Dissertação de Mestrado - Faculdade Cásper Líbero
INTERNET, JORNALISMO E WEBLOG: A NOVA MENSAGEM

Estudos Contemporâneos de Novas Tendências Comunicacionais Digitais

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HOME - SUMÁRIO

AUTOR - CONTATO

BIBLIOGRAFIA

ANEXOS

GLOSSÁRIO


3. Os Blogs como Novo Meio de Expressão Jornalística


 “Don’t get too cocky, no matters how good job you’ve done. Keep your self small, innocuous: be a little guy, the nerd, the leper, cheap chicken surfer” – Devil’s talking[125]

Segundo o professor Rosental Calmon Alves, o blog é a mais nova modalidade de jornalismo online, embora ainda existam muitos jornalistas e acadêmicos que relutem em aceitar essa idéia. Calmon Alves revela o porquê dessa relutância e expõe a sua análise sobre a questão:

Os jornalistas inicialmente viam com desdém os blogs, mas foram aos poucos entendendo que se tratava de um fenômeno importante, estreitamente ligado às transformações impostas pelo jornalismo digital. Jornalistas e empresas jornalísticas precisam entender que o blog é apenas um instrumento. Com essa ferramenta nasceu, de baixo para cima, a partir dos cidadãos comuns, uma nova linguagem, uma formatação narrativa que pode muito bem servir para o jornalismo. Assim, em vez de ficarem empacados na inútil discussão para determinar se blog é ou não é jornalismo, muitos jornalistas e jornais adotaram seus próprios blogs, levando para eles os mesmos valores que aplicam nas formas tradicionais de jornalismo. Uma das vantagens que encontraram neste novo formato foi o diálogo com os leitores (Alves, 2006:100).

Se entendermos as iniciativas que surgem do lado do internauta, como os blogs, e que ganham relevância para o jornalismo, vemos que as inovações dessa habilitação estão surgindo de fora das instituições, portanto não são inovações do jornalismo, e sim dos internautas (e/ou empresas de tecnologia). Sendo ou não inovações do jornalismo, sem dúvida, o blog e outras ferramentas são inovações para o jornalismo – assim como a invenção da prensa gráfica possibilitou novas práticas para o incipiente jornalismo em sua época. “Os blogs e todos esses sistemas novos podem parecer frágeis, pouco confiáveis e pouco sérios. Mas eles são uma demonstração de criatividade e inovação que está acontecendo fora do âmbito do jornalismo tradicional” (Alves, 2007:101).  Para Calmon Alves, a lição dos blogs tem que ser entendida como a prática de um jornalismo mais comunitário, mais participativo, e cita vários exemplos de sites e comunidades informativas[126] que estão inovando dentro deste conceito. E mais, estão ganhando uma relevância cada vez maior dentro da opinião pública.

Essa nova prática estaria ligada ao conceito de “virtual settlement[127], que, de acordo com a mestra em Comunicação e Novas Tecnologias Juliana Lúcia Escobar (UERJ):

É entendido como um lugar simbólico situado no ciberespaço que teria a função de territorialidade necessária para a constituição de laços comunitários entre os indivíduos. É um delimitador de fronteiras simbólicas e não concretas. Funciona como o suporte para a verdadeira comunidade virtual e é imprescindível para que esta se forme. No entanto, a mera existência de um virtual settlement não garante o estabelecimento de uma comunidade virtual. Uma sala de bate-papo, por exemplo, é um virtual settlement mas somente dará origem a uma verdadeira comunidade virtual se as pessoas de fato utilizarem este lugar no ciberespaço para a criação e manutenção de laços e relações sociais. Comunidades virtuais surgem a partir dos usos que as pessoas fazem de um determinado virtual settlement (Escobar, 2007:11 citando Quentin Jones).

Dessa forma, a Internet – ambiente altamente conectivo – facilita esse tipo engajamento comunitário onde poderíamos encaixar o fenômeno dos blogs. O blog é a ferramenta comum dos indivíduos; a blogosfera, é a comunidade dos blogs, composta de laços simbólicos cujas conexões vão além das simples ferramentas disponíveis que facilitam a interatividade/conectividade. Existem laços que vão sendo construídos pelos indivíduos, incluindo o jornalista, que dão um novo fluxo para a informação dentro do ciberespaço, seja qual for a natureza dessas informações. Nesse sentido, poderíamos afirmar que o jornalismo na web – palco do indivíduo – se relaciona com este através de um tipo de virtual settlement expresso pelo surgimento da blogosfera (entre outras formas de agrupamento virtual). Entendemos que essa comunidade, a blogosfera, é um espaço virtual altamente interconectado que também conecta diversos outros virtual settlements, ela não tem um ponto de encontro, uma única URL (ou poucas), ela representa os laços que vão se formando entre diversas comunidades, instituições e indivíduos, entre blogs, blogrolls e diversas formas interconectivas. Esses laços, que compõem o fluxo informativo dos blogs, é algo que se apresenta de forma pouco compreensível, de difícil mensura. Dentro daquela idéia da igreja liberal, poderíamos dizer que o fluxo dos blogs e blogrolls seguem a pregação que diz que “Deus escreve certo por linhas tortas”, onde podemos entender que eles nunca apontam para os mesmos caminhos, caminhos esses que, além de divinamente liberais, também podem levar aos mais traiçoeiros precipícios como na mitológica descrição do Inferno de Dante Alighieri.

Quem entende o blog como a melhor solução, até então surgida, para a prática do jornalismo online é a professora e mestra em Jornalismo Mariana Della Dea Tavernari (USP), que afirma: “A remediação do conteúdo jornalístico só atinge sua potencialidade ótima com o surgimento dos diários virtuais, que favorece a troca de informações de modo bilateral e interativo” (Tavernari, 2007:5). Embora aponte o blog como a melhor remediação para o tratamento de conteúdo jornalístico dentro da interatividade da web, ela não o enxerga como a cura, pois a grande massa de conteúdo jornalístico que circula nessa esfera “é proveniente de sites, agências de notícias e portais. Por outro lado, muitos jornais sofrem influência das características dos diários virtuais jornalísticos, que se tornam uma rica fonte de pautas para os jornalistas” (Tavernari, 2007:5). Dessa forma, a blogosfera pode ser vista como uma nova esfera por onde se distribui o jornalismo, que faz ecoar uma série de informações por suas associações, mas que não concorre com os grandes portais e jornais online na produção de informações (ou conteúdo), além de servi-lo com pautas e fontes. Mas é claro que a informação que corre nesta esfera sofre modificações que são inerentes às características hipermidiáticas desse novo espaço virtual.

Tavernari discorre sobre algumas das características da informação que perpassa por essa nova esfera comunicativa. Ela diz que “um dos principais elementos da mídia tradicional que não se mantiveram nos diários virtuais é a figura do gatekeeper (...). Durante anos, o gatekeeper tem sido uma das figuras mais poderosas dos meios de comunicação, delineando tendências e controlando o fluxo de informação” (Tavernari, 2007:8). Uma das características do blog é a sua pessoalidade, a sua relação direta com o publisher, este não está hierarquicamente abaixo de ninguém, de forma que pode publicar, linkar e comentar aquilo que quer, ou não quer. Mas como um blogueiro também não pode falar de tudo, nem ser um índice para tudo, ele acaba sendo o seu próprio gatekeeper, escolhendo os assuntos que aborda em seu blog, estabelecendo conexões com um ou com outro, automediando suas relações. Com a Internet e seus mecanismos, como o blog, as barreiras à informação se dissolvem; assim, os gatekeepers se afastam das instituições e convergem para o indivíduo; este seleciona as informações e os serviços que quer, e as conexões que deseja estabelecer. Tavernari afirma que as funções do gatekeeper são as funções do blogueiro: “A etapa de filtragem de informações e captações e a figura do gatekeeper, especializado na função, inexistem no diário virtual, pois estas tarefas são exercidas diretamente pelo seu autor” (Tavernari, 2007:9). Muitas das funções do jornalismo são, assim, funções do indivíduo dentro da nova mídia.

O interessante desse processo desempenhado pelo blogueiro é o novo trato que ele adiciona à informação, fazendo-a fluir pelo espaço cibernético com um proveito mais atrelado às características do novo meio. Tavernari aponta que “o diário virtual é uma das maneiras para diferenciar-se da reprodução não criativa da mídia impressa e aproveitar o máximo que a interconexão geral possibilita aos internautas e uma forma de impedir a dominação do fluxo de informação que controla a opinião pública” (Tavernari, 2007:9). Ou seja, as características do blog são mais eficazes para a dispersão de informação dentro do meio digital, pois são fomentadoras das características dialogais do meio, além de se colocarem como um novo canal não centralizado, que escapa ao controle do establishment, mais uma vez remetendo à relevância que isso ganha dentro da formação da opinião pública.

Apesar de todas essas colocações, Tavernari volta para a discussão se essa nova forma de comunicação, o blog, poderia, de fato, ser considerado uma nova forma de jornalismo. Ela aponta alguns estudos e discorre, se, o cidadão-repórter, que entende como “jornalista-cidadão”[128], embora exerça algumas das mesmas funções de um jornalista diplomado, possa ser considerado um. Ela aponta um estudo de Rebecca Blood[129], que expõe: “Os diários virtuais não são, como dizem alguns, um novo tipo de jornalismo. Mais propriamente, eles suplementam o jornalismo tradicional com avaliações, comentários e, acima de tudo, filtragem da informação produzida mecanicamente pela imprensa” (Tavernari, 2007:12 citando Blood, 2002:23). Como já mencionamos, o blog estaria à margem da produção jornalística, consistindo-se apenas num meio de sugá-la e complementá-la[130]. O problema é que ao complementar e comentar as informações, o blog não leva em conta as regras do bom jornalismo, pelo simples fato de não ser praticado, pelo menos na grande maioria, por jornalistas. O problema então seria que:

(...) o chamado jornalista-cidadão conta a sua versão dos fatos, de modo subjetivo, sem se ater aos princípios de objetividade pelos quais clamam os jornalistas. Não se compromete com a imparcialidade tida como necessária à ética jornalística (...) este novo jornalismo é visto como um jornalismo opinativo e parcial (Tavernari, 2007:13).

