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1. As Novidades do Jornalismo na Internet |
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“It’s
your time now. Our time” – Devil’s talking[81]
O professor doutor em Ciências de Comunicação J. B. Pinho (ECA/USP) publicou, em 2003, o livro Jornalismo na Internet: planejamento e prática da informação on-line, onde discute os novos e ampliados recursos tecnológicos advindos da grande rede que facilitam inúmeras atividades da prática jornalística, e cita alguns deles (Pinho, 2003:9-10):
Vemos que a grande rede aparece como uma ferramenta capaz de agilizar o trabalho do jornalista. Dentro dessa lista, podemos destacar duas capacidades que aproximam o jornalista do seu público. A rede facilita o contato entre o jornalista e o leitor, e permite um melhor monitoramento do que o leitor discute em diversas áreas, inclusive sobre a repercussão de matérias e notícias veiculadas. Pinho discorre sobre as diferenças entre a nova mídia em relação às demais mídias, o que se mostra importante para entendermos com mais profundidade o que ela agrega à comunicação e ao jornalismo:
O professor atribui uma série de características à nova mídia. Em seguida, passa a discorrer sobre cada uma delas, analisando como elas se relacionam com a prática do jornalismo. Comparando com a maneira tradicional de leitura oferecida pelos antigos meios impressos – a de um jornal que se inicia pelas manchetes de primeira página e segue o caminho de chamadas e submanchetes; a leitura de um memorando que se inicia a partir do topo superior esquerdo de uma folha de papel –, e, comparando com os antigos meios eletrônicos, o rádio e a TV – onde a informação segue uma seqüência pré-determinada, não podendo ser alterada pelo ouvinte/telespectador –, a Internet é completamente “randômica” neste aspecto. Pinho apóia-se num estudo da Sun Microsystems (1997) para apontar que, na web, não existe uma seqüência pré-determinada na busca de informações. Segundo Pinho, “o hipertexto permite que o usuário se movimente mediante as estruturas de informação do site sem uma seqüência pré-determinada, mas sim saltando entre os diversos tipos de dados que necessita” (Pinho, 2003:50). O mesmo estudo da Sun, sob o foco da fisiologia do meio digital, revela que o usuário lê mais devagar na tela do computador, e recomenda um texto 50% menor do que normalmente se publica num material impresso[83]. Mas, se na Internet os textos jornalísticos são mais enxutos – muitos poderiam dizer, mais superficiais – a não-lineariedade permite um aprofundamento maior nos assuntos através de uma navegação livre; assim, “o internauta que navega em páginas de hipertexto vai acumulando conhecimento, segundo o seu interesse e até se satisfazer” (Pinho, 2003:50). O jornalista e pesquisador Mike Ward (University of Central Lancashire. Preston, Lancashire, Inglaterra), no livro Jornalismo online, demonstra que a lineariedade torna-se abstrata no novo meio, pois, na verdade “as aplicações online, como navegar na web, envolvem consumo não-linear de produtos principalmente lineares” (Ward, 2007:128). A não-lineariedade da web, dessa forma, estaria ligada à maneira que o net-surfista navega pelo mar de informações da Internet, não pelas informações em si. Estas teriam a mesma lineariedade dos produtos das demais mídias. É o acesso à informação que é não-linear. Essa é uma das características mais marcantes dos mais abrangentes meios eletrônicos, o rádio e a TV. É a capacidade de veicular informação instantaneamente, ao vivo. Aliás, a mensagem da TV e do rádio só existe no instante em que é veicula, depois desaparece “no ar”. Se alguém, por exemplo, perdeu a hora de sua novela favorita e não havia programado o seu videocassete ou DVD recorder para gravá-la, essa pessoa perdeu o capítulo, e terá de se contentar com o resumo que sairá no jornal do dia seguinte (ou antes, na web), ou com a boa memória de sua vizinha para se inteirar dos fatos decorridos naquele episódio. Nesse ponto, a Internet se avantaja sobre os velhos meios, pois, além de poder veicular informações instantaneamente, tem a capacidade de armazenar tudo aquilo que veicula para consulta a posteriori. No entanto, na cobertura de fatos ao vivo, o rádio e a TV ainda possuem uma agilidade maior que a Internet. A TV, principalmente, pois não existe ainda uma capacidade de veiculação de imagem ao vivo pela Internet (o que na web se conhece por live stream) com a mesma rapidez e qualidade da TV. Mas se a Internet não rivaliza com a TV, ela já pode transmitir som com a mesma qualidade do rádio: hoje qualquer estação de rádio pode ser acessada e ouvida através da Internet no mundo inteiro. Tal entendimento fica claro através da seguinte passagem de Bruno Rodrigues, autor do livro Webwritting: pensando o texto para mídia digital[84]:
Se a instantaneidade da Internet ainda não é páreo para a TV e o rádio, ela já rivaliza com o jornal – inclusive em termos de penetração. O jornal é, em comparação com a rede, “ainda mais lento” (Pinho, 2003:51). Segundo Pinho, a velocidade das informações na web é algo que só havia sido alcançada pelo telefone e o fax, pelos quais informações são transmitidas “quase instantaneamente” (Pinho, 2003:51). Toda essa velocidade leva o autor a dizer, “na mídia on-line, a instantaneidade da informação modificou até mesmo o sentido de furo de reportagem” (Pinho, 2003:51). Hoje, muitos sites informativos até se gabam por transmitir informação em “tempo real”, o que, afirma Pinho, não é uma conquista da Internet, e sim do rádio e da TV. Fica claro, então, que a instantaneidade é uma característica também da web, mas, nesse ambiente, a sua graça está no fato de ela, além de veicular a notícia com praticamente a mesma rapidez do rádio e da TV, vir acompanhada de uma série de informações e recursos adicionais que complementam essa instantaneidade. Relacionado à instantaneidade está o imediatismo, como aponta Mike Ward. Como o rádio e a TV, a Internet vem dotada de uma multiplicidade de canais que podem ser atualizados constantemente – nunca é preciso interromper qualquer informação em prol de outra. Ele diz: “Um único site de notícias pode divulgar inúmeras atualizações sobre reportagens a cada poucos minutos” (Ward, 2007:22). Esse imediatismo, aliado do poder de arquivamento da web, chama a atenção de Ward para o fato de um website conter “centenas de páginas separadas, ligadas entre si, mas capazes de serem lidas e reconhecidas de forma isolada. Isso amplia a quantidade e o alcance tanto da cobertura como do público potencial” (Ward, 2007:22). Nesse sentido, um único website é capaz de atender a diferentes demandas separadamente e simultaneamente (outra característica dualística do novo meio). Como nenhuma outra mídia, a Internet é capaz de atingir os públicos mais específicos, mais segmentados. Essa vantagem da web, segundo Pinho, chega até mesmo a se caracterizar como um caminho para se driblar os gatekeepers da velha mídia. O professor expõe: “Os veículos de mídia impressa e de mídia eletrônica sofrem severas restrições de espaço e de tempo. Além disso, um editor determina (...) o que vai ou não ser publicado. Na Internet (...) a informação pode ser instantaneamente dirigida para a audiência sem nenhum filtro” (Pinho, 2003:52). Essa característica, aliada da interatividade (que discutiremos a seguir) e da capacidade de monitoramento dos hábitos do internauta através da inteligência digital, vai permitir o aproveitamento maior das informações