Crítica do filme Histórias Mínimas

“Novo cinema argentino”. Guarde esse nome. Trata-se do movimento cultural latino-americano mais promissor da última década. E o melhor de tudo isso é que ele pode ser admirado em telas brasileiras, graças à recente parceria que garante a integração cinematográfica entre os dois países.
Em maio do ano passado, o circuito de arte paulistano exibiu um belíssimo representante dessa safra. Só que por pouco tempo. Histórias Mínimas, de Carlos Sorín, não ficou mais do que um mês em cartaz, sucumbindo à ditadura do mercado. Para desespero dos cinéfilos, até hoje o filme continua como artigo inédito nas videolocadoras e casas do ramo.

De qualquer forma, é cinema de qualidade, que consegue fugir à tendência urbana – e também muito boa - de obras portenhas recentes, como O Abraço Partido (2004), por exemplo. Assim como o inédito Buenos Aires 100 Km (2003), apresentado na 28a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, Histórias Mínimas busca a simplicidade das coisas na Argentina rural.
O caminho utilizado pelo diretor Carlos Sorín, mais conhecido pelo trabalho na publicidade, prioriza a abordagem minimalista. A opção pela bucólica Patagônia como cenário já evidencia a essência da obra. Sorín quer filmar os detalhes. Nada mais. Para ele, os grandes personagens são pessoas comuns e que levam vidas insignificantes.
Histórias Mínimas narra, portanto, episódios aparentemente banais de três protagonistas. O destino leva-os à cidade de San Julián, por motivos diferentes. Maria Flores (Javiera Bravo) vai participar de um programa de TV; Don Justo (Antonio Benedictis) sonha em reencontrar Malacara, o cachorro que ele acredita haver fugido de casa porque ter atropelado um outro cão e o haver deixado à margem da rodovia; e Roberto (Javier Lombardo), o caixeiro-viajante que quer conquistar uma viúva que conheceu por lá.
Antonio Benedictis e Javier Lombardo são os únicos atores profissionais no elenco. Talvez por isso recebam mais espaço na narrativa. Já a personagem de Javiera Bravo tem pouco destaque em função de um papel mal construído. Felizmente, a alma de Histórias Mínimas é Don Justo, 80 anos, aposentado por força da perda progressiva da visão e que vive às custas do filho. Em determinado momento do filme, este diz ao pai: “Como vai a San Julián, se nem pode ir ao banheiro sozinho?”. Mas nada parece impedi-lo de rever o cão. “Ele não está perdido, apenas foi embora”, insiste o patriarca.
O trio de protagonistas lembra bastante outro filme latino-americano. Embora tenha uma estética diferente, o uruguaio Whisky (2003), de Juan Pablo Rebella e Pablo Stoll, também discute questões como a solidão e o significado da existência humana, sem ser piegas. Em ambos a crise econômica aparece como pano de fundo nas relações interpessoais e ajuda a explicar o vazio da vida em sociedade, sentimento comum aos personagens.
Essa mesma crise econômica não se restringe somente à temática dos filmes. O cineasta Carlos Sorín, que em seu primeiro longa-metragem, La Película del Rey (1986), faturou o Leão de Prata no Festival de Veneza, rodou Histórias Mínimas com apenas 13 pessoas na produção – entre técnicos, operadores de áudio e outros integrantes. Sorín teve de se virar com uma equipe enxuta e duas câmeras portáteis. E até fez uma referência disso no filme. Repare nesta afirmação do personagem Roberto: “Em épocas como essa, quem não capacidade de improvisação desaparece”.
O cinema argentino se renova e está longe de sumir do mapa. Até porque o apoio do Instituto Nacional do Cinema e Artes Audiovisuais garante a produção por meio de uma política de financiamento direto. A principal fonte de renda vem das taxas cobradas sobre a televisão. Esta, aliás, está em todo lugar em Histórias Mínimas. Será que é outra metalinguagem intencional?
Pode-se especular, mas o certo mesmo é que o “novo cinema argentino”, ao contrário da “retomada brasileira”, está comprometido com filmes de qualidade, quase sempre destaques nos festivais internacionais, mas fracassos de público no mercado interno. Histórias Mínimas, por exemplo, venceu o Goya (equivalente ao Oscar da Espanha) de melhor filme estrangeiro e outros tantos prêmios, mas naufragou nas bilheterias argentinas. Mesmo assim, integra um movimento que já está fazendo história e vai ficar eternizado. (Júlio Frascino)

Histórias Mínimas
Argentina, 2002
Direção: Carlos Sorín
Elenco: Antonio Benedictis, Javier Lombardo, Javiera Bravo