Já mencionamos no decorrer deste estudo que o blog estaria dando uma nova força para o jornalismo opinativo. Basta se refletir sobre a pessoalidade do novo meio e a relação direta do blogueiro com a mídia, para evidenciar que um fato está diretamente ligado ao outro. Uma informação que navega pela esfera cibernética ganha a autoria de todos que porventura a encontrem, de forma que vai apresentar essas características descritas: subjetividade, parcialidade e também a falta de objetividade. A ausência desses princípios é que faz a esfera do blog ganhar uma nova relevância dentro da opinião pública, pois é um canal aberto a tudo e a todos. Nesse sentido, a Internet e a própria blogosfera se apresentam como um novo e múltiplo meio capaz de exercer sobre a própria mídia o mesmo papel que a mídia desempenha em relação à sociedade: vigília. Um exemplo claro dessa nova característica democratizante da mídia pode ser vista através da atuação do jornalista Luis Nassif. Demitido da revista Veja, montou seu blog na Internet e entrou numa “guerra” contra a revista passando a denunciar os abusos da mesma. Somente em uma rede de plataforma aberta e inclusiva como a Internet, Nassif poderia encontrar espaço para as denúncias que passou a fazer[131]. Vale lembrar que alguns estudiosos questionam a imparcialidade e a objetividade jornalística típica dos mass media. Nesse sentido, a Internet estaria suprindo essa carência da mídia como um todo e, mais uma vez, modificando as estruturas da esfera pública através de um canal aberto a todas as formas de diálogo: do jornalismo balizado em princípios éticos ao discurso radicalizado – espaço para o bom e o mau escritor, do Vossa Excelência, passando pelo você, tu e chegando ao vc e ao u –, incluindo novas formas que precisarão ser estudadas e entendidas (como a próprio fluxo comunicacional dos blogs).

O jornalismo opinativo é uma das expressões dos blogs na atualidade, tanto que muitos jornais online transformaram os espaços de seus colunistas em blogs, embora em muitos a única mudança tenha sido apenas no nome do espaço. Tavernari lembra que hoje “jornalistas são contratados por grandes conglomerados jornalísticos para publicar conteúdo em diários virtuais próprios” (Tavernari, 2007:10). Também hoje, instituições e empresas diversas contratam jornalistas/blogueiros para montar e gerenciar blogs oficiais. Muitos blogueiros são patrocinados por portais e jornais online, e um grande número de jornalistas de renome têm site próprio e/ou blog. Devido às características do diálogo dentro desse espaço ser mais pessoal e interativa, vemos que não é só a blogosfera que se abre para a prática de um jornalismo mais opinativo; jornais, portais e instituições diversas também o fazem. Embora a prática do jornalismo opinativo seja comum nos blogs, Tavernari não vê essa modalidade narrativa como a expressão maior dessa esfera, que seria, na verdade, um “elemento introdutor de uma nova narrativa, pessoal e próxima do jornalismo literário” (Tavernari, 2007:14). Independentemente do gênero predominante – ou da ausência de gênero(s) –, a característica maior do blog é a pessoalidade do espaço, talvez o melhor para se comunicar jornalisticamente na web, daí o seu uso cada vez mais crescente, tanto por indivíduos, quanto por jornalistas e instituições. Para o jornalismo na web, “o weblog é a mensagem”.

Enquanto alguns enxergam os novos tipos de narrativa que aparecem nos blogs como uma afronta às regras do bom jornalismo, onde o pilar sustentador seria a objetividade e a imparcialidade, um estudo dissertativo da mestra em Comunicação Diana Barbosa (Univ. Federal de Pernambuco) analisa a questão sob um outro foco. Ela entende que as narrativas do blog, embora sejam carregadas pela intervenção do blogueiro na manipulação das informações, atendem uma lacuna deixada pela grande mídia. Na verdade, a narrativa pessoal dos blogs está mais próxima da realidade cotidiana dos internautas do que a da grande mídia, cujo foco está no espetáculo. Apoiando-se num estudo de Muniz Sodré[132], ela questiona que “talvez se deva refletir que não é apenas o blog que se aproxima do jornalismo, mas o jornalismo que adere cada vez mais ao formato que tende para o show, perdendo seu status de interseção entre o fato e a informação ‘pura’” (Barbosa, 2005:45). Dessa forma, a linguagem do blog relaciona-se com o próprio fenômeno de sua popularização, mas não no preenchimento de uma lacuna deixada pelo estilo de narrativa jornalística, mas sim pela visão que se obtém através da narrativa do mundo que perpassa pela mídia. No blog, essa narrativa não estaria tão afastada da realidade quanto nos tradicionais veículos dos mass media – em muitos casos, o indivíduo se projeta na mídia por não se enxergar dentro dos clichês que ela veicula, assim ele adiciona os seus próprios, ou, ao contrário, ao deparar-se com o fantasioso mundo do mass media, o usuário, despido de táticas lingüísticas, marketeiras e persuasivas, descreve a realidade através de uma percepção muito mais fiel ao que ela é[133]. Levando em conta essa análise, Barbosa conclui que “apesar dos textos dos blogs (...) optarem por um padrão mais opinativo (...), essas características de sua escrita não os distanciaram, por si só, da produção jornalística” (Barbosa, 2005:42). Já o estudo do professor Artur Vasconcellos Araujo entra nesse mérito expondo que o “discurso da imprensa se afasta da marca do sujeito, e o autor que acrescenta a sua meta-narrativa legitima o discurso jornalístico. O blog faz mesmo que o jornalismo, mas volta-se para as narrativas e os fatos íntimos dos sujeitos” (Araujo, 2006:73). E, depois de uma longa análise do discurso tendo como objeto dois notórios blogs brasileiros[134], ele conclui que “o discurso dos blogs analisados os validam como ferramenta jornalística” (Araujo, 2006:225). Não é a questão do discurso ou do gênero narrativo que inviabiliza a prática de blogging (blogar, criar e manter um blog) como uma prática jornalística.

Enquanto muitos argumentam contra ou em prol à tese do blog ser ou não jornalismo, existe também o ponto de vista dos blogueiros. Muitos não aceitam a prática de blogging por parte dos jornalistas, entendendo que blogueiro por natureza não pode possuir vínculos com quaisquer órgãos de mídia ou instituições. Muitos entendem que blogs vinculados a jornais online ou grandes portais compõem um veículo híbrido do jornal impresso com o próprio webjornalismo, numa apropriação da plataforma do blog para a mesma e velha prática jornalística e seus conhecidos vícios. Um blogueiro empregado sofreria os efeitos coercitivos de seus empregadores, o que seria um atentado à liberdade de expressão pretendida por muitos blogueiros. Barbosa entende que “a mais visível mudança significativa proporcionada pelos blogs (...) é que o jornalismo deixa de ser praticado por quem ‘escreve’ e passa a ser recriado por quem lê. (...) que reflete não mais o que um grupo de profissionais do jornalismo acredita que as pessoas querem ler, mas o que os próprios leitores gostariam de ter escrito” (Barbosa, 2005:68). Dessa forma, a arte de blogar só teria sentido se praticada por quem não é jornalista profissional, pois ela é a arte que reflete o que o leitor quer escrever, e o jornalista seria incapaz de escrever aquilo que o leitor quer escrever, ele escreve aquilo que acha que o leitor quer ler. Já o blogueiro, despreocupado em fazer da notícia o seu ganha-pão, não tem a necessidade de escrever para ser lido, e sim para se expressar através da mídia. Essa análise perde o sentido se levarmos em conta que, na atualidade, muitos blogueiros passam a trabalhar profissionalmente com seus blogs e canalizam suas tarefas baseados em metas de audiência, especialização em assuntos, obtenção de patrocínios[135] e venda de espaço publicitário, assim, da mesma forma que os jornalistas profissionais, passam a pautar suas informações em funções de seus ganhos. É por isso que muitos blogueiros acreditam que, quando um “colega” passa a atuar dessa forma, na verdade, deixa de ser blogueiro. O blogueiro de verdade não teria a intenção deliberada de atuar como um veículo de mídia (Barbosa, 2005:71), quando o faz, deixa de ser blogueiro, e se ele não é jornalista, então não se sabe o que é. Para a blogueira Bruna Calheiros, do blog Smelly Cat[136], a questão jornalística que esbarra em códigos de ética e conduta contrariam a própria essência do blog, e aí que se define uma das claras diferenças entre blogueiros e jornalistas (ou entre o blog e os veículos tradicionais de jornalismo), pois qualquer tipo regra limitaria o que o blog tem de melhor: a sua liberdade.

Sem entrar no mérito dessa posição em prol de jornalistas ou blogueiros, ela pode ser entendida através da forma como são produzidas e veiculadas as informações por ambos os “lados”. No capítulo anterior, fizemos uma reflexão de como a notícia vem sendo transformada num produto mercantil, levando o jornalismo a entrar numa lógica de produção de espetáculos e ideologização de massas. Contra essa lógica instituída, está a emergência dos blogs proveniente dos cidadãos interconectados que passam a produzir dentro de uma forma cuja base está no compartilhamento, na colaboração e na reciprocidade, que produzem sem compromisso com a indústria do espetáculo e o objetivo de atingir e ideologizar as massas. Sendo assim, um blog deixa de ser blog, independentemente se for de um jornalista ou de um cidadão qualquer, quando sai da esfera da peer production, e passa a atender os velhos interesses das mídias de massa tradicionais, transformando-se num vetor cibernético do espetáculo.

