aqui, descrevemos o palco de um mundo midiático que pode ser entendido como universal sem totalidade, que abrange todo o planeta e todas as mídias, sem possuir qualquer tipo de instância centralizada de mediação, o que faz desse novo palco, a Internet, uma mídia mais democrática que as demais. A universalidade, também entendida pelo alcance global da Internet, transforma a somatória de uma série de pequenos teatros em espaços que englobam o todo; a mídia, além de local, agora é mundial; mais do que isso, o local se torna de acesso mundial – a mídia de alcance global. Sendo assim, a mídia, hoje, tem uma capacidade muito maior, tanto de filtrar as informações do global para o local, quanto de projetar a informação local para o global, de modo que a profundidade informativa hoje disponível é infinitamente maior do que se tinha disponível antes do surgimento da web. Isso também pode ser expresso através do paradigma jornalístico no qual a informação é um direito fundamental do povo e, hoje, o povo nunca esteve tão próximo da informação ou dos obstáculos que o separam dela. De forma que, se a informação representa um quesito fundamental para que o povo possa delegar o poder dentro das sociedades representativas, hoje ele tem condições de fazê-lo com muito mais sabedoria. O paradigma da Internet talvez seja único se comparado com as demais mídias, pois ela é uma mídia que, de certa forma e em diferentes graus, reflete o que seus criadores procuraram designar ao inventá-la, o que se verifica nos conceitos acima listados e através das palavras liberdade, cooperação, reciprocidade e informalidade. A informalidade reflete a relação indivíduo-indivíduo que não segue regras estabelecidas, da mesma forma que a mídia perde as suas instâncias mediadoras. Existem ainda certos movimentos que aceleram algumas tendências que vinham em curso antes do surgimento da Internet, tais como a fragmentação e a segmentação da mídia. A fragmentação pode ser, inclusive, entendida como a quebra da seqüencialidade típica das mídias tradicionais, não só pela não-linearidade do novo meio, mas pelas possibilidades que o cidadão hoje possui em acessar diversos conteúdos midiáticos de diversas formas e em diferentes momentos, inclusive burlando as ditatoriais formas de distribuição da informação como até então existiam (e que ainda coexistem com as novas). Além disso, a mídia passa a refletir uma série de características da sociedade, na atualidade muito centrada no individualismo e no narcisismo; assim, o centro da mídia se desloca para o indivíduo e a mídia se torna eu-cêntrica. Ruptura é outra palavra-chave dentro do novo paradigma comunicacional que se inicia com a quebra do monopólio informativo antes detido pelas corporações de mídia que hoje têm, ao seu lado, quase que em pé de igualdade, o indivíduo. Assim, todo o processo produtivo (e também distributivo) da informação sofre uma fragilização com a presença do usuário. O caso da Napster, que exemplificamos neste estudo, demonstra claramente esta situação, assim como a compra da Time-Warner pela AOL, quando este conglomerado apostava numa nova e lucrativa forma de distribuição de conteúdo via Internet, sem os custos logísticos de toda uma cadeia produtiva e distributiva inerente a produtos midiáticos analógicos, mas que não foi assimilada pelos usuários. Outra palavra-chave do meio reflete o que o próprio meio é: uma inovação. Enquanto muitos tentam entender se, de fato, a Internet é o vetor para uma grande revolução que deve abalar os alicerces da sociedade como um todo, uma coisa apenas é certa: ela representa uma grande inovação na forma como as pessoas se relacionam midiaticamente, e isto, direta ou indiretamente, acaba refletindo na vida da sociedade. Mas, o que enxergamos no dia-a-dia é uma constante evolução, que não pára, a cada inovação segue-se outra ou se formam as bases para uma nova e mais ampla inovação, típica de um meio que ainda não atingiu seu patamar máximo de evolução, que ainda está sendo construido. De forma que a inovação de hoje representa o obsoleto de amanhã, e tal palavra-chave se mantém sempre em atividade, construindo novas formas de comunicação que ainda precisarão ser entendidas e absorvidas pela coletividade – trata-se de um movimento de virtualização e atualização crônico. Essas inovações tecnológicas também nos levam a um novo mundo comunicacional; estaríamos, assim, entrando na era da estrutura e da configuração de forma em que o próprio campo comunicacional é hoje atravessado por uma série de devices, hardwares, códigos, protocolos e softwares que colocam em cheque as suas próprias bases epistemológicas que, se já eram frágeis dentro do entendimento de vários estudiosos[175], hoje se fragilizam ainda mais. Com esse suprassumo de palavras-chave e conceitos ligados ao novo paradigma comunicacional e, dentro dos entendimentos que apresentamos de ruptura de paradigma através das citações ao estudo do português Boaventura Sousa Santos, chegamos a mais uma