que perpassam por qualquer empresa informativa. Não há motivo fisiológico, em termos de capacidade de armazenamento e disponibilização de dados, que leve à filtragem de notícias, na Internet há um espaço praticamente infinito para se publicar. O interessante é que, também pela fisiologia[85] da rede digital, não há um custo adicional àquele inerente para se manter a estrutura de um site ou portal informativo para se disponibilizar as informações que não teriam apelo para um público maior, como os dos meios impressos e eletrônicos tradicionais. É uma característica que permite ampliar o público total de uma empresa informativa através de audiências menores. Segundo a doutora em Ciências da Comunicação Pollyana Ferrari (ECA/USP), o conceito de dirigibilidade relaciona-se com outro já comentado anteriormente. Ela lembra que “nos Estados Unidos, convencionou-se chamar o novo jornalismo decorrente da mídia digital de narrowcasting – o específico, o personalizado, enfim, a informação dirigida ao indivíduo” (Ferrari, 2003:53). A capacidade de dirigibilidade da Internet é, dentro deste entendimento, um vetor que vai acelerar de forma imensurável a segmentação da mídia. É o vetor que conduz àquela tendência de crise para os jornais impressos, que já os afetava desde antes da chegada da Internet, como vimos no estudo de Philip Meyer. Como mídia, a Internet é segmentada por natureza. Embora os dados atuais relativos à inclusão digital no Brasil não sejam ainda o ideal se comparados aos países do primeiro mundo, eles apontam para um incremento das classes mais baixas no acesso à Internet. Segundo o professor de Ciências Políticas e diretor executivo do Ibope Inteligência Marcelo Oliveira Coutinho Lima (USP), as classes C e D são as que mais têm contribuído para o aumento de usuários no Brasil. Hoje, 20% da população de nosso país tem acesso à Internet, seja em casa, no trabalho ou numa lan house[86]. O percentual é pequeno em relação aos países do primeiro mundo e a outros meios, o rádio e a TV principalmente. De qualquer forma, a postura diante do meio é diferente na Internet, o internauta é ativo na busca e disseminação de informações. E, nesse sentido, J. B. Pinho aponta que “a Internet apresenta um público jovem e qualificado, com alto nível de escolaridade, elevado poder aquisitivo e um perfil profissional em que predominam as posições de empresários, executivos e autônomos. Por essas características, a Internet deve merecer a atenção também como importante formadora de opinião” (Pinho, 2003:53). As questões sobre a esfera pública na Internet vistas no capítulo anterior, mostram que realmente a Internet tem características que favorecem o diálogo formador de opinião pública. A qualificação do usuário na Internet e sua postura mais ativa e participativa é outra característica que se soma a tudo discutido anteriormente. Também é algo que está intrínseco aos exemplos da “esfera pública conectada” que veremos mais adiante neste capítulo. Um exemplo, porém, de como a Internet pode ser um importante vetor na formação da opinião pública, e um espaço onde o usuário ativo pode encontrar informações de relevância que o auxiliem a, por exemplo, escolher o candidato à presidência de seu país, está na vitória de Barak Obama nas primárias norte-americanas de 2008. Enquanto alguns eufóricos dizem que isto só foi possível através do uso que o candidato fez da Internet como canal de diálogo com seus eleitores, os mais ponderados a vêem como uma importante ferramenta utilizada pelo presidenciável, mas não a única e decisiva nesta vitória parcial. De qualquer forma, percebe-se que, sendo decisiva ou não, a Internet foi um caminho por onde a discussão formadora de opinião esteve presente. Ainda mais, quando pensamos que as primárias estadunidenses contam com a participação de um público mais qualificado nessa fase do processo eleitoral. Enquanto muitos estudiosos vêm tentando compreender a ascensão do príncipe eletrônico – aquela figura cujo poder político advém, numa definição simplória, do uso que faz da mídia –, seria Obama uma metamorfose desse príncipe sob o aparato digital, uma espécie de “príncipe binário”? Só um amplo estudo de toda a sua campanha poderia dizer como e quanto a Internet foi, ou não, decisiva para o engajar de sua campanha. Custos de produção e de veiculação Os custos de veiculação na Internet são menores, pois podem partir de baixos investimentos. Hoje, com um laptop no colo, uma conexão telefônica à disposição e alguns aparatos tecnológicos à mão – um celular, uma câmera digital, uma webcam etc. –, e, mais, com o amparo do fluxo informativo e colaborativo da própria web, é possível se montar um site que gere conteúdo de relevância dentro da audiência ciberespacial. Um grande exemplo aqui por perto é o Blog do Noblat[87] que, como conta o professor Marcelo Oliveira Coutinho Lima, “iniciou-se com o próprio Noblat e, atualmente, com apenas cinco ou seis jornalistas – munidos de notebooks –, tem mais audiência que sites de grandes jornais brasileiros na Internet”. Referindo-se ao mesmo blog, o professor e jornalista criador do JB Online, um dos primeiros jornais brasileiros na Internet, Rosental Calmon Alves esclarece que este “já conta com mais de setecentos mil usuários únicos por mês. Trata-se de um número impressionante num país onde a circulação diária dos maiores jornais só chega perto deste número nos domingos” (Alves, 2006:100). Isso exemplifica o quanto mais acessível a Internet é para qualquer um que queira veicular informações. J. B. Pinho enfatiza que “depois dos investimentos iniciais em hardware e software, o uso da rede tem um custo pequeno” (Pinho, 2003:53). É claro que uma empresa de grande porte que queira entrar na web com uma larga capacidade de provimento de informações terá um investimento que, embora seja menor se comparado às demais mídias, é também alto. A grande vantagem é que, uma vez implantada a infraestrutura, seja ela um laptop, seja ela uma centena de provedores e roteadores de Internet, ela capacita de forma inesgotável a veiculação e o armazenamento de informações, e em qualquer formato. Essa é uma das palavras-chave do novo meio. É a característica do meio digital que o coloca muito à frente dos mais tradicionais meios. Mesmo a TV digital, que agora começa a se desenvolver mundo afora, já chega com uma capacidade interativa que é ínfima se comparada à Internet. A diferença básica da interatividade nesse caso nem é o fato de a Internet ter uma capacidade tecnológica de software muito maior que a TV Digital e os demais meios eletrônicos. A diferença está em como o diálogo se forma nesses diferentes meios. Segundo J. B. Pinho, “na Internet a organização não está falando para uma pessoa, mas sim conversando com ela” (Pinho, 2003:54). Em outras palavras, a frase de Pinho mostra como o diálogo na Internet se relaciona como o novo paradigma comunicacional proveniente da Internet. É uma característica que, na pior das hipóteses, modificou completamente as possibilidades que as pessoas têm para se relacionar midiáticamente, além de ampliar as capacidades interativas – ínfimas se comparadas às possibilidades do mundo digital – que já existiam nos demais meios. Outra diferença é que a interatividade do novo meio proporciona uma maior pessoalidade nessa relação do indivíduo com a mídia. Segundo Pinho, “o que faz a Internet interativa, também faz a comunicação ser muito pessoal” (Pinho, 2003:54). Sendo mais pessoal, a comunicação se aproxima mais do indivíduo, seus interesses, seus hábitos e, assim, pode proporcionar informações e recursos mais satisfatórios para o internauta – uma porta aberta à dirigibilidade e a segmentação da informação, como já analisamos. Mas não podemos nos esquecer que a Internet é um canal de comunicação que conecta não só o indivíduo com as instituições, ela também conecta os indivíduos entre si, e assim estende todas essas portas abertas para a produção resultante das relações entre os próprios indivíduos – a peer production. A fisiologia do meio digital também é mais favorável à pessoalidade, no ciberespaço a relação do indivíduo com a mídia é mais íntima. Sob o foco de quem fornece a informação, um estudo de Sherwin & Avila[88] explica que:
A interatividade do meio proporciona um canal comunicativo aberto a todos nele inseridos, onde a comunicação também é feita de muitos-para-muitos, é a chave que abre para diversas outras características que ampliam a capacidade comunicacional de todos e, ao mesmo largo que ela se abre para a coletividade, ela se estreita para a intimidade do indivíduo – a pessoalidade do meio. Outra característica que pode quase ser confundida com a pessoalidade da Internet é a personalização. De acordo com Pollyana Ferrari, “a personalização de conteúdos Web tornou-se um dos elementos mais importantes para garantir a sobrevivência de uma empresa na Internet” e, ainda, “o usuário (...) migrará para sites que oferecem produtos e serviços customizados às suas necessidades” (Ferrari, 2003:35). Abrindo o espaço para o diálogo e interação do usuário, ou seja, um canal aberto para as características pessoais de cada um, o que Ferrari elucida baseia-se em três palavras, os três “is” – “interest, interaction and involvement[89]” (Ferrari, 2003:35). São três palavras-chave que se relacionam diretamente com todas as características da Internet que discutimos aqui. Mike Ward analisa a interatividade diferenciando o foco unilateral das demais mídias do foco bilateral da Internet, onde “esse modelo não apenas permite ao jornalista enviar algo, mas também permite que algo retorne do usuário” (Ward, 2007:149). Ward ainda identifica dois níveis de interatividade do usuário dentro desse modelo. Num primeiro nível, “são as escolhas que os usuários fazem a respeito de o que querem ver e ouvir, com base no modelo de consumo não-linear”, ou seja, os usuários têm mais controle sobre os conteúdos que querem consumir, cabe ao fornecedor de informações identificar o que o internauta procura para, desta forma, tentar melhor atender às suas demandas. No segundo nível, “os usuários começam a contribuir e consumir (...) o usuário torna-se fornecedor além de consumidor” (Ward, 2007:149). Neste nível, “feedback” é a palavra-chave na relação com o internauta, diz Ward. Hoje, através dos e-mails e celulares, muitas notícias são simplesmente enviadas para os jornalistas, os sites informativos só precisam filtrá-las e checá-las (Ward, 2007:150 citando Bob Eggington). Num certo grau, podemos afirmar que a produção do internauta, ou sua coprodução como mencionamos ao longo deste trabalho, ganha mais relevância que as informações levantadas pelos jornalistas. Em certos fatos, algumas “coberturas”, o cidadão conectado pode compor o melhor contingente de repórteres espalhado pelo mundo. Já é algo que está se tornando usual na cobertura de grandes acidentes e catástrofes, como no 11 de Setembro, no atentado em Madri ou na tragédia do vôo 3054 em São Paulo. Ward vai além, mostra que na Internet ainda existe o modelo tri-lateral de conversação/interatividade, quando “os usuários colaboram com outros usuários e com o jornalista” (Ward, 2007:150). Em outras palavras, quando o jornalista produz em colaboração com seus pares na web, ele abandona a sua condição de autor individual e passa para a produção colaborativa, a peer production. De certo modo, é quando o jornalista deixa um pouco de lado a sua condição de jornalista e vira um internauta, deixando-se levar e contaminar pela onda cibernética. É o que muitos jornalistas ainda hoje teimam em não perceber, ignorando que, na web, ele também é um internauta, um surfista digital, para Ward, “é o modelo que deixa alguns jornalistas nervosos” (Ward, 2007:150). Esse terceiro grau de interatividade pode ser expresso quando um jornalista participa do Orkut, por exemplo, onde, numa condição de igualdade com os demais participantes da comunidade, utiliza sua malha de relacionamentos para pesquisar e debater assuntos diversos, levantar informações, etc.. Através de uma citação de Slashdot, Ward expõe que, no meio digital, “isso se parece com uma assustadora perda de controle. Porém, você nunca realmente teve esse controle. Você apenas acreditava tê-lo” (em Ward, 2007:152). A interatividade dentro do fluxo de informações da grande rede, capaz de abraçar todos, expõe a força do todo em relação às formas mais centralizadas de criação e veiculação da informação. Já comentamos, nos itens anteriores, que a postura do indivíduo é diferente diante do novo meio digital, ela é ativa. Além disso, o meio é mais dialogal, pessoal e interativo, abrindo espaço para as ações dos indivíduos, dando-lhes ouvidos. Voltando a refletir sobre essa característica do novo meio, J. B. Pinho lembra que:
Quando o indivíduo aparece também como um produtor de informação, um receptor ativo que dialoga com outros indivíduos e instituições através da rede, sendo que dentre essas instituições estão as empresas de mídia, os jornais, os portais, etc.. Também, quando o indivíduo é quem deve ir ao encontro da informação, e não o oposto. Então, esse indivíduo não pode ser visto como um novo concorrente, e sim como um aliado. Em relação ao jornalismo praticado na web, Pinho chama atenção para todas essas características sobre as quais refletimos acima, como novas ferramentas em que se pode tirar proveito para uma prática jornalística online de qualidade: “o jornalismo digital deve considerar e explorar a seu favor cada uma das características que diferenciam a rede mundial desses veículos [televisão, rádio, cinema, jornal e revista]” (Pinho, 2003:58). E, dentre todas estas características, enfatiza que “o jornalismo digital diferencia-se do jornalismo praticado nos meios de comunicação tradicionais pela forma de tratamento dos dados e pelas relações que são articuladas com os usuários” (Pinho, 2003:58). Mais uma vez, vemos que, mais do que nunca, a coprodução do usuário é fundamental dentro do novo ambiente. Não basta mais, a qualquer instituição, apenas a sua inserção jornalística na nova mídia, ela deve e tem que considerar o agir jornalístico dos indivíduos a ela conectados. De todas as características que mencionamos acima, muitas já eram características de outras mídias, outras são próprias do novo meio e, ainda, algumas ganham maior relevância a partir da junção de todas essas características num único meio. Pinho aponta um estudo de Manta (1997), que demonstra a vantagem que o jornalismo tem dentro do novo meio:
Uma consideração há de ser feita: embora a Internet possa hoje ser apontada como um veículo de comunicação de massa, ela ainda está longe do patamar alcançado pela TV e até mesmo pelo rádio ao analisarmos esses meios sob o foco da simultaneidade. Não existe nenhum canal ou site na web capaz de chamar a atenção para um público de um país inteiro simultaneamente, como é possível através da TV e do rádio – como, por exemplo, em um informe oficial do governo (Ward, 2007:139). E não precisamos pensar em extremos, não é preciso recorrer a números para ter a certeza de que o Jornal Nacional tem um alcance simultâneo muito mais amplo que qualquer site noticioso que faça cobertura em “tempo real”. Talvez a simultaneidade seja uma das características dos meios eletrônicos mais carecidas pela Internet, e não sabemos se um dia ela a terá dentro dessas dimensões. Entretanto, se a audiência na web não consegue tal magnitude simultânea, ela pode ultrapassar as fronteiras de um país, pois qualquer site pode ser acessado em qualquer parte do globo terrestre. A acessibilidade da web é inigualável, como expõe Pinho: “Um site Web (...) está disponível ao acesso dos usuários 24 horas por dia, sete dias por semana e 365 dias ao ano” (Pinho, 2003:54). A Internet é incomparavelmente superior às demais mídias também em relação ao seu alcance global, como aponta Mike Ward: “O alcance global é o mais automático de todos os poderes distintos da mídia online” (Ward, 2007:139), mas não simultaneamente. Os sites na web funcionam como um banco, têm dinheiro para todos, mas se todos resolverem sacar todo seu dinheiro ao mesmo tempo, o banco vai à falência. Sobre a eloqüente frase da citação acima, que expõe a conectividade do telefone na contramão de sua massividade, basta refletirmos que, uma vez conectada à interatividade do telefone a inteligência binária dos computadores que, dentre uma vasta amplitude de possibilidades, permite a interação não apenas entre dois indivíduos, mas sim de inúmeros indivíduos, este tipo de rede de conversação comutativa se torna de fato uma mídia de massa. A junção desses dois itens – telefone e computador – também confere à Internet a sua característica comunicacional que é síncrona e assíncrona ao mesmo tempo. O telefone e o computador separados são apenas devices, gadgets, juntos, se tornam uma mídia. O conceito de mídia de massa ganha um outro viés na Internet. Nos tradicionais meios eletrônicos e impressos, tal conceito refere-se a um meio capaz de propagar suas mensagens a enormes contingentes humanos, as ditas massas. Com o crescimento da grande rede, hoje uma grande massa humana tem acesso às informações dispostas na Internet, mas de um modo diferente: as massas se compõem de inúmeros pequenos contingentes ou mesmo indivíduos que acessam uma massa diversificada de informações na rede, e não simultaneamente, como já comentamos. A rede também se torna massiva, não só em relação ao seu alcance por diversas populações, mas pela quantidade massiva de conteúdo que disponibiliza (Ward, 2007:137). A diferença da Internet para os demais meios de massa, nesta análise, estaria na massa de indivíduos se dispersar pela massa de conteúdos disponíveis, e não gravitando em torno de poucas mensagens. Este tópico, embora não apareça na lista que mencionamos através de J. B. Pinho, apresenta importantes considerações em relação aos novos meios digitais. Segundo Pinho, “a usabilidade diz respeito a técnicas e processos que ajudam os seres humanos a realizar tarefas em um computador no ambiente gráfico da Web” (Pinho, 2003:141). Já Pollyana Ferrari entende essas técnicas como algo focado na interatividade. Neste sentido, a usabilidade “é um conjunto de características de um produto que definem seu grau de interação com o usuário” (Ferrari, 2003:60). Pinho traça uma série de considerações sobre a construção da mensagem na Internet e quais são os aspectos-chave que devem ser levados em conta para se obter o melhor resultado através da positiva exploração das características do novo meio discutidas aqui. O professor expõe: “Os valores e aspectos funcionais da usabilidade são (...) a navegação, a interatividade, a estruturação das páginas, o uso correto da tecnologia e o estudo da audiência” (Pinho, 2003:142). É claro que a usabilidade do meio digital é muito diferente da dos outros meios. Diferentemente de apertar botões e selecionar canais e/ou freqüências, ou o simples abrir e trocar de páginas de um maço de papéis, onde a informação tem uma seqüencialidade praticamente padronizada, na Internet é o usuário quem tem de ir ao encontro das informações, o que, como já destacamos, o coloca numa postura pró-ativa diante deste meio. Além disso, a Internet exige uma qualificação maior dos seus usuários; afinal, este precisa, no mínimo, saber ler e possuir algum grau de ambiência tecnológica para usufruir o novo meio. Sendo assim, trata-se de um leitor diferenciado em relação às audiências dos meios tradicionais. Como na web temos mais informação à disposição, é mais fácil para o internauta encontrar opções de sites que possam satisfazer suas necessidades, o que torna suas demandas algo de muito maior importância na hora de se pensar o que veicular, como veicular e, é claro, para quem veicular. Facilitar o acesso à informação é outra demanda que figura aqui e, pode-se dizer, explica o sucesso de algumas empresas (como a Google), que se utilizam deste conceito. Dentro dessa e das demais perspectivas, vemos que o fator de maior relevância para a usabilidade é o papel do usuário. Fatores como a navegação, a estrutura das informações e a escolha da tecnologia ideal, devem se dar em função da necessidade do internauta, do uso que este faz da tecnologia/informação, observando-se como, quando e onde ele interage. É o que enfatiza Pinho em algumas de suas conclusões sobre a usabilidade: “Os responsáveis pelo site devem explorar ao máximo as possibilidades que a Internet oferece, em tempo real, para o levantamento e análise e o controle de dados relacionados com o acesso do leitor e o seu comportamento enquanto navega pelas páginas” (Pinho, 2003:152). É também a usabilidade um demonstrativo de que a Internet é a mídia do navegador. Ferrari vai mais fundo na questão da usabilidade. Segundo a estudiosa, o bom uso desta seria “uma relação de cumplicidade entre a empresa e o cliente”, no qual “o consumidor se sente capaz de interferir na qualidade do produto” (Ferrari, 2003:61). Para enfatizar esse pensamento, Ferrari aponta os estudos conduzidos por empresas de software, que disponibilizam seus produtos para teste dos usuários antes de serem lançados em suas versões finais – e depois continuam nesse processo constante de aprimoramento junto ao usuário final do produto. Enquanto Pinho diz que é importante observar-se o usuário, Ferrari é mais contundente, afirma ser este o único caminho para a efetiva criação de uma interface com boa usabilidade: “Atingir um alto nível de usabilidade requer que os designers concentrem esforços no usuário final” (Ferrari, 2003:62). O mais importante é a clarividência da relação da usabilidade com a própria confiabilidade da relação entre uma empresa e seu cliente, inclusive como um meio de fidelizá-lo, numa relação cuja palavra-chave é, mais uma vez, “feedback”. Uma pergunta cabe aqui: seria o feedback mais importante do que a mensagem original do emissor? Na Internet, a relação estaria mais presentemente ao lado do internauta do que em qualquer outra instância, site, empresa, provedor, etc.? São questões essas que tentaremos analisar com mais profundidade adiante neste capítulo. Mas fica claro que, mais do que nunca, o receptor está próximo do emissor e vice-versa. Além desses aspectos, Ferrari traz à tona os conhecimentos que adquiriu trabalhando em diversos projetos de websites informativos durante sua carreira. Ela chama a atenção para uma questão comum para quem veicula informação e conteúdo pela web, e a sua relação com a usabilidade: cobrar ou não pelos serviços? Conteúdo pago ou gratuito?
