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2. A Mídia do “Eu” |
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“You build egos on the size of cathedrals, fiber-optic connect the world with every ego impulse, until every human aspire emperor and become his own God” – Devil’s talking[116] Em praticamente todos tópicos que estudamos relativos às novas características da Internet e da prática jornalística dentro desse novo meio, sempre se destacaram as referências à figura do leitor, do usuário, do internauta, e a importância deste na produção da informação. Hoje, à prática jornalística soma-se esse novo elemento, o internauta como coprodutor da informação. Mas não é só isso, o internauta não é só um elemento que as empresas devem levar em consideração quando planejam distribuir informação via web, ele também é um produtor individual de informação. O internauta ganha relevância produzindo informações por conta própria na Internet e também colaborando junto com outros internautas. Além disso, o internauta apresenta-se como um caminho que também faz ecoar as informações pelo espaço cibernético, as informações também navegam junto do navegador, elas surfam com o surfista. Em sua tese de doutorado, Caio Túlio Costa chama a atenção para o novo usuário produtor de informações: o cidadão conectado e equipado com os novos aparatos digitais que lhe permitem ser um publisher, um criador e disseminador de conteúdos diversos através da Internet. Este, ao lado do jornalista, se apresenta como produtor de informação/conteúdo na web, e atua de duas maneiras básicas:
O cidadão-repórter é aquele que utiliza os novos meios que lhe permitem disseminar informações em prol da cidadania. Ele exerce seu direito de cidadão através de uma atuação que pode ser chamada de jornalística, embora não seja um profissional. Ele é um importante ator capaz de atrair a atenção para assuntos diversos, ou ser um especialista de alguma área que divulga informações específicas que não teriam espaço em outras mídias, pode ser o defensor de uma causa qualquer que não desperdiça os meios digitais para veicular suas idéias. O cidadão-repórter também é conhecido por diversos estudiosos como netizen, junção das palavras internet e citizen[117], trata-se do “cidadão da Internet, a pessoa que participa da Internet. Esse conceito inclui atributos de cidadania, responsabilidade social e participação” (Pinho, 2003:254).
O indivíduo-repórter é aquele que interage descompromissadamente na Internet, mas que eventualmente pode trazer alguma informação de relevância e chamar a atenção de muitas pessoas. Todos os estudiosos da nova mídia são unânimes em afirmar que, neste novo ambiente, um simples e-mail pode criar um grande movimento na web, mover uma causa, ser o estopim de uma revolução, uma bola de neve que vai crescendo e navegando pelas caixas-postais digitais mundo afora, propagandeando informações diversas. O indivíduo-repórter é aquele que, eventualmente, pode disparar esse e-mail. De qualquer modo, é um indivíduo que, num certo grau, utiliza-se e interage com sites informativos, sempre em busca daqueles que lhe permitam usufruir ao máximo da interatividade que demanda. O indivíduo-repórter é aquele que faz da Internet a sua mídia, de forma que a sua individualidade se reflete no seu agir cibernético e, vez ou outra, o seu agir pode contaminar outros usuários, ou mesmo, refletir um contágio que recebeu. A personalidade desse indivíduo é algo que buscamos analisar nos parágrafos a seguir, quando refletiremos sobre o indivíduo “eu-cêntrico”. E o blogueiro? Tecnicamente, o blogueiro nada mais é do que o indivíduo que utiliza um blog, que mantém um diário virtual na Internet – que sequer precisa ser atualizado diariamente. Hoje, qualquer um pode criar gratuitamente um blog e compartilhar todo tipo de conteúdo midiático, inclusive o cidadão-repórter, o netizen. Quando apontamos o blogueiro como um novo jornalista, trata-se na verdade, do netizen, que pode ser ou não um jornalista, e