característica de dualidade das novas mídias. Podemos afirmar que o novo paradigma comunicacional é de crescimento e de degenerescência ao mesmo tempo. É de crescimento, pois estamos construindo um novo mundo midiático muito superior e muito mais evoluído em relação ao “velho mundo” da comunicação, que carrega consigo também alguns dos valores positivos (e, infelizmente, os negativos também) que já existiam nas demais mídias, assim como cria novos valores e fortalece/enfraquece outros. É de degenerescência porque essas novas mudanças implicam uma revisão completa e de base epistemológica para readequar o campo comunicacional dentro desses novos paradigmas. O jornalismo, que foi a âncora desse estudo dentro do campo comunicacional, é o grande exemplo disso, pois hoje existe um profundo debate onde muitos se questionam se o jornalismo é uma habilitação comunicacional ou um campo único do conhecimento, outros crêem que o jornalismo não forma um campo de estudo próprio e sequer deveria ser agraciado com uma formação universitária, tal habilitação não passaria de uma coletânea de conhecimentos técnicos e, no mundo da estrutura e da configuração, a formação técnica chega mesmo a sobrepujar a acadêmica: o jornalista sozinho não é capaz de se manter na nova mídia, sendo refém de uma série de conhecimentos que estão fora do campo comunicacional. Se já se questionava se o conhecimento comunicacional flutuava por outras áreas do conhecimento, tais como a Filosofia, a Sociologia e as Ciências Políticas, hoje ele perpassa campos da Informática e da Tecnologia da Informação, entre outros. E mais, a Internet coloca em cheque a profissão do jornalista e muitos acreditam que não é mais necessário passar pela universidade para exercer essa profissão em toda sua plenitude. A nova grande tendência para o jornalismo praticado através das novas mídias está intimamente ligada com o novo paradigma comunicacional que tende a uma simplificação da informação e no acesso à mesma, o que acarreta numa democratização para os cidadãos que consomem as mais diversas formas de informação, notícia e conteúdo. Isso leva a crer que esse novo mar de informações agora acessíveis criará indivíduos mais conscientes de seu papel dentro da sociedade. Um exemplo da beneficie no acesso à informação é a maneira como a Internet facilitou e democratizou o acesso às informações de cotações da bolsa de valores e nos serviços de classificados, que são as bases fundamentais do jornalismo (como diz Marshall McLuhan[176]). Esse tipo de melhora no acesso à informação e a conteúdos diversos evoluirá constantemente, inclusive porque agora a mídia tem agregada em si os benefícios da inteligência coletiva (que também beneficiam o surgimento de cidadãos mais conscientes). Outra tendência deverá se tornar realidade quando alcançarmos o novo patamar coevolutivo da Internet através da web semântica, que agregará o conceito de agentes inteligentes em serviência a um acesso mais dinâmico, esperto e personalizado à informação (como diz Nicholas Negroponte[177]), outro vetor que beneficiará, mais do que nunca, o aumento e o acesso à inteligência coletiva. Outro fator, inevitável, ligado ao jornalismo, se deve ao constante processo de virtualização inerente das novas tecnologias que surgem incessantemente, tende-se a repensar as bases epistemológicas dos estudos de jornalismo a fim de acompanhar as novas peculiaridades informativas advindas das relações interativas dos meios digitais (mas que nada tem a ver com a discussão de o jornalismo ser ou não uma área do saber acadêmico ou não pertencer à Comunicação). Outra mudança de base epistemológica está na própria plataforma aberta das novas mídias que, cada vez mais, serão o palco por onde toda uma nova geração de jornalistas exercerá a sua profissão sem precisar se preocupar com os velhos gatekeepers da velha mídia, sendo, eles mesmos, os seus próprios gatekeepers. O jornalismo de autor, baseado em narrativas mais próximas da opinativa e literária, passará a ser uma tendência à qual os cursos de jornalismo se verão obrigados a convergir e, assim, educar os seus estudantes para esta nova prática. Porém, uma outra figura característica do Jornalismo, o editor e/ou publisher, como veremos no decorrer do próximo capítulo com alguns exemplos práticos mas vale adiantar aqui, não desaparece na Internet. Ele se modifica, pois não pode mais agir como o grande gatekeeper que era, mas continua existindo e sua importância é, e ao que tudo indica, sempre será vital para a prática jornalística dentro da esfera ciberal. O eu-centrismo que se verifica nas novas mídias tende a se intensificar, de modo que teremos um aumento da interatividade e do papel do usuário nas pautas editorais, defendendo seus próprios pontos de vista e sustentando opiniões e visões diferente das dos meios de massa, onde poderemos ter uma completa subversão de valores, com o usuário pautando a mídia e não mais o inverso.
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