Ferrari ainda se apóia num estudo de Jakob Nielsen[90] para enfatizar o erro que muitas empresas cometem ao analisar a vontade do usuário baseando-se apenas nos dados de pageviews de suas páginas. Essa técnica nada mais seria que a replicação das técnicas de medição de audiência dos meios antigos, especialmente os eletrônicos, utilizada para valorização de venda publicitária. Nielsen diz que:
Nestas duas passagens, vemos que a usabilidade da Internet tem forte peso na relação entre emissor e receptor, e de um modo diferente, o peso do indivíduo é maior do que nas outras mídias. Os meios tradicionais que existem para medir essa relação e compreendê-la melhor não são os únicos e nem são suficientes para qualquer tipo de conclusão. Entretanto, evidencia-se aquilo que discutimos desde o início do presente estudo, a coprodução do usuário dentro do ambiente digital informativo, o seu valor e o seu peso nas relações oriundas do ciberespaço. Esta é outra palavra-chave ligada ao novo meio, a Internet. Manuel Castells e Beth Saad, por exemplo, conferem o status de vantagem econômica para aquele que inova dentro do mundo digital, tanto para as empresas de tecnologia quanto para as de infraestrutura e, inclusive, as de mídia – ou, segundo análise de Venício Lima, às Comunicações de um modo geral. E quanto ao jornalismo, o que foi inovado a partir do advento da Internet? J. B. Pinho, Pollyana Ferrari e Mike Ward, ao longo de seus estudos, discorrem sobre várias e novas ferramentas que a Internet e as linguagens binárias oferecem à pratica jornalística. Todos os devices, programas, códigos, elementos multimídia e a própria Internet – uma nova rede comunicacional –, são elementos que representam inovações que podem ser utilizadas, tanto sozinhas como em seu conjunto, para se inovar a arte do jornalismo. E, pensando que essas ferramentas, essas novas facilidades que conectam o indivíduo à mídia digital, estão disponíveis a quaisquer pessoas que porventura queiram se adentrar nessa prática, concluímos que, hoje, o jornalismo ultrapassa as fronteiras do próprio jornalismo. Assim, vemos que um novo e amplo suporte, quase que mágico, se oferece como uma plataforma para a inovação na prática do jornalismo, tanto para jornalistas como para qualquer um. Mas não podemos esquecer que as inovações tecnológicas advindas do chip começaram ainda na era pré-Internet, e desde então passam a inovar a pratica do jornalismo, como expõe a mestre em Comunicação Midiática Fernanda Maria Cicillini (UNESP) num estudo que faz sobre informatização na imprensa paulista: “Nesse contexto, os novos desafiantes da ‘mídia antiga’, incluem, (...) discos laser, (...) os aparelhos de fac-símile de última geração, banco de dados portáteis, livros eletrônicos, redes de videotexto, telefones inteligentes, satélites de transmissão direta” (Cicillini, 2007:8). Se continuarmos nessa regressão, vemos que uma série de invenções humanas foram, ao longo da história do jornalismo, sendo apropriadas e usadas para aprimorar essa técnica comunicacional, desde a prensa gráfica de Gutenberg, passando pelo cabo oceânico sub-marino, o telégrafo, a radiotransmissão, o satélite, finalmente chegando até o computador e sua linguagem binária. Voltando à contemporaneidade, além da própria rede computacional, inovaram a prática do jornalismo uma série de softwares, protocolos e siglas diversas, muitas até nem estão em uso mais, outras vão surgindo incessantemente. São: e-mail, usenet (newsgroup), chat, telnet, bbs, ftp, web, html, dhtml, recursos que praticamente nasceram com a Internet que, não podemos nos esquecer, além desse ferramental todo mencionado acima, também trouxe consigo a linguagem de hiperlinks, a hipermídia – o link poderia figurar nessa lista também, assim como outros dispositivos de armazenamento de informação em hipermídia que ganharam espaço junto com a ascensão da web, o CD-Rom e o DVD-Rom entre outros. E foram surgindo outras inovações que vão ganhando a atualidade: o weblog ou blog, rss, feed, atom, podcast/videocast, tag, twitter, xml, web 2.0. Outras siglas, ou extensões, apontam para as inovações que permitem a troca e veiculação de conteúdo multimídia através da web, que permitem ouvir rádio, som, música, assistir vídeos, imagens ao vivo, fotografias, e compartilhar de todo o mar de conteúdos da Internet; são os formatos mais comuns de arquivos diversos: gif, jpg, midi, mpeg, mp3, mp4, avi, divx, pdf, rtf, ascii, stream, zip, swf etc.. Poderíamos citar, inclusive, uma série de softwares, protocolos, linguagens de programação, tecnologias de armazenamento e pesquisa de dados, plug-ins, mecanismos de busca e browsers, que surgiram através das redes computacionais, como grandes inovações que vêm impulsionando todo esse mundo cibernético e o próprio jornalismo. Existem também as inovações que refletem o conceito de peer production, como exemplificamos através do surgimento da Napster, as rede BitTorrent, a blogosfera, os mundos virtuais como o SecondLife, os MMORPG e a Wikipedia, assim como o OpenSource e o software livre. A peer production em si já implica uma inovação conceitual de produção intelectual: o Commons. Assim como a cibercultura e a inteligência coletiva que também podem ser apontadas, por um certo prisma, como inovações advindas dos meios digitais interconectados. Podemos citar ainda aquelas inovações que muitos apontam como ruins, como efeitos colaterais da evolução tecnológica, e outros as utilizam mesmo assim: spam, worm, trojan-horse, pop-up, a comunicação viral. Enfim, os gadgets que tanto citamos ao longo deste trabalho, não seriam inovações tecnológicas que também modificam o cenário comunicacional como um todo? Sim: o notebook ou laptop, câmera digital, scanner, telefone celular, webcam, mini-DV, handheld ou palmtop, ipod, smartphone, usb, memory-key e muitos outros pequenos aparelhos baseados em chips que vêm revolucionando o dia-a-dia comunicacional das pessoas. Tudo isso seria inútil se não tivessem surgido uma série de inovações na própria infraestrutura comunicacional: a broadband (banda-larga), isdn, webtv, lan, wan, wap, fibra-óptica, 3g. Existem os aparatos que também estão por vir, e que muito já se especula como revolucionarão, ou, ao menos, inovarão no acesso à informação: o papel e a tinta digital, o documento eletrônico, a mesa digital e também uma série de devices e sistemas citados por inúmeros futurólogos, cujos contornos já se é possível vislumbrar: a superestrada da informação, os agentes inteligentes, os robôs domésticos, a realidade virtual. Todos esses nomes, aplicações, siglas, etc., são apenas algumas dentre o mar de novidades, de pequenas inovações que vão modificando as formas de veiculação da informação, a interação e o relacionamento das pessoas na sociedade dentro e fora da mídia. Precisaríamos de um extenso glossário para citar uma série de outras siglas que ficaram de fora dessa lista, mas não precisamos nos preocupar tanto com essas letras/conceitos/inovações/etc., pois, como já enfatizamos, não importa a tecnologia em si, e sim o uso que as pessoas fazem dela. Dessa forma, ainda mencionaremos muitas dessas siglas ao longo deste estudo, algumas já foram exaustivamente citadas e ainda o serão, mas sempre se levando em conta a convergência dos indivíduos/instituições sobre essas inovações. Sem dúvida o melhor e mais atual exemplo de inovação aliada ao sucesso empresarial está na Google e seu famoso algoritmo – uma fórmula matemático-binária tão misteriosa e valiosa quanto a da Coca-Cola. O algoritmo da Google nada mais é do que um mecanismo de busca e relacionamento de dados. A grande inovação está em como ele faz isso, quais as regras e operações ele realiza para relacionar esses dados, o que ninguém sabe ao certo. O que se sabe é que, de uma série de regras utilizadas para listar dados na web, leia-se, páginas web, a Google introduziu o critério de classificação de links[91], além de uma série de outros, dentro de seu mecanismo. O que a Google fez, de certo modo, foi adicionar novos critérios e filtros (subalgoritmos, muitos configuráveis pelo usuário) à busca de páginas web, possibilitando resultados mais inteligentes em comparação ao que se tinha disponível na Internet até seu surgimento. Muitos entendem o algoritmo da Google como uma fórmula matemática baseada no conceito de recomendações personalizadas e automáticas dos usuários, desenvolvido pelo site de vendas online Amazon, e aplicado ao link. Assim, de certa forma, o algoritmo da Google funciona como um sistema que aponta para os sites mais indicados pelo internauta[92]. Essa “pequena” inovação conferiu à empresa uma vantagem competitiva no mercado ciberespacial que a transformou, em poucos anos, num dos maiores global players da atualidade, aliás, a única empresa pure play que figura entre os maiores players do mundo. Voltando às siglas e nomes, dentro dessas incessantes inovações ligadas à busca na web, temos: diretórios, meta, Boole, spiders, clustering, metabusca e adsense. Beth Saad aponta em seu livro qual é a grande inovação ao jornalismo sob o amparo da Internet e das tecnologias binárias. Apoiando-se num estudo de Clark Gilbert[93], as inovações para os jornais que se aventuraram na Internet, foram (Saad, 2003:129):