pode ou não utilizar um blog, o blog é só uma ferramenta, existem outras. Hoje existem blogs tão notórios, com tal dimensão informativa, que tornam-se pequenos portais. Antes de mais nada, o blog é apenas uma página web com conteúdo multimidiático, e pode ser utilizada tanto para compartilhar poucos posts, como se abrir para um gigantesco receptáculo de informações, tanto de outros blogs quanto de portais informativos, além da produção interativa do dono do blog (ou donos). Dentre os blogueiros netizen, às vezes, figura o próprio jornalista. Mas há de se considerar uma diferença entre aquele jornalista que tem um blog, daquele jornalista que é blogueiro. Quem faz essa distinção é a jornalista e blogueira Lucia Freitas[118]. Primeiro ela define quem é o blogueiro: “ele é um cara antenado, que está a par dos sistemas de métricas digitais, que está familiarizado com o Alexia, que está no Technorati, no BlogBlogs, no Analitics[119], sempre buscando um destaque, buscando atingir determinadas metas. Ele tem um domínio de software, de como usar a Internet que nenhum jornalista tradicional tem”. Em outras palavras, além de ser um cidadão que dissemina informações utilizando-se das novas mídias digitais, o blogueiro tem uma postura muito parecida com a dos hackers que criaram o weblog: é alguém que usa e entende a tecnologia como um caminho inerente à própria evolução humana, que tem ligação com os ideais que nortearam a criação da Internet, onde a construção do conhecimento é colaborativa, e a rede é o canal que permite essa colaboração e compartilhamento. É dessa característica que emerge a própria unidade dos blogs, a blogosfera, que, segundo Freitas, “é a roda dos blogs, a roda digital, qualquer blog faz parte da blogosfera. Não existe um caráter único de temas ou estilos, não existe uma blogosfera disso e uma blogosfera daquilo, ela é uma coisa só. É a esfera dos blogs ou o conjunto dos blogs. Já o blog nada mais é que uma ferramenta de comunicação”. Em uma analogia ao exemplo de Mike Ward em relação ao webjornalismo com a definição de Freitas mencionada acima, também poderíamos afirmar que a blogosfera é uma grande “igreja liberal”, que aceita de tudo, mais liberal que os próprios portais noticiosos e webjornais inclusive, pois é tão plural quanto a massa de internautas hoje incluídos na mídia através da Internet. O blogueiro, na acepção da palavra, é mais do que o netizen, é também um hacker, ou um nerd tecnológico, como muitos dizem. Exatamente por isso, muitos jornalistas que possuem blogs não podem ser considerados blogueiros, pois não possuem essa relação com a tecnologia típica do blogueiro. Freitas expõe que “tem jornalista que vai pro blog, mas mantém a mesma postura que tinha na redação, mantendo-se isolado” e, como vimos, um blog é mais que uma ferramenta de publicação, é uma nova maneira de relacionar-se partilhando informações, que só ganha relevância com interatividade, com feedback. O blog só ganha força através do conjunto, da blogosfera, sozinho não representa nada além de uma página web. Esse é o grande diferencial, “aliás, essa é uma característica dos blogueiros, a capacidade de compartilhar conhecimentos, todos se ajudam”, diz Freitas. Todos talvez seja exagero, mas sempre existe alguém disposto a compartilhar. Nesse universo margeado pelo jornalista que possui blog, mas não interage, e o jornalista que mantém um blog e é um nerd tecnológico, existe uma série de jornalistas-blogueiros que atuam em diferentes graus de interatividade, tanto com leitores quanto com outros blogueiros. Nota-se que esse universo é aberto, de forma que, cada vez mais, jovens jornalistas, mais familiarizados com o mundo high-tech, encontrarão nele um espaço para desempenhar sua profissão. Dessa forma, mesmo que muitos vejam o blog como uma inovação que não pertence ao jornalismo, cada vez mais teremos jornalistas que atuarão dessa maneira. O conceito de mídia do “eu” é debatido pelo professor Rosental Calmon Alves. Seus estudos remetem ao fim dos impressos e da forma atual de se fazer jornalismo. Na Internet, teríamos um jornalismo mais voltado para o indivíduo e mais democrático, conforme citado pelo próprio autor em palestra em Londres, e comentado em artigo intitulado Como se preparar para a mídia do ‘eu’[120], do doutor em Ciências da Comunicação Cláudio Tognolli (ECA/USP):