Na verdade, não é possível se afirmar que o blog seja libertário ou apenas mais um mecanismo para a prática jornalística espetacular. O blog é apenas uma plataforma de publicação, o seu uso pode atender a diversos tipos de demandas, sendo estas jornalísticas ou quaisquer que sejam. Temos, nos extremos dessa nova esfera comunicativa, diversas iniciativas que nos mostram isso. A blogueira Lucia Freitas nos dá um exemplo de uma colega que utiliza a plataforma blog para manter um diálogo intercontinental de cunho beneficente/humanitário que nos dá uma noção dessa dimensão libertária do blog (e da própria Internet): “Tenho uma colega que mora em Seattle e monta cursos de educação à distância para uma ONG na Holanda, para treinar médicos a lidar com a AIDS em Moçambique, e ela utiliza software livre”, conta Freitas. Outro extremo está no exemplo que Araujo cita em seu estudo dissertativo numa referência a uma matéria publicada pelo Observatório da Imprensa[137] que conta como um jornalista inglês chamado Nick Denton (Financial Times), utiliza sua fama, alguns blogs patrocinados e um pequeno investimento em publicidade online (via links patrocinados do Google), para transformar a prática de blogging numa máquina que rende “vários milhares de dólares por mês” (Araujo, 2006:146). Um exemplo de como e o quanto o blog pode ser utilizado para “a mesma e velha prática jornalística e seus conhecidos vícios” como colocamos dois parágrafos acima.

Barbosa atenta para outra questão que também pode ser relacionada com a questão da ética e das regras ligadas a pratica jornalística e/ou blogging, confrontando o que os jornalistas entendem por neutralidade e objetividade, o que não seria algo ausente na blogosfera. Essa, assim como as empresas de mídia, também debate questões éticas, elabora seus próprios códigos[138] de conduta e traça regras para produção de informações com a mesma qualidade e preocupações que os jornalistas levam em conta em seu trabalho. Barbosa aponta que, dentro da produção dos blogs, a neutralidade transpareceria dentro das milhares de opiniões e comentários onde, dos mais radicais aos mais liberais, passando pelos pontos-de-vista mais moderados (a maioria), o próprio internauta é capaz de chegar na informação neutra, imparcial e objetiva. Ou seja, enquanto o jornalista precisa trabalhar a informação para deixá-la “neutra”, na blogosfera (e na Internet como um todo), a imparcialidade e a objetividade são obtidas pelo internauta através de seus próprios filtros da realidade. A objetividade, clamada pelos jornalistas como uma de suas funções ao narrar o cotidiano, equivaleria a uma percepção coletiva dos fatos que, na Internet, seriam narrados pela coletividade e abrangendo os mais diferentes prismas de visão (Barbosa, 2005:43-44). Nesse sentido, os blogs fazem uma apropriação da linguagem jornalística que tem pouco ou nenhum espaço na grande mídia, de forma que os blogueiros atuam como colunistas, críticos e comentaristas dos assuntos do dia-a-dia (Barbosa, 2005:27-28). Barbosa mostra que esse movimento de apropriação jornalística por parte dos blogs vem de uma sociedade que consome as informações de todo um complexo de mídia e que passa a atuar ao lado dela, complementando a realidade “que vê na TV” com suas próprias experiências. Dessa forma, se a sociedade se apropria do jornalismo, o jornalismo passa a se apropriar dos blogs como um novo meio de distribuição da informação e inserção na comunidade (Barbosa, 2005:34).

Um dos problemas dos blogs profissionais, ou seja, com fins lucrativos para seus donos e/ou patrocinadores, que negociam espaços publicitários de suas páginas. Nesses blogs, o blogueiro passa diretamente a lidar com as questões ligadas à propaganda. De modo que a crítica sobre a quebra do muro que separava a publicidade do jornalismo como um vetor que compromete a ética do meio, na esfera dos blogs, se torna em algo muito tênue, tal “muro” se torna praticamente inexistente. Talvez, especula-se se ela já tenha existido em tal ambiente. O jornalista ou blogueiro, não habituado com os fundamentos da propaganda e do marketing, é capaz de cometer deslizes imperdoáveis, como, por exemplo, um visto no Blog do Noblat[139], um dos mais notórios do país. Nos dias subseqüentes à maior tragédia da aviação brasileira, o vôo JJ3054 para Congonhas (que espatifou-se durante o pouso no aeroporto paulistano em julho de 2007), o blog veiculava um post com uma frase de um parente de uma das vítimas do fatal acidente, enquanto na coluna ao lado, um banner rotativo anunciava uma promoção de venda de passagens aéreas[140]. Para o mestre em Comunicação e especialista em Marketing Roberto Jimenes (FIAMFAAM), tal caso trata-se de uma aberração publicitária, o que ele nos explica através do seguinte exemplo:

A Pepsi adiou seis meses a veiculação de um filme publicitário mundial que deveria ser lançado após o natal de 2004 em função do Tsunami que atingiu os países no oceano Índico naquela ocasião. O filme continha cenas de craques do futebol jogando bola na areia e surfistas profissionais se divertindo nas ondas de uma bela praia tropical. Com a tragédia, a Pepsi não podia associar o seu produto à água e, principalmente, ao mar e as ondas.

Esse é um exemplo de como a tal fronteira entre o interesse econômico advindo do lucro com publicidade e arte de blogar se torna algo muito difuso, fica difícil saber se o blogueiro, principalmente aquele que possui um blog atrelado a um grande veículo, tem controle total sobre o seu espaço. Caberia ao próprio Noblat retirar tal anúncio de seu site? Ou tal erro foi apenas uma distração que assim evidencia o desconhecimento dos princípios de marketing por parte dos responsáveis por este blog? Tal tipo de aberração publicitária, não é exclusividade de um ou de outro, o mecanismo AdSense da Google faz isso por conta própria, como explica Caio Túlio Costa, é o marketing contextual: “Quem introduziu no mercado foi o Google, com um mecanismo chamado AdSense (...). Esse mecanismo permite a inserção de anúncios elaborados unicamente com frases e palavras que diretamente se referem a conteúdos das páginas existentes na Internet (Costa, 2008:339). E, através dessa lógica, podem perfeitamente cometer o mesmo erro que Noblat, associando uma notícia de um acidente aéreo com venda de passagens aéreas, por exemplo. O caso do Noblat só se torna mais grave pois tal erro foi cometido manualmente, e não por um sistema automatizado cuja semântica é incapaz de diferenciar o joio do trigo. A questão que fica aqui é: o blogueiro, seja jornalista ou um cidadão qualquer, está preparado para trabalhar com os fundamentos da publicidade em seu site?

Enquanto jornalistas e blogueiros debatem sobre o que é noticiar ou o que é blogar, o doutor em Comunicação e Cultura Contemporânea Carlos Eduardo Franciscato (UFBA), traz à tona uma consideração que põe uma pedra sobre o assunto. Citando Paul Bradshaw (2007), ele expõe:

A televisão é uma forma de jornalismo? As palavras em uma página são uma forma de jornalismo? Os sons são uma forma de jornalismo? Blogs são uma plataforma. Eles podem conter jornalismo, assim como TV, rádio e publicações impressas podem. Muitos ‘bloggers’ praticam jornalismo, muitos não. Perguntar se o blog é uma forma de jornalismo é confundir forma e conteúdo (em Frasciscato, 2007:9).

Franciscato questiona em seu estudo se o blog e as diversas novas práticas de jornalismo participativo e comunitário que surgem através da Internet – onde ele inclui o open source e a web 2.0 –, “implica em pensar a relação entre jornalismo e cotidiano. As rotinas da vida cotidiana estão repletas de marcadores do tempo presente” (Frasciscato, 2007:10). O fluxo da informação que se constrói na esfera digital, perpassando pelos blogs, trazem um novo incremento para o jornalismo, abrindo um espaço maior e de mais qualidade para o debate cotidiano das informações que se veiculam por toda a mídia, o que é extremamente positivo para todos, segundo pode-se concluir através das seguintes citações de Franciscato:

A incorporação de usuários gera uma melhoria automática no sistema. Dois grandes modelos desta nova plataforma web: os sites de compartilhamento de conteúdo e os blogs (2007:6).

Este modelo de jornalismo participativo permite à grande mídia incorporar uma parte do universo de questões que geram familiaridade ao leitor, as quais estão ficando descobertas pela estruturas jornalísticas cada vez mais reduzidas das redações das empresas (Frasciscato, 2007:10).

A importância dessa nova esfera digital está exatamente na sua forma dialogal; assim, o debate volta sobre a questão dos gêneros narrativos dos blogs. Já ressaltamos que a Internet se abre para qualquer tipo de gênero, mas esse tipo de classificação parece não se aplicar nessa nova esfera, pois sua importância estaria na repercussão das informações, no feedback e no debate.

Nestas formas de jornalismo, o principal bem simbólico de troca que os leitores oferecem é a produção de um discurso (na forma de texto, fotografia, áudio ou vídeo) sobre o cotidiano em que vivem com pretensão de verdade do real. O discurso pode ser factual (ao enviar contribuições a setores informativos dos sites) ou opinativo (ao comentar matérias jornalísticas dos sites), (Frasciscato: 2007,12).