Não parece muito, mas houve inovações. O mesmo estudo demonstra pouco avanço no uso da interatividade e a falta de criatividade dos jornais em utilizar o novo canal. Por exemplo, não se verificou o aparecimento de novas fórmulas para a geração de receitas com exceção da venda de espaço publicitário nas páginas web dos jornais – nesse aspecto, a grande inovação volta a ser, ainda, o algoritmo da Google aplicado à publicidade, de uma empresa que não é da mídia. Rosental Calmon Alves, em artigo que analisa a última década do jornalismo (até 2006), também aponta para o desperdício cometido pelas empresas tradicionais de mídia no aproveitamento da Internet. Ele expõe:
Em contrapartida, o estudo de Gilbert demonstra que as empresas que estruturaram as suas operações web separadamente da operação do jornal tiveram mais inovações e um melhor desempenho, conseguindo aumentar os seus públicos (em Saad, 2003:129). Não seria este o caso do melhor desempenho do Grupo Folha, que estruturou suas operações web através do UOL, em relação ao Grupo Estado? Mas, para Saad, a grande inovação no jornalismo, com o advento da web e sua capacidade de armazenar, relacionar e disponibilizar dados, foi o enriquecimento imensurável de informações e serviços, principalmente os ligados às atividades financeiras, que as empresas de mídia passaram a dispor na web. Ou seja, a grande inovação foi a adição da inteligência computacional à simples veiculação de informações sob a plataforma de rede da web. Pollyana Ferrari atenta para as formas de interação e provimento de informações pela web como uma grande inovação, não só para a mídia, mas para a própria vida em sociedade. Nesse sentido, as comunidades virtuais, os portais informativos, o e-commerce, B2B e a própria personalização da informação e das relações na Internet representam uma grande inovação. Já Mike Ward, como vimos, acredita que a grande inovação para o jornalismo é a cobertura exclusiva online, ou seja, o jornalismo que é concebido e realizado para o novo meio, o próprio jornalismo online. Muitos afirmam que uma inovação na prática do jornalismo através da Internet é o blog – ele até aparece entre as diversas siglas relativas às inovações que listamos no tópico anterior. O blog é uma ferramenta que passou a ser utilizada para disseminar informação pela Internet, tanto por jornalistas como por internautas. Através do seu conjunto, ou seja, uma infinidade de blogs que trazem informações e debatem diversos assuntos da sociedade, formam uma nova esfera de comunicação dentro da web, formam a blogosfera. Há um debate onde muitos apontam o blog como uma inovação que não pertence ao jornalismo, já outros afirmam que é uma inovação do jornalismo online. Essa discussão e o fenômeno dos blogs é algo que analisaremos em tópico logo adiante neste capítulo. O blog e a blogosfera podem ser vistos como inovações, mas sob diferentes perspectivas. O blog é uma ferramenta de publicação, nada mais que isso. Segundo o que apuramos[94], tal ferramenta foi criada pelo hacker norte-americano Jorn Barger[95] em 1997. Barger possuía um site, o Robot Wisdom Weblog[96], onde disponibilizava entradas, ou seja, links para diversas informações interessantes que encontrava pela Internet – criar links para páginas interessantes, na verdade, sempre fora um hábito no desenvolver de páginas para a web desde os seus primórdios. Essas entradas (o que atualmente se chama de post – postagem), eram conhecidas como registros, ou logs[97] (do termo em inglês), e continham a data e o horário de sua publicação. Em outras palavras, o blog é uma pagina web com registros datados, nada mais que isso. Se lembrarmos das eloqüentes palavras de McLuhan sobre a data ser o único princípio organizativo da linguagem jornalística, vemos aqui o primeiro laço do blog com o velho jornal. Entre 1997 e 1999, diversos internautas passaram a usar esse formato para publicar informações, e ‘logar’ os logs de outros weblogs inclusive adicionando comentários, um hábito que sempre esteve ao lado da prática de ‘logar’. O crescente número de internautas que passou a se comunicar através desse recurso criou uma malha de links entre os weblogs, formando uma nova comunidade virtual (que chegava a 50 mil em 1999)[98], esta malha era o primeiro estágio, embrionário, da blogosfera. Segundo Paquet[99], nessa época “tais serviços eram utilizados por designers e engenheiros de software cientes das potencialidades desta nova tecnologia” (em Escobar, 2007:10)[100]. O autor considera que blogs estão na raiz do que chama de personal knowledge publishing[101] (Escobar, 2007:10). Essa parece ser a palavra-chave que caracteriza essa ferramenta, que identifica tal espaço virtual como um blog: a pessoalidade da informação, do espaço, ou seja, a relação direta do publisher com o que é veiculado e o contato que ele, em diferentes graus, mantém com seus leitores/contatos. O blog ganhou impulso e passou dos mil para os milhares com o surgimento das ferramentas gratuitas e automatizadas de publicação. O recurso deixava a mão dos hackers e se estendia aos leigos em programação e scripts web – ainda em 1999 com o aparecimento de vários desses serviços[102]. As novas plataformas de blogs trouxeram uma inovação: o post passou a possuir link, e a possibilidade de se compartilhar as informações diretamente. Junto com a explosão dos blogs, vieram novos recursos para se partilhar fotos (flog), som e vídeo (vlog), apareceram os serviços de indexação e medição de blogs, de modo que esse crescimento manteve o conceito de interconectividade comunitária formada pelo conjunto dos blogs. Inclusive, vale esclarecer que os links criados pelos blogueiros acabam por organizar o fluxo de informações dos blogs segundo os temas e interesses que costumam abordar, são os blogrolls[103] – as rodas de blogs. Novos recursos vieram a se somar dentro desse conceito, permitindo um foco melhor dos assuntos abordados nos diversos blogs, tais como os meta-tags e as ferramentas de microblogging. Um estudo dissertativo sobre blogs, do mestre em Ciências da Comunicação Artur Vasconcellos Araújo (ECA/USP), aponta que, dentre o surgimento de várias plataformas gratuitas para a publicação de blogs, algumas características são comuns de todas. O espaço do blog, além da data/hora da publicação, é composto “com títulos e textos publicados em ordem cronológica inversa com espaço para comentários” (Araujo, 2007:32). Essas seriam algumas das características comuns e intrínsecas dos blogs. Talvez essa seja a grande inovação do blog, o seu caráter aberto a qualquer um que queira utilizar essa ferramenta, inclusive devido a sua simplicidade e, ao mesmo tempo, estar inserido dentro de uma comunidade interconectada capaz de fazer ressoar assuntos que ganham relevância dentro do amplo contexto midiático ciberespacial. É daí que se entende o blog como uma nova esfera de debate, a blogosfera. Nessa explanação, fica claro que a grande inovação do blog é o uso que as pessoas passaram a fazer desse simples recurso – logar informações –, a convergência das pessoas sobre esse recurso. A blogosfera é o resultado dessa convergência e pode ser entendida como uma verdadeira esfera devido à unidade que manteve, em diferentes níveis, durante a sua expansão. Esse crescimento, que partiu de um movimento dos internautas se interconectando, também pode ser um exemplo de como a peer production se mobiliza pelo terreno cibernético. Como os pares interconectados convergem sobre algumas tecnologias disponíveis na atualidade. Poderíamos dizer que o blog é, inclusive, uma manifestação jornalística da peer production. A história da