A vida por um fio
Rapaz de classe média alta tem a vida alterada quando sofre
um seqüestro aos 17 anos, ficando em cativeiro por uma semana.
Depois do fato, ele passou a dar mais valor às pequenas coisas
do cotidiano
* Renata Magalhães
Todos os dias da semana, a rotina de Sérgio Borelli era a mesma.
Acordar às seis horas da manhã, vestir uma roupa básica
como calça jeans e uma camiseta, calçar o tênis
Nike, lavar o rosto, tomar café correndo, pois morava no Alto
de Pinheiros, bairro paulistano de classe média alta, e precisava
se deslocar para o Colégio Objetivo da Av. Paulista. Estatura
média, olhos verdes e cabelos castanhos claros, o rapaz de 17
anos morava com os pais, representante comercial e a mãe dona
de casa, e uma irmã de 23 anos.
Normalmente sua mãe o deixava na estação Vila Madalena,
de onde ele pegava o metrô para a Paulista. Sérgio, hoje
com 21 anos de idade, muito tranqüilo no momento e com um cigarro
na mão e um copo de água ao lado na mesa, conta que adorava
ir a escola, tinha muitos amigos, os professores eram legais e ele era
considerado o popular do colégio. Muito brincalhão e querido
por todos, Sérgio sempre agitava algum encontro, promovia festas
entre o pessoal.
A aula começava normalmente às 7h da manhã e terminava
às 12h. Depois desse período, Borelli estava livre para
praticar esportes, inclusive o seu predileto – tênis. Com
muito orgulho, o rapaz diz que seu melhor parceiro para jogar o esporte
é o seu próprio pai. Gostava também de ler livros,
ficar na internet pesquisando assuntos diversos, fazendo trabalho do
colégio, batendo papo no programa MSN, fazendo cursos de inglês
e espanhol, entre outras atividades.
Tinha a tarde e a noite inteira livre para se dedicar e até mesmo
descansar. “Foi uma fase ótima da minha vida”.
Quieto e constrangido pela primeira vez, Borelli acende um cigarro e
começa a brincar com sua cachorrinha Duda para se acalmar. Lá
fora, a tarde está ensolarada, ventos fortes fazem as janelas
baterem uma nas outras, buzinas de carro temperam a conversa longa que
tínhamos pela frente.
Lembranças de um seqüestro
No dia anterior ao seqüestro, Borelli foi a uma festa de aniversário
de 18 anos de Pedro, um dos seus melhores amigos do Colégio Objetivo.
Localizada na Vila Olímpia, a discoteca Clube K abrigava mais
de 500 pessoas de diferentes tribos. “Era uma casa descontraída,
moderna, lustres enormes no teto e portas de aço”.
A matinê acabou aproximadamente às 23h e Borelli foi direto
para casa, pois no dia seguinte acordaria cedo. “Parece que pressentia
que algo iria acontecer, pois não consegui dormir direito nessa
noite”.
No dia seguinte, acordou atrasado, às 6h30. Nem deu tempo de
tomar o café. Como sempre, sua mãe o deixa no metrô,
ele compra o bilhete e, mais ou menos 2 minutos depois, um homem alto
e moreno, vestido com calça social e camiseta azul, puxa papo,
pedindo-lhe que o acompanhasse do outro lado da estação.
“ Não tenho dinheiro, não tenho nada”, adianta
Borelli. Irritado com seu jeito nervoso, o homem levanta a camisa e
mostra a arma que estava dentro da calça. Foi aí que o
homem disse: “Vem comigo e cala a boca, Sérgio Borelli”.
Já estava tudo armado. “Quando ele me chamou pelo o nome,
comecei a tremer, percebendo que a situação era mais grave
do que eu tinha imaginado”.