O jornalista e blogueiro Tiago Dória[141] é alguém que entende muito bem essa característica dos blogs, a de repercutir informações originárias de outros veículos ou de outros blogueiros, o que é conhecido como “reblogar”: “um dos principais papéis do blog é justamente repercutir o que o blogueiro vê na Internet”. Doria não vê problema no indivíduo gostar de reblogar, mas complementa dizendo que raramente alguém “rebloga” uma informação sem acrescentar nada a ela, um comentário, uma crítica, ou associá-la a outras informações que estão dispersas pela web. Dessa forma, podemos entender o verbo reblogar como um dos mecanismos que o usuário possui no mundo virtual para agir como um coprodutor da informação que consome. Doria crê que a essência do blog, ou do blogueiro que atua como um vetor da informação dentro do espaço cibernético, está na sua capacidade de exercer influência sobre o seu público, “de que adianta ficar se gabando com números? Isso é uma tremenda besteira (...) o The New York Times (...) não é o maior jornal do mundo, mas é o que mais repercute, influencia”. O estudo de Philip Meyer que analisamos no capítulo anterior expõe que o verdadeiro e único bem que um jornal possui é a sua influência sobre a sociedade, sobre o seu público, da mesma forma que Doria nos diz ser este o maior bem que um blogueiro pode possuir. Sendo assim, se um blog se sustenta por sua influência, ele se apresenta como um concorrente aos tradicionais veículos de mídia, sobretudo os jornais impressos, caso eles consigam desempenhar esse papel que antes era cumprido apenas por outros veículos, é mais um motivo que explica, hoje, essa súbita onda de blogs que surgem nos grandes sites e portais informativos e os blogs corporativos. Além de um novo meio para se obter a atenção do internauta, o blog também é uma ferramenta útil para exercer influência sobre ele. A explosão de blogs em portais de impressa além de uma infinidade de blogs corporativos que surgem sem parar, se apresentam como a própria Internet que teve o seu “boom” – a famosa “bolha” da web –, Doria acredita que essa nova “bolha” irá explodir, e dela só sobreviverão os blogs mais fortes, ou seja, aqueles que realmente possuem alguma influência sobre os seus usuários, segundo ele, os blogs já atingiram a sua fase de saturação e “é preciso um refino, vai ficar quem realmente tem relevância”. Se a influência é o maior bem do blog assim como do próprio jornalismo, então se confirma a expressão de que o “blog é a mensagem”, principalmente quando percebemos que existem blogs mais influentes, que repercutem mais que grandes veículos e portais, pelo menos dentro dos limites da audiência ciberespacial.

Não somente a reflexão acima nos leva a crer que, dentro do mundo informativo digital, o “blog é a mensagem”, um estudo dissertativo no qual a Relações Públicas Carolina Frazon Terra (ECA/USP) analisa a questão dos blogs corporativos, traz um quadro comparativo entre os meios digitais, eletrônicos, impressos e o blog, por onde pode-se observar que este último se apresenta como o meio ideal para a mensagem dentro da atualidade midiática, e que, só não podemos afirmar que extrapola a Internet e ganha a mídia como um todo, devido ao problema da exclusão digital. Como se pode observar no quadro a seguir, o blog detém praticamente todas as características das demais mídias, algumas em menor escala, outras em maior, potencializadas, e algumas que lhe são praticamente exclusivas. O mais importante, porém, é que, no compito geral, as características do blog favorecem uma relação mais dialogal e interativa dos indivíduos e da coletividade (incluindo corporações e empresas diversas que hoje participam da Internet) com a mídia.

Quadro comparativo dos meios tradicionais (eletrônicos e impressos), digitais e blogs:

 

Meios eletrônicos

Meios impressos

Meios digitais

Blogs (meio digital bidirecional)

Autoral

Não

Depende. As colunas dos jornais e revistas são autorais.

Não

Sim. Os blogs representam a opinião e identificam quem escreve.

Interatividade

Monodirecional

Bidirecional com resposta lenta

Bidirecional com resposta rápida

Bidirecional com resposta rápida

Segmentação

Massificado

Grandes segmentos limitados em funcionalidades, padronizados e formais

Audiência específica, autêntico e informal

Acesso

Alta penetração

Média penetração

Baixa penetração (atualmente no Brasil cerca de 18% da população tem acesso à Internet)

Personalização

Média

Alta

Alta

Alta

Velocidade da informação

Rápida

Lenta

Instantânea

Instantânea

Variedade de temas

Diversos canais com a chegada da TV paga

Diversas publicações com o advento da segmentação e personalização do conteúdo

Enorme

Enorme

Participação e colaboração do público-alvo

Difícil e rara

Difícil e rara

Possível e mais freqüente que os dois tipos anteriores.

Possibilidade de traçar a própria programação.

Possível e mais freqüente que os dois tipos anteriores.

Possibilidade de traçar a própria programação.

(Em Terra, 2006:103)


Franciscato apóia-se em um estudo de Deuze (2003)[142] e identifica quatro tipos básicos de jornalismo online, para, assim, analisar em qual o blog se encaixa:

1) principais sites noticiosos, das grandes corporações, que produzem o denominado “jornalismo de referência”[143];

2) sites de indexação e categoria, que auxiliam no estabelecimento de links com outros conteúdos[144];

3) sites de comentários e meta-sites, destinados a atuar na avaliação e acompanhamento da produção jornalística, podendo produzir crítica de mídia[145]; e

4) sites de partilha e discussão, em que os sites jornalísticos facilitariam plataformas para troca de idéias e relatos[146] (em Franciscato, 2007:5).

Os blogs seriam “um tipo de ‘jornalismo individual’ que se localizaria na fronteira entre os sites de indexação e os de comentário” (em Franciscato, 2007:5). Mas o que assistimos hoje é o blog avançando sobre esses quatro tipos de modalidades de jornalismo online, ou sendo um instrumento utilizado por todas, inclusive na produção de conteúdo de internautas dentro de grandes portais e sites noticiosos, e também no uso cada vez maior de blogs por jornalistas dentro desses sites. O que se evidencia é que, cada vez mais, a presença do indivíduo se coloca próxima dos veículos noticiosos através da Internet. Essa convergência do usuário sobre a mídia, e do blog sobre o jornalismo é, para Franciscato, uma nova dimensão para a experiência temporal cotidiana do jornalismo, que reforça a mensagem dentro da opinião pública. Utilizando-se de uma plataforma que tem por característica a pessoalidade – o blog –, as instituições também tentam se colocar como um indivíduo, ou através de indivíduos (jornalistas), para, assim, dialogar com o internauta dentro da, conforme já refletimos, mídia do “eu”. É um caminho para as empresas jornalísticas inserirem-se dentro da esfera dos indivíduos, aprendendo com eles e criando novos laços dentro do ciberespaço.

Enquanto Franciscato busca entender o blog dentro das categorias de webjornalismo, Araujo busca definir quais são as características fundamentais do jornalismo e, assim, analisar se o blog pode ser entendido como um novo meio jornalístico. Baseando-se num estudo do alemão Otto Groth[147], ele aponta seis características inerentes ao jornal: periodicidade, publicidade (aparição pública), diversidade de conteúdo, interesse geral, atualidade e produção profissional (Araujo, 2006:29). Depois ele conclui que “se um blog contemplar as características supracitadas, ele poderá ser considerado jornalístico” (Araujo, 2006:31). Em seu estudo, Araujo analisa diversos blogs e, embora encontre essas características mencionadas em alguns deles, são raros os que possuem todas elas. Das seis características, a falta de diversidade de conteúdo é a lacuna mais comum dos blogs. Dessa forma o “blog não é jornal porque é especializado, e o jornal precisa ter vários assuntos”. Mas cabe aqui uma ressalva. Se, dentro de uma análise individual, a maioria dos blogs não apresenta diversidade de conteúdo, o conjunto deles pode apresentar. A diversidade dos blogs se faz na navegação pelas informações que compõem a blogosfera, nos blogrolls e no próprio fluxo informativo dos blogs. Nessa análise, se fossemos pensar em diversidade levando em conta toda produção e informação que é veiculada na blogosfera, teríamos de repensar o próprio conceito de diversidade aplicado ao jornalismo.

Outro atributo intrínseco do jornalismo típico do mass media que também pode ser encontrado nos blogs, lembra o professor de jornalismo digital Dr. Walter Teixeira Lima Junior (ECA/USP), é a relevância social[148]. Aqui mais uma vez a pluralidade dos blogs é quem faz às vezes para este atributo, já que, se um único ou poucos blogs podem não possuir tal relevância, seu conjunto, a blogosfera, pode.

Além de possuir uma ampla diversidade, a blogosfera pode exemplificar como as diversas individualidades conectadas à mídia podem contribuir para a construção de novas e importantes mensagens coletivas, ela “marca tanto uma dimensão de laços de comunidade entre os participantes quanto uma construção coletiva de referências cruzadas. Há uma visível experiência temporal de enunciação pública nos blogs” (Franciscato, 2007:12). Tanto nos parece que, de fato, existe essa enunciação pública quanto para as mais diversas instituições, midiáticas ou não, que, cada vez mais, estão entrando para o mundo dos blogs. Mais do que mensagens coletivas, a blogosfera seria uma nova camada comunicativa onde “cada blog apresenta links para outros diários formando, assim, uma imensa rede de pessoas publicando idéias”. (Terra: 2006, 156 citando Pinto, José Marcos. Blogs! Seja um editor na era digital. São Paulo: Érica, 2002:15). Ou seja, a relevância do blog não pode ser entendida através de sua expressão individual, e sim coletiva, nesse sentido, podemos entender a importância do blog por este ser um vetor para a inteligência coletiva, e não apenas como um instrumento simples e individual de publicação online.

Um estudo da doutoranda em Ciência da Informação Joana Ziller (UFMG) aponta para o número crescente de blogs dentro dos portais brasileiros. Entre 2005 e 2006, ela observou que:

Enquanto nas análises de 2005 praticamente não foram encontrados blogs, o aproveitamento do recurso foi detectado com freqüência em 2006. No G1 (da Globo), 4,5% das páginas ligadas ao portal eram blogs. O recurso também foi detectado no Uol (do Grupo Folha) em 0,4% das notícias com link no portal. Não foram apurados blogs ligados ao portal Terra (Ziller, 2007:12).

Para Zinner, tal crescimento é um reflexo da expressão jornalística do indivíduo na web que “remete à multiplicidade específica da hipermídia. Multiplicidade de emissores, de trajetos, de opiniões. Sob o formato, cabe tanto ao ‘proprietário’ do blog publicar informações e opiniões quanto ao visitante concordar, discordar, reclamar, rebater o que foi publicado” (Zinner, 2007:12). Citando o estudo de Artur Vasconcellos Araújo (2006), Zinner ressalta que:

(...) a gratuidade e acessibilidade do serviço e a facilidade do uso terminaram por fazer do blog uma metáfora no ciberespaço, do Hyde Park londrino, jardim público especialmente famoso por seu speaker corner, tribuna onde anônimos e famosos, dos mais diferentes credos, tomam a palavra e ressaltam suas idéias (Araújo, 2006:43).