Internet reserva um capítulo especial para a figura do Sir Timothy John Berners-Lee, o feito desse cidadão londrino lhe confere tal honra: a criação da World Wide Web. A idéia trabalhada por Lee junto a sua equipe de engenheiros foi simples: adicionar o conceito de hipermídia para troca de informações na Internet. Assim desenvolveu um novo protocolo de comunicação, o HTTP, o protocolo de hipertexto (em 1990). Daí para a invenção do HTML – a linguagem de hipertexto – e do primeiro browser foi um pequeno passo para Lee, mas que para muitos foi muito maior para a humanidade do aquele dado por Neil Armstrong em 1969 no solo lunar. O ato heróico de Lee, no entanto, não está em sua invenção, e sim no fato de abdicar de sua patente, tornando-a de domínio público. A Web 2.0, ou seja, o segundo capítulo dessa novela, é a extensão do HTML no código XML – Extensible Markup Language –, linguagem que segue os mesmos padrões do HTML, mas permite uma infinita gama de programações que vai muito além de seu estático predecessor e, dessa forma, amplia e facilita a exploração de todos os recursos interativos da web. Hoje, muitos se deram conta de como essa extensão do código HTML vem beneficiando o diálogo na Internet, muitos usufruem o XML sem ao menos se dar conta. Um estudo do mestre em Comunicação em Semiótica José Renato Salatiel (PUC-SP), revela onde está essa inovação:
Como alertamos, algumas das siglas e nomes que listamos como inovações anteriormente se repetem nessa citação, além de outras que são adicionadas. Apenas não se sabia que por trás de várias dessas inovações, estava a linguagem XML, a Web 2.0. Mas, aquém dos nomes, sites, serviços etc. listados acima, o fator de maior relevância é entender a Web 2.0 como uma inovação que beneficia a convergência do usuário sobre a mídia digital e, acima de tudo, serve de patamar para produção colaborativa, constituindo-se em um vetor impulsionador da inteligência coletiva. Além do mais, tendo o XML como base da inovação, as demais inovações listadas são exemplos da convergência dos usuários sobre essa nova linguagem, de como eles se apropriaram desse recurso para criar novas formas de relacionamento e distribuição de informação e conteúdo pela grande rede. É por isso que se aponta a Web 2.0 como uma nova revolução para a comunicação – uma revolução dentro da revolução da Internet –, pois foi uma inovação que alavancou diversas outras no novo meio. Em um estudo no qual o doutor em Letras Mauro de Souza Ventura (USP) analisa as potencialidades interativas do hipertexto, ele conclui que há limitações, “já que o usuário, como observa Aquino[104], ‘não interage totalmente nas páginas, porque não possui total liberdade e flexibilidade de se manifestar’” (Ventura, 2007:6 citando Aquino, 2007). Já “na Web 2.0 a participação do usuário na escrita hipertextual é ‘levada ao limite’” (Ventura, 2007:6 citando Primo[105], 2006:84). O limite da Web 2.0 é a transposição dos limites da sua predecessora. Isso ilustra a mudança no patamar interativo trazido pela Web 2.0, pois a Internet ganha uma nova magnitude a partir dessa inovação. Enquanto vivemos a revolução da Web 2.0, a mídia já veicula o termo Web 3.0[106], que seria o terceiro grande estágio evolutivo da Internet, na verdade, uma coevolução, pois se trata da mesma rede rodando sobre os mesmos protocolos. O primeiro estágio foi a própria criação da World Wide Web; o segundo, a Web 2.0, é, como comentamos, a flexibilização do código que permitiu uma maior convergência do usuário sobre a rede. O terceiro estágio, a Web 3.0, seria a convergência de uma série de sistemas que visam organizar o fluxo de informações da Internet que, além de integrar diversos mecanismos e plataformas (inclusive as móveis), trará serviços de classificação e busca de informações altamente sofisticados. A Web 3.0 seria conhecida como World Wide Database, pois toda a sua informação seria relacionada como dado e não como documento (página web). Após uma estruturação e classificação da imensidão de dados disponíveis nessa Database[107] mundial, nós atingiríamos um patamar que abre para a “Web 4.0”, que seria o desenvolvimento de sistemas capazes de relacionar esses dados de forma inteligente, os agentes inteligentes – tecnologia de ponta capaz de analisar e relacionar dados e “aprender” com eles, hábil em trazer à tona informações valiosas para seus usuários indo muito além do que inicialmente se requisita, enriquecendo infinitamente qualquer pesquisa ou levantamento de dados. Esse seria o patamar apontado por vários estudiosos das redes de informação e futurólogos, como Nicholas Negroponte e Pierre Lévy, apenas para ficar naqueles que citamos neste estudo. Nesse estágio, colheremos os benefícios da inteligência coletiva. Hoje, nós apenas estaríamos construindo a base para essa inteligência e já nos beneficiando com o novo patamar comunicativo atingido durante esse processo. E, se a “revolução” da Web 2.0 é baseada no código XML, a Web Database é baseada no conceito de “semântica na rede”, ou “Web semântica”, proposto por Tim Berners-Lee[108] e seus colegas[109]. Em palestra à Faculdade Cásper Líbero[110], o professor Luis Joyanes (Universidade de Salamanca – Espanha), abordou o tema da convergência digital. Parodiando os jargões publicitários, ele se perguntou se o próximo estágio coevolutivo da web seria a web 2.5 ou web 3.0, o qual ele prefere chamar, mais corretamente, de web semântica. Joyanes entende essa coevolução como a própria convergência digital, e que perpassa por duas palavras-chave: a mobilidade e a interatividade. Dessa forma, a web semântica trará uma coevolução onde a web apresentaria um grau de conectividade e interatividade jamais sonhado, e estará disponível aos usuários em todos lugares, este sim, seria o significado maior do que ele entende como sendo a convergência digital. Ressaltamos no início deste capítulo algumas das vantagens que o jornalista pode obter no exercício de sua profissão com o uso da Internet. Mas as mudanças que a Internet implica na função do jornalista vão além. Para muitos estudiosos, o tratamento e a veiculação de informações pela web reformulam completamente a função até então exercida pelo jornalista. Como já analisamos, ele deixa de ser um mediador da informação e passa a ser um incentivador, um fomentador ao acesso à informação, seja esta de qualquer natureza. Pollyana Ferrari esclarece em seu livro que a informação jornalística ganha um novo sentido dentro da web, é o “conteúdo”. O conteúdo engloba tudo que pode ser veiculado pela grande rede, textos, fotos, vídeos, som gráficos etc. Tudo na web é conteúdo. Assim, apontando para alguns estudos sobre esse “novo jornalista” e os novos currículos acadêmicos de jornalismo relativos ao novo meio, Ferrari conclui que “a capacidade de adaptação será uma característica muito valorizada nesse novo meio” (Ferrari, 2003:40), adaptação necessária para que este profissional consiga usufruir todos os recursos e formatos de “empacotamento” da informação que a web permite, ou seja, saber lidar e disponibilizar os conteúdos da melhor maneira possível para o seu público, utilizando-se de toda tecnologia e interatividade disponível, e de todos os meios, antigos e novos. Para Eugênio Bucci[111], a diversidade de informações disponíveis na grande rede não é uma ameaça à profissão do jornalista, pelo contrário, representam novas oportunidades para que os jornalistas possam exercer seu intermédio no sentido de facilitar o acesso aos diversos tipos de conteúdo que a web oferece, seja qual for a natureza destes conteúdos. Independentemente de como o jornalista deve exercer sua função tendo como pano de fundo os novos meios, Ferrari, com base na sua experiência, aponta para algumas mudanças que já vêm ocorrendo. A principal estaria no caminho que a notícia percorre até ser publicada que, na web, é muito curto. Uma reunião de pauta que antigamente demorava horas é feita em minutos; em contrapartida, o “fechamento nunca acaba” (Ferrari, 2003:56). Por ser um meio acessível 24 horas, a produção de notícias é contínua na web. Outro fato, ligado à reportagem, evidencia que o acesso às fontes e à notícia fica mais próximo ao jornalista, “raramente o repórter Web sai à rua em busca de um fato. O fato vem até ele pela própria net” (Ferrari, 2003:54). Ferrari diz que somente algumas coberturas muito específicas são feitas com a presença física do jornalista/repórter. Ela enfatiza que