Mike Ward é outro estudioso que aponta para essa característica “eu-cêntrica” da Internet. Referindo-se ao internauta que navega em busca de informações, ele coloca que “cada vez mais, há também uma atitude indefensável – ‘Eu sei o quero e quero agora’ no mercado da notícia” (Ward, 2007:28). Uma atitude que remete a essa característica intrínseca do novo meio, a sua relação mais individualizada, mais íntima do usuário para com o meio. Tal postura do usuário também reflete as características fisiológicas da grande rede que já analisamos – uma mídia on demand, e essa demanda nada mais é que a imposição do usuário sobre a mídia. Na mesma trilha segue o editor de blogs da BBC de Londres[121], Giles Wilson. Ele afirma que “o jornalismo mudou, está virando uma conversação. Não é mais uma via de mão única”, dessa forma, Wilson acredita que o blog é um instrumento que serve para o jornalista “conversar” com seu leitor. Tal conversa inclui a participação do publico na notícia, e deve ser explorada não só pelos blogs independentes, mas também por grandes veículos, de modo que se possa criar “uma verdadeira interação entre o público e a redação”. Wilson destaca que, além do blog, a BBC objetiva explorar mais os recursos de microblogging, hoje, já há um consenso no meio jornalístico de que a empresa informativa não deve focar a sua energia na centralização da informação, mas sim de explorar os meios de disseminá-las através de diversas plataformas, do blog ao microblogging, as redes sociais e outras formas de interação disponíveis que surgem incessantemente pela web. Wilson enfatiza que a centralização não funciona mais diante das novas gerações que não se preocupam em correr atrás da notícia, “eles acham que, se os acontecimentos forem importantes, chegarão até eles de qualquer jeito na Internet, principalmente por indicação dos amigos”, diz o inglês. Nos estudos que destacamos no tópico anterior, evidenciou-se o importante papel do internauta na construção e veiculação da notícia no ciberespaço. As afirmações acima são mais contundentes, elas remetem à dúvida que colocamos anteriormente, cuja resposta coloca a Internet não como uma mídia onde se deve entender melhor o receptor, a fim de conquistá-lo, de chamar a sua atenção. As afirmações acima remetem ao fato de a Internet ser a mídia do usuário; assim, são as instituições que são coprodutoras da informação, pois o verdadeiro produtor é o internauta. Será? Este entendimento é possível quando interpretamos uma afirmação de Ward que expõe a quebra da hierarquia relativa à produção e veiculação da notícia: “Não há lugar para uma falsa hierarquia entre notícias e informações imposta pelo jornalista, quando é o usuário quem define o que é notícia para ele” (Ward, 2007:41). Na Internet, a informação seria, dessa forma, pautada pelo usuário e não mais pelo editor. Este produz em função das regras dos internautas, portanto seria um coprodutor deste e não o contrário. A reflexão sobre o que é essa nova expressão do sujeito dentro da mídia, ou melhor, dentro da Internet, pois esta possui uma série de características que colocam o internauta dentro do palco midiático, extrapola a simples análise relativa ao meio e abraça campos da Sociologia e da Psicologia, entre outros. Caio Túlio Costa aborda essa questão em sua tese de doutorado: é o individualismo que impera dentro da atual sociedade capitalista, que ele expõe através de um conceito com o qual esbarramos ao longo deste trabalho, a “Modernidade Líquida”:
A cultura atual seria fundada no individualismo, e a expressão desse individualismo na nova mídia seria a centralidade do indivíduo em si mesmo, daí estarmos numa nova era de mídias eu-cêntricas. Na Internet, o indivíduo se torna a centro de si mesmo, onde a sua demanda é irrefutável. Essas duas características que se somam, o individualismo com pessoalidade do novo meio, mostram o seu potencial diante do establishment, pois a Internet é a mídia que possui as portas abertas para o indivíduo reivindicar o seu espaço dentro dela, ou exigir o que ele quer dela, muito além do que ela lhe oferece. Apesar da Internet ser uma mídia que reflete essa característica do mundo pós-moderno, a Modernidade Líquida, ela também pode refletir outras características muito diferentes, sendo que uma delas seria o seu sentido imediatamente oposto. Se o eu-centrismo da mídia reflete o individualismo que impera no mundo atual, a mídia universalizada através da Internet também reflete o sentido de coletividade (não seria a peer production um reflexo dessa nova coletividade digital?). Um estudo do mestre em Comunicação na Contemporaneidade, professor Luis Fernando Câmara Vitral, no qual ele analisa o nascimento, a vida e a morte do suplemento Seu Bairro publicado pelo jornal O Estado de S. Paulo, no qual trabalhou em todo seu período de existência. Ele destaca que um dos grandes pontos fortes da publicação estava nas narrativas que se afastavam das grandes coberturas típicas de um grande veículo como o Estadão, e voltavam-se para reportagens de cunho humanitário e com aspectos de solidariedade, cooperação e respeito social, que refletem o sentido de coletividade através das expressões peculiares de diversos bairros da cidade de São Paulo: “existe um espaço vivo dentro da sociedade onde pode-se observar a cidade pelo seu sentido mais humano”, diz Vitral. Seu estudo mostra que, ao menos em São Paulo, pode-se observar as pessoas além de sua individualidade, de modo que o conceito da Modernidade Líquida não pode ser entendido como uma lógica generalizada, mesmo que seja majoritária. E, se, após oito anos de publicação, o suplemento Seu Bairro perdeu o seu espaço dentro do Estadão e deixou de ser veiculado, a Internet é um canal aberto a uma série de iniciativas e diversas formas de narrativas, inclusive, valendo-se da commons-based peer production, que refletem esses conceitos destacados por Vitral, podem, inclusive, suprir essa carência narrativa que é pouco interessante para um grande veículo acostumado a grandes repercussões. No jornalismo, existe uma série de novas iniciativas baseadas na plataforma digital que refletem isso, tais como jornalismo participativo, open source e também os blogs, que possuem múltiplas formas de narrativa e interação. Outra relação do conceito da Modernidade Líquida com a contemporaneidade está no próprio esfacelamento da esfera pública, o indivíduo voltado a si mesmo esquece-se do seu papel dentro da coletividade, dessa forma, abdica de sua participação na definição dos rumos da humanidade, na vida política da sociedade[122], onde, no intermédio entre sujeito e a sociedade está a mídia que, também, volta-se para questões mais ligadas à vida privada, inclusive, como grande vetora desse individualismo. Como analisamos, a Internet tem características abertas e inclusivas que podem, técnica e potencialmente, resgatar a esfera pública, mas para que isso aconteça, ou se isto vier a acontecer, pois este é ainda um ambiente que está sendo construído, esse resgate passa por um movimento que vai de encontro e choca-se diretamente contra o conceito da Modernidade Líquida, de forma que, poderíamos dizer, para voltarmos a ter uma esfera pública atuante dentro da sociedade, é preciso que a modernidade se solidifique. Podemos dizer que essas duas idéias, o resgate da esfera pública e a “Modernidade Sólida”, estão diretamente relacionadas, como uma sendo a medida e a expressão da outra. Com isso, entende-se que não basta só a Internet, como aparato tecnológico e meio multimidiático, para que esse cenário da esfera pública se altere, é preciso o engajamento dentro de um amplo movimento social[123]. Vemos que a Internet demonstra