Mais do que evocar novamente o blog como um espaço para o jornalismo opinativo, enfatizando uma de suas facetas mais radicais, o jornalismo de tribuna, evidenciando o diálogo aberto do meio, é interessante a associação do blog a uma metáfora. O nome blog ou weblog, dessa forma, remete a todas essas características do meio, a facilidade, o acesso, a liberdade de expressão e exposição à mídia, a conectividade. Talvez o que estivesse em falta era um nome menos burocrático para um espaço informativo com essas características, que são as características da própria Internet. Assim, a palavra weblog veio identificar esse local peculiar no ciberespaço. Se se fala em jornalismo comunitário, participativo, inclusivo, open source, ou qualquer outra prática de nomenclatura instituto-acadêmica, poucas pessoas fazem idéia do que se trata. Blog, no entanto, todos já sabem identificar o que é, pois muitas dessas pessoas já tiveram contato ou mesmo possuem um.

Zinner enfatiza que a frase acima também evidencia o caráter jornalístico do blog, pois este “não é apenas feito por adolescentes ávidos por tornar pública sua intimidade. Os blogs se transformaram em espaço privilegiado para os jornalistas, mediadores profissionais de informação” (Zinner, 2007:12), e que tal espaço também deve ser considerado como produtor de conteúdo e informações de extrema importância.

Maria Barbosa, em seu estudo sobre blogs e jornalismo, além de vários outros estudiosos desse fenômeno, enxerga a utilização cada vez maior dessa plataforma por parte das instituições como uma “tentativa de usar uma linguagem mais descontraída e coloquial, quebrando um pouco a formalidade jornalística” (Barbosa, 2005:46) e, dessa forma, se aproximar e reforçar os seus laços com os leitores, os internautas, inclusive numa forma de alcançar novos públicos. Em outras palavras, se o internauta está se comunicando via blog, as instituições correm atrás dele com o mesmo mecanismo, utilizando a mesma forma de linguagem utilizada por ele. A questão é: será isso mesmo? Alguns fatos percebidos em nossa análise nos levam a esse questionamento, e todos se relacionam com uma palavra: link. Vimos que o blog nasceu e cresceu dentro de uma comunidade hacker que estabelecia vínculos entre si e entre informações que partilhavam. Vimos também, que com o surgimento das plataformas gratuitas e automatizadas, os blogs ganharam um novo recurso, a possibilidade de se partilhar posts através de links. Também vimos ainda que o Google, maior mecanismo de busca da atualidade, baseia seus critérios de busca no link, não só classificando-os em seus bancos de dados e diretórios, mas classificando os sites pelos links que levam até eles. Assim, um site cuja URL aparece em vários outros sites, conforme o número de links que apontem para esse sites, acarretará num destaque maior para tal URL numa busca através do seu mecanismo, entenda-se: aparecerá mais próximo do topo da lista dos sites encontrados – e fala-se que se não se aparece até a décima página de resultados do Google, não se existe no ciberespaço[149]. Muitos dizem que a blogosfera ganha destaque na Internet justamente por esse fator, como Lucia Freitas: “Os blogs aparecem em destaque no Google não porque são bons, mas sim porque fazem parte de uma rede de blogs linkados, links que vêm de diversos lugares”. Por se tratar de uma comunidade altamente conectada, muitos blogs acabam se destacando nas buscas através de sistemas baseados em links. Esse aspecto seria até desleal, pois grandes sites provedores de conteúdo não conseguiriam competir com uma esfera altamente conectada como a dos blogs. Assim, chegamos ao nosso questionamento: a inserção de empresas na blogosfera, sejam elas de mídia ou não, tem como intenção uma proximidade maior com o internauta e suas produção na web, ou estaria atrelada ao interesse de se inserir dentro dessa malha de links numa forma de valorizar o seu produto, dando-lhe maior visibilidade no espaço cibernético? Freitas expõe que, em contrapartida ao valor da informação aferido pelos mass media, na Internet “o segredo está em compartilhar as informações e produções através do link, o valor está no indivíduo conectado”. Ela mesma clarifica que a “mídia está de olho no blog”, sendo assim, ela estaria de olho no valor que o link dá às informações como uma forma de destacar os seus próprios produtos. Isso explicaria por que, apesar de tantos questionamentos a respeito do uso jornalístico dos blogs, a mídia estaria se inserindo dentro dessa esfera. Segundo análise de Diana Barbosa sobre vários blogs ligados a portais informativos de grandes jornais brasileiros (2005:46-54), o uso dos blogs por estas instituições vai fomentar os assuntos pautados pela própria empresa e, segundo nossa análise, essa valorização trazida pelo blog continua através do link com outros blogs. Aqui caberia o ditado “fale bem ou fale mal, mas fale de mim”, mas com uma diferença, “fale bem ou fale mal, mas crie um link pra mim”. Independentemente de qualquer conclusão, lembremos que Philip Meyer e Mike Ward chamam a atenção para a escassez de atenção que os grandes veículos sofrem na Internet, especialmente os jornais online. A tática de inserção dentro de uma esfera que vem ganhando notoriedade no ciberespaço, a blogosfera, pode ser vista como busca de um novo caminho para chamar a atenção do internauta.

Os Blogs e o Resgate da Esfera Pública

A questão do blog como um vetor que pode trazer novos horizontes para o jornalismo, na perspectiva de influenciar a opinião pública sob um prisma alheio ao espetáculo, pode ser entendida através da argumentação de diversos estudiosos da mídia e jornalistas, que envereda num debate sobre as velhas e novas mídias, sendo o fenômeno dos blogs o objeto em foco.

Apesar de ser utilizado por inúmeros jornalistas mundo a fora, o jornalista Wagner Barreira[150] entende o blog como uma ferramenta muito distinta do tradicional jornalismo, ou até mesmo do webjornalismo sob a forma dos grandes portais de notícias e/ou dos tradicionais jornais impressos em suas versões online. A grande diferença dos blogs para as instituições mais tradicionais do jornalismo está, segundo Barreira, na ausência de uma instância mediadora das informações veiculadas, na falta de comprometimento com a verificação das informações, na preocupação em ouvir todos os lados envolvidos na notícia de forma equilibrada e isenta, fatores que são fundamentais para um jornalismo de qualidade.

Tudo isto é fato, porém se fizermos um estudo, encontraremos a ausência de tais instâncias em jornais tradicionais e de renome, de modo que o reverso da moeda também pode ser verdadeiro. Esta, porém, é uma discussão que não cabe aqui. Aqui nos interessa justamente isto, o fato de os blogs serem espaços virtuais que servem para o discurso jornalístico isento de mediações, isento de coações. É um espaço onde o jornalista e até mesmo qualquer cidadão pode escrever sem atender a interesses comerciais ou a linhas editoriais, o que, de certa forma, os torna um espaço muito parecido com os jornais que datam da primeira fase da imprensa. Os blogs são, de fato, um espaço onde se pode opinar e argumentar com liberdade e, assim como nas esferas literárias do século XVIII, sempre oferecem espaços para réplicas e tréplicas, de forma que também se constituem num espaço de debate, uma de suas características intrínsecas[151].

Quanto a esta colocação, podemos citar a opinião de Barreira, que acredita que “os blogs subvertem a ordem do jornalismo tradicional”. Ele também enfatiza que o jornalismo tradicional (referindo-se aos impressos) ainda é o palco da discussão política que pauta os rumos do país, o palco por onde passa a discussão pública. Os blogs, por sua vez, subvertem esta ordem e fazem a discussão partir da base.

Na contramão do pensamento de Barreira está o estudioso Venício Lima[152]. Este concorda que a mídia, através da televisão e da mídia impressa (e ele exemplifica isso se referindo ao Jornal Nacional e à revista Veja), é quem media as discussões políticas. A questão é se tal mediação vai ao encontro do interesse público ou ao interesse da própria mídia. Apesar de colocar essa questão, através de seus estudos, Lima deixa claro que isenção e defesa do interesse público através da mídia tradicional é algo muito questionável, sobretudo no Brasil, que apresenta uma concentração de mídia sob a forma de monopólios horizontais[153], verticais[154] e cruzados[155].

Outro jornalista que se refere aos blogs como um caminho de disseminação de informação e opinião para a sociedade é Nelson Blecher[156], que enfatiza que os blogs permitem a troca de opiniões numa relação jornalista/leitor mais igualitária. Os blogs são ferramentas que mudam a relação de absorção da informação, democratizando-a. Ele acredita que o "fenômeno" dos blogs ainda tende a se expandir.

Sobre a questão da Internet como “veículo democratizante” da informação, Lima discorda de Blecher, pois crê que o alcance de tal mídia ainda é muito pequeno no Brasil, mas enfatiza que este é um problema geral do país, onde ainda as mídias tradicionais também têm uma penetração menor do que potencialmente teriam caso o Brasil fosse mais desenvolvido, com exceção talvez do rádio e da TV aberta. O analfabetismo ainda é outro fator que agrava essa situação. Porém, vale frisar que este estudo não se refere somente ao Brasil e acreditamos que a Internet é de fato mais democrática como veículo em si, e não em relação a sua penetração na sociedade, pois permite a interação de seus usuários e possui custos baixos para se publicar um site. Neste aspecto, as colocações de Blecher vão ao encontro da hipótese da Internet resgatar a esfera pública.

Já o jornalista Eugênio Bucci[157] acredita que os blogs “são novas vozes sobre os fatos que são apurados e debatidos”, e isto é outro fator que remete a uma esfera pública mediatizada por uma imprensa de opinião, como era nos primórdios da imprensa.

O Poder dos Blogs

Embora o título deste tópico refira-se aos blogs, na verdade, o “poder” ao qual nos referimos entrelaça-se com o conceito de peer production que refletimos anteriormente. Os blogs são uma parte dentro dessa esfera de produção colaborativa por onde esse “poder” também perpassa. O professor Sérgio Amadeu da Silveira, em palestra na Faculdade Cásper Líbero[158], fez uma excelente explanação sobre os estudos do norte-americano Yochai Benkler (2006:212-272), que aponta para o surgimento de uma nova esfera pública através da Internet, a qual ele chama de “esfera pública conectada”.