o “empacotamento de notícias”[112] virou padrão no jornalismo digital, e o jornalismo na web não pode se restringir a “o trabalho de produzir e colocar reportagens na Internet” (Ferrari, 2003:45), ele deve levar em conta as questões que já destacamos, o foco no usuário (narrowcasting) e a sua usabilidade. Citando outros estudos[113], Ferrari chama a atenção para a questão da autoria da notícia que, cada vez mais, se afasta do editor. Alguns chegam ao extremo de afirmar que a “hipermídia representa o fim da era da autoria individual” (em Ferrari, 2003:43). Hoje, não haveria mais espaço para a produção informativa sem a presença do internauta. Segundo Ferrari, definitivamente o narrowcasting é o caminho para a prática do jornalismo com qualidade na Internet. A preocupação em disponibilizar cada vez mais conteúdos para o internauta não está aliada às suas necessidades, afinal, nenhum deles é capaz de absorver tanta informação (como vemos em diversos portais informativos). Igualmente, a preocupação com o furo, com a necessidade de oferecer as “últimas notícias o mais rápido possível é um grande equívoco do meio” (Ferrari, 2003:49). Segundo nossa análise em relação às características do novo meio, a instantaneidade da Internet é rica porque vem adicionada das informações que complementam esta instantaneidade, não pela simples capacidade de disponibilizar informações em tempo real. Nesse sentido, Ferrari diz que “uma notícia superficial, incompleta ou descontextualizada causa péssima impressão. É sempre melhor colocá-la no ar com qualidade, ainda que dez minutos depois dos concorrentes” (Ferrari, 2003:49). As mudanças na didática jornalística diante do novo meio também compõem o foco do estudo de Mike Ward, que se apóia nos conhecimentos de jornalistas e webdesigners para analisar a prática ideal dessa habilitação no mundo digital. Ward entende que a grande dificuldade dentro do novo meio é ser ouvido. Assim traça uma série de considerações às quais os jornalistas devem atentar no sentido de não cair na maior armadilha da web: ser completamente ignorado. Os conhecimentos oriundos de webdesigners e jornalistas mostram uma das peculiaridades que surgem diante do novo meio, o aparecimento do profissional que mescla essas duas funções, o webwritter, ou webjornalista, que seria um jornalista preparado para lidar com a publicação dos conteúdos multimidiáticos da web – mas que não vai além de uma nova exigência técnica ao perfil desse antigo profissional. Os detalhes de sua obra seguem dentro desta linha, focados no novo meio de produção da notícia, e podem ser também apontados como um guia para se tirar o melhor proveito da usabilidade da Internet. Ward reafirma em seu estudo muito do que já concluímos sobre as características do novo meio, sua instantaneidade e rapidez na produção e veiculação da notícia, inclusive seguindo a mesma linha dos estudiosos que mencionamos até aqui (Pinho e Ferrari). Duas tendências que já identificamos também são destacadas como premissas básicas da Internet para Ward; o foco no usuário: “Online é um meio de comunicação diferenciado porque é controlado pelo usuário multifacetado”; e a questão do conteúdo: “Todos os elementos do meio de comunicação devem apoiar a oferta de conteúdo” (Ward, 2007:6). Além do papel do usuário, Ward reafirma a função do jornalista como um produtor de conteúdo, sendo este composto de uma variedade de categorias e preferências, como uma “igreja liberal”, que aceita tudo (Ward, 2007:6), outro aspecto que vai ao encontro daquilo que discutimos sobre a dirigibilidade e fragmentação do meio. O estudo de Ward também parte da premissa de que a web não é apenas mais um meio de disseminação de informação e conteúdo. Ele entende o novo meio dentro de um foco mais atual[114], um meio possuidor de peculiaridades que devem ser entendidas e utilizadas como um novo canal para novos conteúdos, e não apenas como um novo canal para os mesmos conteúdos. Ward enfatiza que “a aplicação dos princípios e processos jornalísticos básicos deve orientar todas as etapas de criação e apresentação do conteúdo online, desde a idéia original até a página ou site pronto” (Ward, 20077:6). Em suma, Ward chama a atenção para o fato de o verdadeiro jornalismo online ser aquele feito e pensado para ser veiculado sob a plataforma digital, levando-se em consideração tudo aquilo que refletimos a respeito até o presente momento – as características e peculiaridades do novo meio. Apesar de estarmos falando das mudanças do jornalismo resultantes dos novos suportes digitais, todos os estudiosos chamam a atenção para algo que não mudou e não deve mudar no exercício da prática jornalística: as regras do bom jornalismo. Outro detalhe que não muda, segundo estudiosos como Eugênio Bucci e Caio Túlio Costa, é a ética jornalística. Esses pontos parecem ser os únicos que obtém unanimidade quando se estuda o curso das mudanças que vêm ocorrendo nesta específica habilitação – o surgimento da web – onde nenhuma monocausalidade pode apontar com precisão onde tudo irá parar, ou mesmo se vai parar. A essa unanimidade, faz coro a professora e pesquisadora Beth Saad: “Tudo isso sem deixar de lado os valores intrínsecos do jornalismo que não têm vinculação com sua forma de distribuição, mas sim, com a postura social e ética de quem o faz, independentemente da tecnologia adotada” (Saad, 2003:65). A Internet não muda as regras para o exercício de um jornalismo ético e de qualidade, porém, devido às peculiaridades do meio e às novas formas de interação que proporciona, “há algumas exigências adicionais” (Ward, 2007:57). Essas “exigências adicionais” implicariam num amplo estudo que não cabe aqui, mas que, com certeza, merecem considerações no que tange à prática do jornalismo dentro do ambiente digital. De qualquer forma, há muitos que enxergam as novas exigências surgirem através da mudança de hábitos que acontece em paralelo às novas possibilidades conectivas da grande rede, como expõem, respectivamente, o diretor e o professor do Departamento de Comunicação da PUC/RJ Miguel Pereira e Fernando Ferreira, em artigo que analisam os desafios da ética jornalística na nova era digital: “(...) basta lembrar a extraordinária revolução que a Internet está promovendo tanto na democratização da informação como no seu controle. São poderes em disputa que certamente darão uma nova face aos costumes que vigoram, e, portanto, tendentes à mudança” (em Caldas, 2002:96). Dessa forma, não seriam também as questões éticas relacionadas à Internet, sendo esta uma plataforma mais democrática, o repensar de certos valores éticos que ficavam escondidos sob o manto dos antigos meios não tão democráticos, agora mais expostos devido ao surgimento do novo canal midiático? O despertar de uma mídia mais democrática não expõe o autoritarismo que não tanto transparecia nas demais mídias? Todas as ponderações que fizemos a respeito da crise ética no capítulo anterior ainda pairam no ar, e na rede também – a Internet acelera certos movimentos que já punham a ética em xeque. Existindo qualquer debate ético relativo à mídia tradicional, é claro que ele se estende às novas mídias, e ganha novas dimensões em função da maior amplitude informativa erguida por esses novos meios. São os relativismos das velhas e das novas mídias analisados em profundidade pelo professor Caio Túlio Costa em sua tese de doutorado (2008:320-350). Enfim, a Internet é mais democrática ou os outros meios é que não são democráticos? O canal em si pode ser mais democrático, mas ele não resolve os problemas das democracias (ou ditaduras), como vimos nas análises de Pierre Lévy e Manuel Castells (Capítulo I). Compreende-se que, antes de analisar a ética num ou noutro meio, o novo expõe as cicatrizes dos seus predecessores. Num estudo sobre novos paradigmas de produção, emissão e recepção do discurso do jornalismo frente à chegada da Internet[115], o mestre em Jornalismo Comunitário Pedro Campos (UNESP) se pergunta como ficam alguns valores diante das mudanças que vêm ocorrendo:
Vemos que entender as questões éticas relativas ao novo meio passa pelo entendimento e o questionamento de valores que perduram através dos meios mais tradicionais. Dessa forma, pode-se dizer que a Internet está também modificando certos valores éticos que antes se tinha como consumados na mesma medida em que traz novas questões para serem avaliadas.
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