Ao sair do metrô, Borelli e o seqüestrador entram no banco
traseiro de um carro Gol, de cor prata, com placa de São José
dos Campos. No automóvel, havia mais três rapazes. “Todos
de cabeça baixa e com caras de bravos. Passaram se mais ou menos
uns 5 minutos e logo os seqüestradores pararam o carro e mandaram
o menino para o porta-malas. Andam uma hora e meia e param em um lugar
que parecia um estacionamento de prédio, pelo que Borelli consegue
ver pela fresta do porta-malas. Lá eles conversaram com alguém
e depois saem com o carro de novo. “Andamos por mais uma hora
e meia ou duas horas até chegar no cativeiro.”
Cativeiro na periferia paulista
Ao chegar, o local que era bem simples: uma pequena casa de madeira
de mais ou menos 10m x 5m, com dois quartos, uma cozinha e um banheiro.
Em volta do local, havia somente mato. Na casa estavam mais três
homens altos, negros e aparentemente com uns 20 a 25 anos de idade --
ao todo eram seis seqüestradores, todos armados. Borelli é
levado para um quarto escuro, com duas janelas, havia um pequeno som,
um sofá, uma carga roubada e uma micro geladeira, com algumas
bebidas, coca-cola, cervejas e águas.
“Quando fui trancado, comecei a chorar. Achava que tudo que estava
acontecendo fosse uma brincadeira de mal gosto” diz.
O garoto permanece no quarto por aproximadamente 2 horas e os seqüestradores
no quarto ao lado, conversando e assistindo televisão. Enfim,
um dos seqüestradores chama-o e todos vão jantar. A comida
do primeiro dia é caseira: arroz, feijão, ovo e batatas:
“Estava gostosa, apesar de ter perdido a fome” relembra.
Na mesa, as perguntas à Borelli, eram muitas e no final do jantar,
Roberto, um dos seqüestradores, pede para o menino ligar para o
pai, avisando o que estava acontecendo.
“Liguei para a minha família logo em seguida. Meu pai atende.
Comecei a chorar, não agüentei ouvir a voz dele pelo telefone.
Tentei me controlar e ao mesmo tempo passar para eles que eu estava
bem”, diz, emocionado.
Após o jantar, os seqüestradores continuam fazendo perguntas
sobre sua vida, em seguida foram jogar buraco, tranca, truco. Com o
passar das horas, o garoto fica mais a vontade com os homens e até
aceita o convite para jogar buraco. “Depois desses jogos, já
estava me acostumando a lidar com os caras”, disse Borelli. Era
tarde da noite quando acabaram de jogar. Borelli, que não parava
de fumar, vai dormir. No dia seguinte, levanta cedo e a pequena casa
está em silêncio. Passava-se o tempo e ninguém aparece
no quarto. A fome ia apertando. Borelli resolve gritar. “Alguém
está aí”?. Zé abre a porta e leva-o para
comer alguma coisa. Com muito medo, Borelli come rápido. Logo
após, o seqüestrador o leva para o quarto e pergunta-lhe:
“Você tem alguma marca de nascença no corpo?”.
Ele diz que sim: uma mancha preta na perna direita. O homem muda de
assunto. “Tremi e chorei muito no quarto, fiquei encucado com
essa pergunta. Ele era o único que não me tratava bem.
Quanto aos outros, não posso reclamar, me trataram muito bem
o tempo todo. Tudo que eu pedia eles davam um jeito de trazer, principalmente
cigarro.”
Passavam-se os dias, que pareceram uma eternidade. A rotina, o cansaço,
o medo, a solidão iam tomando conta do rapaz. A comida era mudada
dia após dia. Pizzas, doces, chicletes, sorvetes, croissant,
salgadinhos. “O cativeiro em que eu estava servia também
de depósito de cargas roubadas e um dia antes eles tinham roubado
um caminhão de doces, chicletes, salgadinhos e afins. Eu podia
comer qualquer coisa que estava lá, mas não tinha fome.
Tinha que me forçar a comer porque sabia que seria pior se ficasse
de barriga vazia.”, relembra.