Benkler parte do paradigma de que o ambiente de redes interativas, ou seja, a Internet, gera uma economia baseada em fluxos organizacionais e isso caracteriza a comunicação da própria rede. Essa característica das redes, diz Benkler, alteram a esfera pública. Benkler defende que a rede é usada para se construir uma esfera pública com praticas radicalmente diferentes das encontradas nos mass media. Existe um potencial maior de criação de esfera pública na Internet do que nos tradicionais veículos que compõem os mass media (rádio, TV e jornais), pois a Internet tem um potencial mais democrático devido ao fato de ela ser compartilhada e, assim, gera a peer production. Diferentes camadas em diversos níveis de conversações e conexões podem gerar diferentes graus de eficiência e efeitos, que por sua vez trazem novos horizontes para uma esfera pública através da Internet. Sobre os elementos fundamentais da diferença entre a informação econômica em rede e os meios de comunicação de massa, o professor Caio Túlio Costa faz uma explanação, em referência ao estudo de Benkler, demonstrando quais são as bases da economia de fluxos organizacionais em rede, que se compõe de dois elementos:

O primeiro elemento é a mudança da comunicação unidirecional, voltada ao sujeito final, para uma arquitetura de conexões multidirecionais distribuída entre os inúmeros nós no ambiente da informação em rede. O segundo elemento é praticamente a abolição dos custos como barreira para se comunicar, ultrapassando fronteiras. Juntas essas duas características teriam alterado fundamentalmente a capacidade dos indivíduos no sentido de atuarem sozinhos ou com outros, de serem participantes da esfera pública (...) em oposição aos passivos leitores, ouvintes ou telespectadores (Costa, 2008:290-291).

Ou seja, a peer production é resultado da democratização da mídia, com a abertura de canais múltiplos de comunicação de fácil inserção para os indivíduos. Para exemplificar sua teoria, Benkler mostra como isso ocorre através de dois cases.

A-) Boicote a Sinclair

Em 2004, durante o processo eleitoral norte-americano, quando George W. Bush foi reeleito presidente da nação, o dono da Sinclair – uma rede de televisão estadodunidense – juntou os seus editores para fazer um documentário sobre o adversário de Bush na campanha, o senador democrata John Kerry. O documentário visava enfocar de forma pejorativa e prejudicial a participação do candidato na Guerra do Vietnã, com o intuito óbvio de manchar sua imagem e favorecer Bush. A informação de tal documentário vazou da redação da televisão e causou indignação entre diversas pessoas, dentre elas alguns jovens e blogueiros. Esses blogueiros, de forma não articulada, fizeram a notícia circular pela Internet e também criaram um site, o Boycott Sinclair[159]. Esta iniciativa se voltou para os anunciantes de rede Sinclair, pedindo que esses retirassem seus anúncios. Tal articulação gerou uma queda de receita da rede televisiva e a sua conseqüente desvalorização na bolsa de valores. Foi pedida também a cassação da concessão de transmissão da Sinclair. Em função disso a Sinclair teve que retroagir e não veicular o documentário ante os prejuízos que teve e o furor do público. O caso mostra como o uso da Internet, através da disseminação de uma informação, gerou uma ação reativa do público e o conseqüente estrangulamento econômico de uma empresa. Esse exemplo também mostra como o novo meio serve, inclusive, como um mediador dos demais meios.

B-) O Sistema Eletrônico da Diebold

A Diebold [160] é uma empresa de softwares embarcados em máquinas (ATM machines) que cuidava das urnas eletrônicas nas eleições californianas. Uma blogueira defensora da transparência na condução de negócios públicos, o que incluía eleições, conseguiu, através da Internet, baixar documentos da Diebold. A massa de documentos continha muitas informações, incluindo diversos documentos criptografados. A blogueira, então, distribuiu os documentos por e-mail para diversas pessoas, pedindo que elas a ajudassem a descobrir do que se tratavam, já que ela não conseguiria sozinha fazer tal análise. A análise dos documentos por diversas pessoas levou à montagem de provas que colocavam em cheque o sistema eletrônico da Diebold. Além disso, um hacker conseguiu baixar dos servidores da Diebold um conjunto de e-mails da empresa com diversos fatos comprometedores e os publicou num site. A Diebold, baseando-se na lei de proteção ao copyright, reivindicou a posse de tais e-mails e conseguiu a retirada do site da web. Porém o hacker distribuiu os e-mails da Diebold por diversos computadores através da Internet, utilizando-se de uma plataforma Bit Torrent. As pessoas tiveram acesso a tais e-mails e, isto somado com as provas montadas através dos documentos obtidos, descredenciou a empresa e suas urnas nas eleições da Califórnia. Aqui temos um exemplo de compartilhamento do conhecimento e da informação, fruto de uma ação investigativa com conseqüências diretas sobre uma empresa privada, com reflexos dentro de um processo eleitoral, que só foi possível pela existência de uma rede interativa e compartilhada como é a Internet. É um exemplo claro de como se dá a atuação da inteligência coletiva, como contou Pierre Lévy (capítulo I), num contexto político dentro da web.

Nesses dois casos, vemos que o público desvenda uma manipulação política e vai em busca das providências cabíveis. O público é quem acessa a informação e a dissemina ao próprio público, não um jornal ou qualquer outro tipo de veículo de mídia, um fato novo dentro do contexto de esfera pública e que demonstra a potencialidade, a força da peer production e da própria inteligência coletiva. Demonstra também como se constrói a força dos indivíduos na rede, onde, mesmo separados fisicamente, podem atuar em conjunto.

Na sua análise da Internet dentro deste conceito de esfera pública, Benkler destaca alguns fatos relevantes. Em primeiro lugar, ele diz que o poder dos proprietários dos veículos de mass media é realmente um fato; em relação a isso, a Internet é um veículo que pode exercer um contrapoder. Em suma, dentro do que vimos no capítulo sobre o fim da esfera pública, os mass media têm relação direta com o fim da esfera pública. Nessa relação de poder e contrapoder fica claro que, enquanto os mass media matam a esfera pública, a Internet a resgata. Outro fato que Benkler destaca em relação à Internet e a esfera pública é que a esfera conectada é diversa do conceito que até então temos de esfera pública, ela permite diversos modos de articulação por grupos distintos e separados geograficamente em processos não coordenados. A Internet, em oposição aos mass media, trabalha com o conceito do “see for youself[161], fundamental para a criação de uma opinião pública não manipulada, capaz assim de decidir os seus rumos com informações confiáveis e verificáveis, o que leva diretamente ao conceito que trouxe Eugênio Bucci[162], segundo o qual na Internet é mais fácil se chegar na informação ou ao obstáculo que nos separa dela (e, neste caso, um bom hacker pode transpor esse obstáculo, como vimos). A Internet aproxima o usuário das fontes e permite a interação e o compartilhamento das informações entre eles. Esse também é um aspecto que o professor Caio Túlio Costa enxerga em sua análise sob o foco ético das questões relativas às novas mídias; com amparo nas teorias de Benkler, expõe: “A nova condição do indivíduo pode ser uma plataforma para cultivar uma cultura mais crítica e autoreflexiva, aprofundar a participação democrática e trazer melhoras no desenvolvimento humano em nível mundial” (Costa, 2008:330).

Por fim, Benkler fala sobre os efeitos da esfera pública conectada nas sociedades neoliberais. Em primeiro lugar, tal esfera, que se forma a partir da Internet, permite a emergência de novos atores não-comercias dentro do cenário da mídia (como a blogosfera nesse exemplo), e o engajamento nas atividades mediatizadas pela Internet é muito maior em relação ao do observador passivo dos veículos de mass media, fatos que, como vimos, vão ao encontro das reflexões de Caio Túlio Costa.

Costa vai além, dentro das questões que concernem à esfera pública conectada, ele tece reflexões e traz exemplos de como a convergência muda o contexto dessa esfera. E mais, expande o poder mediático da Internet através dos gadgets que também compõem a grande rede como, por exemplo, os aparelhos celulares: “Nova mídia não significa apenas Internet, evidentemente. E sim, todas as novas formas atuais e futuras de comunicação baseadas em desenvolvimento tecnológico” (Costa, 2008:335), e enfatiza a capacidade comunicacional desse singelo aparelho, “(...) o celular alimenta informações na rede, recebe-as, emite-as, fotografa, grava vídeo, é emissor e receptor de informações de toda a espécie” (Costa, 2008:336). Enfim, faz considerações sobre esse novo aparato tecnológico e cita dois grandes exemplos de como ele pode disseminar informações relevantes dentro da esfera pública:

A questão tecnológica é para ser levada a sério. Ela permitiu (...) a movimentação dos espanhóis no sentido de mudar os rumos de uma eleição usando aparelhos celulares, e-mails e mensageiros instantâneos, para convocar os compatriotas a ir às urnas e derrotar o governo que havia distribuído informação falsa sobre os responsáveis pelo atentado aos trens em Madri em 2005 que matou 191 pessoas (Costa, 2008:291).

Como vemos, a somatória dos gadgets e da Internet trouxe uma nova luz à esfera pública no exemplo citado acima. Além do caso madrileno, Costa também lembra de como os celulares foram fundamentais para a instalação do terror quando, em 2006, o PCC – Primeiro Comando da Capital –, uma organização criminosa, parou a cidade que não pára, a “zettalópole” de São Paulo. Esse caso, embora tenha outras implicações que extrapolam a questão da esfera pública, é um exemplo de como as novas mídias são capazes de trazer informação relevante para os usuários, sejam estas idôneas ou não (que é o teor da reflexão de Costa). O caso do PCC é, para o professor Marcelo Oliveira Coutinho Lima[163], um grande exemplo do valor das informações que circulam através das novas mídias para os seus usuários. Nesse caso, a população de São Paulo confiou no que circulou pela Internet, pelo e-mail e pelo celular, e não nos informes oficiais veiculados no mainstream media.