várias características e lógicas antagônicas, lógico, toda característica que ela toca, nos parece, carrega outra que lhe é imediatamente oposta; tecnologicamente, como o próprio bit, composto de dois estados opostos e, filosoficamente, como Yin e Yang. A própria modernidade é expressa através dessa forma dual, mesmo que o equilíbrio que se busca através da filosofia de Yin e Yang ainda seja algo totalmente utópico. Assim, apesar de líquida, podemos dizer que ela possui partes sólidas (e talvez outras que sejam vapor ou estejam se vaporizando). Se a mídia que reflete a Modernidade Líquida, reflete a esfera privada e, nos meios digitais, reflete o eu-centrismo, da mesma forma, os grandes veículos passam a refletir tal característica. Calmon Alves também analisa a questão da centralidade no indivíduo como um fator que poderia ser entendido como contagioso, como uma onda cibernética que acabará por levar as empresas jornalísticas a tornarem-se “webcêntricas”, canalizando suas produções para a Internet, onde estarão lado a lado com o leitor. Para Calmon Alves, a atuação dos blogs ao lado dos jornais é o grande exemplo dessa tendência. Ele mesmo evidencia como isto ocorre:
Parafraseando um colega (Dan Gillmor), Calmon Alves diz que “o jornalismo costumava ser uma leitura, agora é uma conversação”, que é muito comum nos blogs, enraizados no feedback, mas nem tanto em grandes portais informativos e jornais online. Pollyana Ferrari[124] lembra que essa conversação não é uma exclusividade dos blogs, ela pode ser vista também nas revistas online e diversos canais de jornalismo que são encontrados em várias comunidades, como o Orkut e no site Youtube, por exemplo. É claro que a Internet também se abre para o individualismo do jornalista, hoje vemos diversos sites ou blogs de grandes jornalistas que, além dos espaços em outros veículos, se colocam em contato com o internauta, explorando a interatividade do novo meio. Dentre os indivíduos que partilham do poder informativo que mencionamos até aqui, o jornalista, o cidadão-repórter (ou netizen), o indivíduo-repórter, o nerd tecnológico, o eu-cêntrico, existe aquele que é a mistura de tudo isso. Quanto o internauta se coloca como um canal midiático, um vetor que faz circular a informação segundo sua própria demanda junto aos demais internautas, ele tem a capacidade de atrair parte do fluxo informativo que flui na grande rede. Basta imaginar que a multidão de navegantes é muito maior que o número de instituições para enxergar o potencial informativo que os indivíduos agora dispõem. É de se imaginar que o centro dessa mídia se desloque em sua direção. Não sabemos, ainda, se o internauta é o centro de sua mídia, mas vários pesquisadores são unânimes ao afirmar que a Internet não possui um centro, como a doutora em Comunicação e Semiótica Lúcia Leão (PUC-SP): “Pode-se dizer que, na Internet, o centro está em toda parte e em lugar nenhum, o que nos leva à definição de um sistema acentrado” (Leão, 2001:71). Ou mesmo o mestre em Comunicação e Semiótica Wilson Roberto Bekesas (PUC-SP), em dissertação que discorre sobre as novas interfaces da notícia através da web, onde afirma: “Lembremos que uma das características presentes no mundo digital diz respeito justamente a ausência de centros” (Bekesas, 2006:83). Calmon Alves também vê, nas características eu-cêntricas da web, esse deslocamento, o que representaria a reestruturação completa do que até hoje entendemos por mídia: “Neste início da segunda década do jornalismo digital, estamos percebendo com mais claridade essa extraordinária transferência de controle do emissor para o receptor” (Alves, 2006:96). Resta saber até que ponto as massas são capazes de produzir para as próprias massas, mas, cremos que, dentro dessa dispersão toda, sempre será necessário o trabalho apurativo do jornalista. Afinal, todo o know-how que este possui em trabalhar informações não se perde no ciberespaço, pelo contrário, ele ganha muita importância, e tal conhecimento, sem dúvida, lhe