Seis dias se passaram e os seqüestradores exigiram mais uma ligação
para os familiares de Borelli. A saudade apertava cada dia mais, mas
não havia o que fazer, era preciso esperar as negociações
com a família, que não avisou a polícia e vendeu
algumas propriedades para levantar o montante. “Me senti muito
sozinho lá no cativeiro” diz Borelli. Depois de muita conversa,
telefonemas e jogos, Roberto chegou com uma notícia boa: Borelli
seria libertado na manhã seguinte. Muito contente, mais ainda
com dúvidas, permaneceu contando os minutos para que o pesadelo
acabasse. O último jantar estava na mesa. Macarrão, carne
e refrigerantes.
Os seqüestradores estavam felizes, pois para eles era mais uma
ação bem sucedida. Aquela noite demora para passar, angústia
e tensão atormentavam o rapaz. “ Fiquei muito ansioso com
a minha libertação, queria gritar ao mesmo tempo queria
chorar, queria minha família e sabia que faltava pouco, mas tinha
que esperar...”, conta, emocionado.
Logo que amanhece, os seqüestradores arrumam a casa para não
deixar nenhuma pista do seqüestro e seguem para a rodovia Imigrantes,
onde o liberam num local ermo, atrás de um Mc Donald´s.
Após a libertação, uma semana depois de ter sido
seqüestrado, Borelli, liga para sua casa. Muito emocionado, não
conseguia falar com seu pai, que já havia pago o resgate. Depois
de 1 hora sentado no banquinho da lanchonete, sua família chega.
Todos desesperados, chorando e muito felizes pois nada havia acontecido
com o rapaz. A emoção era grande em ambas as partes.
“A sensação era inexplicável, ainda mais
quando vi meus pais. Fiquei muito feliz”. A viagem de volta para
casa foi tranqüila. Borelli conta tudo que aconteceu desde do metrô
até as ultimas horas no cativeiro. Chegando em casa, muito assustado
com tudo que tinha acontecido, seu pai contou como que foi a entrega
do dinheiro para a libertação. Um dia antes, eles se encontraram
perto da Raposo Tavares, num beco sem saída, numa casa aparentemente
humilde.
“Fiquei com muito medo de entregar o dinheiro, mas tinha que fazer
isso rápido, não estava agüentando mais essa tortura
que eu e minha família estávamos passando”, disse
o pai ao garoto. Logo que a tranqüilidade tomara conta dos corações
da família, foram almoçar um belo almoço numa churrascaria,
Borelli toma um banho e vai descansar. Vira para um lado e para o outro
e a lembrança vem à tona. Nos primeiros dias, não
tem coragem de sair de casa. Não receberá visitas por
uns tempos, somente telefonemas. O trauma é grande, mas aos poucos
melhora.
“Foi muito difícil o começo. Não queria ir
à escola, pois lá teria que contar o que eu passei e é
muito ruim ficar recordando um pesadelo”. Começara a ir
às aulas do colégio, mas não mais de metrô.
Sua mãe o deixa na porta do Objetivo e o pegava na volta. As
baladas, agitações, encontros ficam para trás.
Ele amadurece, começando a dar mais valor às pequenas
coisas da vida. Mais calmo agora, não briga tanto com o pai por
futilidades, e também se dá melhor com a irmã.
“Tive que contar meus dias de sofrimento enjaulado naquele cativeiro,
mas era um desabafo para mim”, disse Borelli. Depois de quatro
anos, sua vida mudou. Hoje cursa a habilitação de Rádio
e TV na UniFIAMFAAM e estagia no Canal 50, que pertence ao cantor Netinho
de Paula. Trabalha como produtor de programa e faz diversas funções,
como elaborar pautas, entrevistar convidados, escrever e editar matérias.
É a carreira que sempre quis. “Foi uma grande oportunidade
que surgiu na minha vida, está sendo um aprendizado muito importante
para mim. Tenho certeza que no futuro irei colher muitos frutos pelo
esforço que estou fazendo”. O seu maior sonho é
trabalhar com cinema.
* Renata Magalhães, 21 (remagalhães@hotmail.com)
é estudante da FIAMFAAM e quer trabalhar em produção
de televisão.
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