O outro exemplo de Caio Túlio Costa sobre a atuação das novas mídias na esfera pública, em nova referência aos aparelhos celulares, é o seguinte:

No limite, ajudou a depor um chefe de Estado nas Filipinas, em 2001. Howard Rheingold conta como Joseph Estrada, presidente das Filipinas, foi o primeiro chefe de Estado em toda a história a perder o poder por conta das manifestações organizadas por meio desse novo meio de comunicação. Na ocasião, mais de um milhão de moradores da capital Manila, mobilizados e coordenados por uma onda de mensagens de texto, afrontaram o regime com manifestações pacíficas. Dezenas de milhares de filipinos convergiram para a avenida Epifanio de Los Santos, conhecida como “Edsa”, uma hora após a primeira mensagem de texto ter sido lançada: GO 2 EDSA WEAR BLACK, ou “VÁ PARA EDSA USE PRETO”. Durante quatro dias, milhares de cidadãos apareceram vestidos de preto na avenida. O presidente caiu (Costa, 2008:226 citando Rheingold, 2002:157-158).

Mais uma vez, temos um exemplo de uma esfera pública amparada em novas tecnologias, capaz de, não só veiculares informações, mas de trazer coesão suficiente aos seus usuários de forma a conduzir um movimento forte o suficiente para alterar a cena política de uma determinada comunidade.

Objeções

As primeiras objeções que colocamos relacionam-se aos exemplos de esfera pública dentro dos conceitos que estudamos com Jürgen Habermas. Vimos que um dos exemplos clássicos de esfera pública se formou dentro do contexto histórico da Revolução Francesa. Diversos estudiosos vão contra a tese de Habermas e afirmam que não existia esfera pública em torno da Revolução Francesa, e sim uma “manipulação da opinião pública” ou uma “propaganda política”. Dentre os estudiosos que defendem essa idéia, está a jornalista revolucionária francesa Camille Desmoulins (1760-1794) que, segundo colocações na obra de Briggs e Burke (2006), introduziu tal idéia ainda naquela época: “(...) Camille Desmoulins (...), por exemplo, comparou ‘a propagação do patriotismo’ com a do cristianismo, enquanto os monarquistas no exílio denunciavam a ‘propaganda’ da Revolução” (Briggs e Burke, 2006:105). E, segundo Briggs e Burke, tal colocação se refere a “(...) mobilização consciente da mídia com objetivo de mudar atitudes pode ser descrita como propaganda” (Briggs e Burke, 2006:105).

Outro estudioso que vai contra a idéia de imprensa de opinião que fez parte da esfera pública francesa no século XVIII, é o jornalista Eugênio Bucci[164]. Embora não fale em “manipulação da opinião pública”, Bucci contraria o conceito de jornalismo de opinião e exemplifica sua idéia através da Revolução Francesa. Ele afirma que o modelo jornalístico praticado no início do século XVIII era um veículo de propaganda das idéias iluministas, e o jornalismo deve ser um veículo isento de informação para que o público chegue às suas próprias conclusões.

Já o estudioso Venício Lima[165] expõe que o próprio Habermas admite que o modelo de esfera pública que ele estudou só pode ser aplicado dentro do contexto da sociedade inglesa do século XVIII, e não pode ser aplicado para o atual contexto da mídia. Segundo Lima, nada do que ocorria no século XVIII pode ser aplicado no papel atual da imprensa, sobretudo no Brasil. Tal colocação vai diretamente contra parte deste estudo, quando tentamos buscar na Internet uma esfera pública dentro dos moldes traçados por Habermas. Apesar disso, nada nos impede de ousar e tentar contrariar tais figuras notórias. Além do mais, pelo que vimos nos estudos da esfera pública conectada de Yochai Benkler, a Internet é uma mídia que tem características muito distintas dos mass media, e por isso ela tem capacidade de resgatar a esfera pública, e se não o faz dentro do modelo de Habermas, poderá fazê-lo ao menos dentro dos ideais. Porém, concordamos com Lima que o modelo de Habermas não poderia ser aplicado à mídia no Brasil, e nem mesmo as colocações de Benkler sobre a esfera pública conectada pois, como vimos, tais estudos do estadunidense se fizeram em cima do cenário da sociedade norte-americana, que possui um modelo de mídia diferente do nosso, onde a liberdade de expressão é o pilar mais forte que a sustenta.

Hoje Habermas baseia-se em outro modelo para estudar o entrono da esfera pública, modelo que não é seu, e sim do estudioso Bernhard Peters, citado em artigo da professora doutora em Comunicação Social Ângela Cristina Salgueiro Marques (UFMG), que analisa os meios de comunicação e a esfera pública no contexto contemporâneo. Assim descreve Marques o modelo utilizado por Habermas:

(...) o qual organiza os atores políticos e sociais em um eixo composto de um centro e vários anéis periféricos. No centro estariam os complexos institutos formais, como parlamentos, cortes, agências administrativas responsáveis pelas decisões legislativas e judiciárias (...) etc. (...). Próximas ao núcleo administrativo estariam esferas autonomamente organizadas, mas intrinsecamente ligadas ao governo (universidades, câmaras, associações beneficentes, fundações etc.). E, em um terceiro nível, estariam as associações sociais politicamente orientadas para a formação da opinião (...) grupos de interesses, instituições culturais, grupos de ativistas ambientais, igrejas etc. (Marques, 2008:25).

Apesar disso, Marques demonstra em seu artigo que, mesmo enxergando-se a esfera pública a partir de um diferente modelo, os questionamentos a respeito do fim da mesma como espaço donde erige a opinião pública, como vimos através das explanações de Mauro Wilton Sousa no capítulo anterior[166], ainda são pertinentes no contexto atual, apesar da sociedade organizar-se de forma diferente neste momento. Ela diz que: “Não obstante, é preciso ressaltar que suas críticas feitas permanecem atuais no que diz respeito ao modo como a produção da informação jornalística é limitada por diversos tipos de constrangimentos externos e internos” (Marques, 2008:24). Esses “constrangimentos” passam por todas as implicações éticas que levantamos no tópico “A Crise Ética”, além de questões as quais, tanto Habermas (2008:9-22) quanto Marques, destacam em seus estudos atuais relativos à esfera pública. Questões que falam de uma opinião pública que não é exatamente pública, pois esta opinião, dentro do modelo acima descrito, parte majoritariamente do centro à periferia, ao passo que o correto seria o inverso.

O historiador e Ph.D Mark Poster (New York University) também entende que o conceito de esfera pública de Habermas não seria aplicável à Internet. Ele expõe[167]:

Para Habermas, a esfera pública é um espaço homogêneo de sujeitos personificados em relações simétricas, perseguindo consenso através da crítica de argumentos e a apresentação de afirmações válidas. Esse modelo, eu afirmo, é sistematicamente negado nas arenas da política eletrônica. Nós estamos aconselhando então que o conceito de esfera pública de Habermas, que classifica a Internet como um domínio político, seja abandonado.

O estudo de Poster diz que aqueles espaços públicos de antigamente que usamos como referência de esfera pública, da ágora grega aos inflamados salons franceses da Revolução, foram todos tomados pela mídia, iniciando-se pelos jornais impressos e chegando às mídias eletrônicas de massa, o rádio e a TV. Da mesma forma, a Internet e toda a sua tecnologia viriam a continuar esse processo. E, se nesse processo a mídia transformada em espaço público tornou-se o espaço da vida privada, a Internet o amplia, pois ela permite a transposição da vida privada do indivíduo para o espaço público cibernético. A Internet beneficiaria uma democratização em relação à vida privada, mas não modificaria substancialmente o cenário público. Ele afirma que “alguém precisa admitir que o mero fato de comunicar, sob as condições da nova tecnologia, não cancela as marcas das relações de poder constituídas sob as condições face-a-face, impressas e intercambiadas por meios eletrônicos de transmissão”. A objeção é válida, tanto que os meios eletrônicos tradicionais se fazem ecoar também na Internet, além de manterem seu peso fora dela, mas o estudo de Poster não leva em consideração uma série de fatos e novas iniciativas que vêm ocorrendo através da web, como analisamos durante este estudo. Portanto, se não podemos afirmar que de fato existe uma esfera pública na Internet, talvez se possa conjecturar a mudança que acontece no espaço público quando, além da mídia, o indivíduo têm o seu espaço privado tornado público através dos novos meios. A publicização do indivíduo poderia, em algum momento ou de alguma forma, contaminar o espaço público. Alguns dos exemplos vistos levam a esse entendimento.

Outras objeções sobre este estudo recaem sobre o conceito de esfera pública conectada de Yochai Benkler, e é o próprio quem traz à tona tais objeções. São basicamente cinco obstáculos que ele faz em relação à Internet e à esfera pública conectada. Vejamos quais são.

1-) A Torre de Babel

Benkler parte do fato de a esfera pública conectada ser mais democrática, ou seja, a Internet é uma mídia que, ao contrário dos veículos dos mass media, de onde a mensagem é irradiada de um (ou poucos) para todos (ou muitos), na grande rede a comunicação é de todos para todos. Se temos uma mídia onde todos são emissores e receptores, como a Internet o é, esta pode criar um efeito que Benkler, assim, intitula de “A Torre de Babel”: onde existe muita gente falando, ninguém consegue se ouvir. Muitos sites, muitos blogs etc., geram uma dispersão na informação, o que vai contra a idéia de esfera pública, pois esta precisa de “locais de encontro”, caso contrário ninguém se entende. Nesse caso, fica claro que quem tem mais capital é quem vai ter mais capacidade de ser ouvido, o que confirmaria as afirmações de Mark Poster que vimos anteriormente. Além disso, vários grupos falando e trocando idéias entre si criam uma tendência extremista e não um diálogo saudável e ponderável, o que mataria a esfera pública – o que nos leva às afirmações de Pierre Lévy, que expõe a Internet como a esfera do conflito. Por outro lado, a Torre de Babel pode gerar debates via Internet que jamais ocorreriam em outro lugar, um simples e-mail, por exemplo, pode mobilizar milhões de pessoas (e com custos ínfimos).