dá até uma certa vantagem em relação a muitos. Talvez essa seja a grande mudança imposta pela mídia eu-cêntrica, pois o jornalista e as instituições perdem a centralidade inerente do meio, e inserem-se no novo, onde, até um certo nível, estão em pé de igualdade com o indivíduo. Sendo a própria sociedade centrada no indivíduo, este se impõe no novo meio. Se a sociedade moderna é líquida devido a sua incapacidade de manter sua forma, as peculiaridades da Internet e seu fluxo não centralizado de informações, criam uma mídia que, igualmente, é incapaz de manter uma forma. O que é ruim para as instituições, afinal elas não podem mudar tão rapidamente quanto os indivíduos. Enquanto as instituições têm que estar sempre inovando para sobreviver no novo meio, o que lhes demanda um grande esforço, neste ponto o indivíduo é soberano, suas ações é que representam a inovação. Aqui poderíamos evocar as colocações de Pierre Lévy sobre o processo de virtualização/atualização que analisamos no início deste estudo, entendendo que a capacidade de virtualizar do usuário é muito mais rápida e dinâmica do que a das empresas. Este também é o entedimento de Lucia Freitas, alguém que já atuou como jornalista em grandes veículos (Estadão, Abril) e hoje atua como blogueira: “O problema é que essas grandes corporações de mídia, que lidam com dez ou vinte mil funcionários, têm dificuldades em se adaptar num cenário que muda constantemente. Quem lida com um blog não tem esse problema, você muda de um dia para o outro”. O blog, como um espaço que atende jornalisticamente ao indivíduo, ilustra bem a diferença do poder de adaptação do usuário em relação às empresas dentro do terreno cibernético. A análise da mídia eu-cêntrica é, em última instância, esse reflexo do individualismo através da grande rede, que também esbarra nas teorias de Jean Baudrillard que mencionamos no capítulo anterior. A expressão midiática de cada indivíduo na mídia representaria o fim do significado, pois, estando ausentes de instâncias mediadoras, o significado só teria sentido para o emissor. Ao contrário, talvez essa dispersão toda reforce a necessidade do papel do jornalista, filtrando e selecionando aquilo que é de importância para diversos públicos, como sempre se espera deste profissional. São duas características antagônicas da Internet debatidas por Yochai Benkler, que analisa os aspectos positivos e negativos, tanto da centralidade típica dos veículos de mass media que também se reproduz na web, como da dispersão do diálogo, o que ele chama de “Torre de Babel”, questões que analisaremos com mais profundidade adiante neste capítulo. Essa dispersão do diálogo pode ser relacionada com o eu-centrismo, pois temos a inclusão de uma infinidade de novos atores impondo diversos pontos de vista dentro do novo palco digital da mídia. Do indivíduo ao jornalista, todos, ou muitos, participam da mídia individualmente, ainda que seja de forma colaborativa, em rede. Em uma análise mais objetiva, a mídia do “eu” está ligada ao que vimos no tópico anterior sobre as características da Internet, a não-lineariedade, dirigibilidade e pessoalidade do meio. Calmon Alves diz que “isso abre caminho para uma comunicação que poderíamos chamar de eu-cêntrica, pois está baseada nas decisões individuais do receptor, diante do enorme leque de opções que a Internet lhe abre” (Alves, 2006:97). O que entende-se agora é que essas características são estabelecidas pelo emissor, num peso maior do que talvez se possa mensurar. Essa mudança faz com que as empresas jornalísticas tenham de se reestruturar completamente diz Calmon Alves:
O jornalismo-serviço pode ser visto na forma que, tanto jornais quanto qualquer grande veículo de mídia, adquiriram desde a sua inserção na Internet: grandes portais de informação e serviço. A cada vez mais ampla necessidade de conteúdo desses portais demonstra o esforço maior para atrair a atenção do usuário, totalmente dispersa no ciberespaço.
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