2-) Centralização e Concentração – Monopólio dos Códigos

Outro obstáculo que pode acabar com a esfera pública conectada é, por ironia, um fator que está na contramão do efeito da Torre de Babel: a centralização e a concentração das atenções na Internet por meio de “pontos comuns de encontro”.  Milhares de pessoas utilizam os mesmos serviços, sites e ferramentas de comunicação, tais como Google, Youtube, MSN etc., que se tornam, assim, locais de concentração. Nesse caso, quem controla tais ferramentas/sites, controla a comunicação. Isso se agrava quando as pessoas passam só a dar atenção aos “top sites”; dessa forma estaríamos replicando na Internet o mesmo modelo dos mass media. Tal fato é uma característica da própria Internet[168], onde as pessoas querem participar dos espaços que têm mais pessoas conectadas e que permitem maior troca de informações, pois têm entre si protocolos comuns de comunicação. Nesse caso, quem controla tais protocolos, pode controlar a Internet exercendo monopólio sobre esses protocolos. Existe também o risco de surgirem monopólios sobre a própria infraestrutura da rede e, sob esse tipo de monopolização, o preço de acesso e provimento de informação na Internet pode subir e inviabilizar a Internet como rede de acesso de baixo custo e democrática.

Quem chama a atenção com veemência para a questão dos códigos é o estudioso Lawrence Lessig[169]. Ele parte do conceito habermasiano de que a esfera pública surge das relações entre as pessoas privadas e da premissa de que a Internet será o principal veículo de mídia no futuro. Lessig afirma que, neste caso, serão os intermediários da rede que irão mediatizar o diálogo na Internet. Esses intermediários serão as pessoas/empresas que terão o domínio técnico dos protocolos, códigos e softwares utilizados na rede. Lessig enfatiza que as pessoas comuns não sabem nada a respeito e nem têm interesse em conhecer tais protocolos e, sem conhecer tais protocolos, ficam de fora de qualquer discussão que englobe o próprio veículo de comunicação, ou seja, as pessoas não sabem lidar com os problemas técnicos e de infraestrutura de rede que podem atrapalhar o diálogo e a própria esfera pública conectada. No futuro, então, a discussão da esfera pública não partirá das relações na esfera privada, e sim de uma esfera à qual as pessoas comuns não têm acesso, a esfera dos técnicos e programadores da grande rede e das grandes empresas/corporações de tecnologia.

O escritor Nicholas Carr[170] é um estudioso das novas mídias que teme esse movimento centralizador da Internet, ele expõe que “enquanto a net pode ser um sistema de comunicação descentralizado, sua operação realmente promove a centralização do poder”. Carr exemplifica sua posição através da hegemonia da empresa Google e referindo-se às palavras de executivos da Sun Microsystens e Yahoo!, que prevêem que a infra-estrutura da Internet estará centralizada na mão de meia-dúzia de corporações dentro dos próximos anos. O problema da centralização não pára por aí, a situação se agrava quando pensamos que ele está diretamente relacionado à concentração das empresas de mídia que analisamos no tópico sob o rótulo de “Sinergia da Mídia” (Capitulo I), de forma que esses dois movimentos centralizadores estão diretamente relacionados. Questiona-se se estas poucas corporações as quais Carr se refere, serão aquelas mesmas as quais nós estávamos nos referindo anteriormente. E se assim for, então se vislumbra o mundo das Comunicações como um único “monstro” de cinco ou seis cabeças diferentes, talvez sete, como uma espécie de “Prostituta da Babilônia[171] binário-midiática”?

Maria Fernanda Cicillini lembra que essa também é uma das preocupações de Pierre Lévy. Ela “explica que a configuração de uma sociedade e cultura e suas relações com as técnicas não podem ser pautadas como uma oposição maniqueísta, cujas técnicas seriam agentes externos, estranhos a toda significação humana” (Cicillini, 2007:3). Em relação aos códigos, eles também não podem se tornar uma técnica dominada apenas por empresas, aquém do controle dos usuários, pois isto acabaria interferindo na própria liberdade do usuário em usar o código para se comunicar.

Um grande exemplo desse tipo de controle/monopólio está num movimento das teles norte-americanas que tentam, com o amparo de novas leis, modificar o protocolo de comunicação da Internet, a fim de controlar o que os usuários enviam uns para os outros e, com esse controle, filtrar o que pode ou não pode ser compartilhado[172]. O paradigma, então, para efetivamente termos uma esfera pública conectada através da Internet, é não permitir monopólios e controles sobre a sua infraestrutura e seus protocolos, de modo que essa intermediação não interfira no diálogo e nos debates através da grande rede. Mais uma vez, o uso de software livre se mostra um dos poucos caminhos para a sociedade se livrar desse tipo de controle.

3-) Função “Cão de Guarda”

Outro problema, segundo Benkler, diz respeito à função que ele chama de "cão de guarda". Sob o paradigma da liberdade de imprensa, os veículos de mass media exercem uma função de vigília sobre o que concerne ao interesse público (como, por exemplo, a revista Veja, o jornal Folha de S.Paulo, o telejornal Jornal Nacional etc.). Na Internet, tal função estaria dispersa, fragmentada. Mas, neste caso, enfatiza Benkler, se é possível termos, na Internet, pessoas trabalhando cooperativamente (como, por exemplo, na enciclopédia global Wikipedia e o jornalismo open source), essa função, então, ao invés de ser exercida por poucos veículos do mass media, pode ser cumprida por milhões de usuários espalhados pela rede, com milhares de “cães de guarda”. Os próprios cases levantados por Benkler exemplificam isso.

4-) Controle e Filtragem da Internet

As objeções finais que Benkler faz dizem respeito ao fato de a Internet poder ser filtrada (como é na China, por exemplo). Nesse caso, países autoritários poderiam censurar conteúdos da rede ou até mesmo espionar as pessoas através da Internet. No Brasil temos um exemplo disso quando, em 2006, a justiça bloqueou o site Youtube. Hoje, no nosso país vive-se esse drama: um projeto do Senado[173] visa dar maiores poderes de policiamento para a justiça sobre os sites de conteúdo, além de outros detalhes que podem, até mesmo, levar à prisão jovens que baixam vídeos, músicas e conteúdos diversos através de redes de compartilhamento. Outro projeto, o PLC 89/03, visa acabar com anonimato na rede – o usuário seria obrigado a se identificar toda vez que se conectar na web. Iniciativas como essas são exemplos de como a liberdade e, conseqüentemente, a esfera pública conectada, podem ser limitadas mesmo dentro do ambiente que nasceu sob o paradigma de não possuir instâncias mediadoras centralizadas.

Sobre o controle da Internet, Caio Túlio Costa faz um questionamento: “Quem a controla? (...) os Estados Unidos” (Costa, 2008:331). Todos os sites da Internet em todo o mundo são administrados primariamente pelo Internet Corporation for Assigned Names and Number (ICANN). “Na realidade (...) o acesso à rede está tanto nas mãos dos Estados Unidos quanto de instituições, empresas e governos” (Costa, 2008:332). Hoje existe um grande debate que visa, entre outros detalhes, tirar o controle da ICANN sobre o fluxo informacional da Internet. Embora Costa não cite nenhum exemplo de como esse controle tenha sido usado para limitar a liberdade na Internet, se é que já o foi – e não é o objetivo deste trabalho se aprofundar nesta questão –, é evidente que deixá-lo na mão de uma única nação é algo que se torna maior do que a simples discussão sobre o controle da Internet, torna-se um problema de segurança nacional para as nações que utilizam os fluxos informativos da grande rede. Se no passado temia-se o poder que os Estados Unidos tinha através do botão que, uma vez apertado, poderia destruir o mundo com um holocausto nuclear, hoje, teme-se o poder que emana da “chave” capaz de desligar a Internet.

5-) Exclusão Digital

Por fim, o problema final da Internet seria a exclusão digital, devido ao qual pessoas excluídas da Internet inviabilizariam uma esfera pública conectada numa amplitude mais democrática. Para o Brasil, este é um problema de extrema relevância. Até hoje existem pessoas que sequer têm acesso à língua portuguesa. O analfabetismo ainda é um problema que precisamos resolver, um problema que não só afeta o acesso à Internet, mas todas as mídias que têm como base o texto. Segundo dados expostos na tese de doutorado do professor Caio Túlio Costa, a situação relativa à escolaridade brasileira, em 2008, é a seguinte: “9% é analfabeta, 25% tem até a quarta série, 23% cursou da quinta até a oitava série, 31% fez o ensino médio e 12% tem um curso superior ou mais” (Costa, 2008:287-288).

Se muitas pessoas não têm acesso ao texto, também não têm ao hipertexto, portanto ficam de fora da esfera pública conectada. Ainda temos outra barreira que é a língua inglesa, a língua universal, a principal língua da Internet. Se no Brasil muitas pessoas ainda precisam aprender Português, o que dizer do Inglês? O problema do analfabetismo vem em dose dupla para a nossa pobre realidade. Essa barreira da língua inglesa não é um obstáculo somente à população brasileira, é uma barreira que se estende mundo afora. É fato que a Internet é uma mídia cujas conexões a tornam de acesso mundial. Mas, se a Internet não apresenta fronteiras como o mapa geopolítico mundial, ela apresenta fronteiras em relação às línguas. Hoje é comum se medir a penetração de muitos sites e serviços pela web em termos da língua nativa, mapeando a rede pelas línguas que são mais “faladas”. Por exemplo, o UOL foi apontado como o maior site do mundo em língua portuguesa em 2006, de não inglesa em 1998. Muitas empresas vêm tentando transpor essa barreira, criando serviços de tradução instantânea de sites, utilizando mecanismos para identificar a língua nativa do usuário e redirecionando-o para a página respectiva, e assim por diante. Existem limitações para a universalidade atribuída à Internet, a diversidade de línguas que existe no mundo é uma delas. Como dizia McLuhan, essa é a última barreira a ser transposta nesse estágio final da evolução das extensões comunicacionais do Homem.


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