Ele ainda é super
O ex-jogador de futebol Zé Maria representa o touro não
apenas no calendário do Zodíaco, mas também em
campo. Com garra e persistência, conquistou reconhecimento e fez
sua estrela brilhar.
Em uma casa simples porém ampla, escondida numa rua sem saída
na zona norte de São Paulo, mora um herói. Numa manhã
de domingo frio de outono, chegamos atrasadas para a entrevista, mas
ele não estava. Sua filha mais nova, Elizabeth, logo disse:
- Ele foi até a loteria, mas já volta. Aliás, a
fezinha é sagrada. A rotina de domingo do meu pai começa
bem cedo com a missa das sete. Depois ele volta, mexe na horta e vai
fazer seu joguinho.
Estamos falando de José Maria Rodrigues Alves, o Zé Maria,
lendário ex-jogador de futebol do Corinthians, onde jogou por
13 anos (de 1970 a 1983) e passou a ser chamado de Super Zé.
Conhecido por sua força física, garra e decisão,
o lateral-direito jogou também pela seleção brasileira
e conquistou, entre outras coisas, o tricampeonato mundial.
Já no hall de entrada da casa deparamos com uma estante cheia
de troféus, medalhas e homenagens. Na sala de jantar, a cristaleira
também está repleta de bolas de futebol douradas, prateadas
e outras condecorações (inclusive uma réplica da
taça Jules Rimet que foi entregue a cada um dos jogadores pela
conquista da Copa de 1970). Na verdade, são tantos prêmios
que tem troféu até segurando a porta da sala de estar.
De repente, ele chega de tênis, calça jeans, blusão
de lã, boné e um largo sorriso no rosto. No decorrer da
conversa, presenciada sempre por Bethinha, 23 anos, sua filha e fã
número um, Zé Maria se mostrou um corinthiano roxo, pai
encantado e marido apaixonado. Uma pessoa de paz, de família
e coração humilde. Ele acredita na sorte e acha que foi
ela a grande responsável pelas oportunidades que surgiram em
sua vida. Mas as verdadeiras causas de todo o sucesso foram as maravilhas
que ele fez com a bola no pé.
Começo no interior
Botucatu foi a terra onde tudo começou. Segundo filho de Maura
dos Santos Alves e Durvalino Rodrigues Alves, Zé Maria nasceu
em uma fazenda chamada Lageado, na cidade do interior paulista, no dia
18 de maio de 1949.
Ele e seus cinco irmãos – Gilberto Geraldo (o mais velho),
João Margarido, Modesto de Jesus, Marco Antônio e Moisés
– aprenderam cedo a ter gosto pela bola. Tudo porque seu pai,
o Tunga, além de trabalhar na fazenda, na administração
da cooperativa da Estação Experimental do Café,
era também jogador de futebol em um time de Limeira (SP), cidade
em que nascera.
A influência do pai contagiou não só Zé Maria,
mas também seus irmãos, que se tornaram profissionais.
Tuta (João Margarido) jogou 14 anos na Ponte Preta; Gil (Gilberto
Geraldo) na Portuguesa, no São Bento de Sorocaba e em Rio Preto;
e Marco Antônio, no Paissandu do Belém do Pará.
Na fazenda, os meninos brincavam no campo, no meio dos adultos. Apesar
do futebol tomar quase todo o seu tempo, Zé Maria sempre estudou.
Fez primário, entrou para a escola técnica industrial
e formou-se torneiro mecânico. Quando ficou mais velho, chegou
a fazer Administração em São Paulo, mas parou o
curso, justamente por causa do esporte.
Com 12 anos, começou a levar a brincadeira a sério. Passou
a participar de jogos na categoria infantil e juvenil da fazenda. Nessa
época, caminhava sete quilômetros para treinar todos os
dias, só depois o pai comprou uma bicicleta. Com 13 anos foi
para a cidade disputar um campeonato infantil.
Foi quando, com 14 anos, Ivan Iais, jogador da Ferroviária de
Botucatu, dois anos mais velho do que Zé, o viu jogar e o convidou
para um teste no time. O menino aceitou, foi participar de um treinamento
na categoria infantil e, em 1964, entrou para o clube. Rapidamente,
começou a fazer carreira e foi evoluindo nas categorias. Primeiro,
como juvenil, depois, amador e, logo, como semiprofissional. Ganhou
todos os campeonatos.
Em 1966, já na primeira divisão do futebol, Zé
Maria, com apenas 16 anos, disputou o seu primeiro campeonato como profissional
pelo Ferroviária de Botucatu. Na ocasião, as emissoras
de televisão transmitiam os jogos. No final de uma partida que
estava sendo televisionada pela TV Tupi, em Barretos (SP), o comentarista
elogiou a atuação de Zé Maria e, segundo ele mesmo
diz, “a sua estrela brilhou rapidinho”. O destino do atleta
estava traçado. Depois desse campeonato foi sondado por equipes
da capital como o Corinthians, Palmeiras e Portuguesa.
Olheiros foram assistir a seus jogos e comunicaram o time da Lusa:
- Olha, tem um neguinho no Ferroviária que é pequenininho,
mas muito esperto e joga bem.
E bastou para que, no final do ano de 1966, Zé Maria fosse emprestado
para o time da Portuguesa. Sua vida deu uma verdadeira guinada a partir
de então. Saiu da fazenda em que nascera e, com 17 anos, foi
morar de vez na capital. A princípio, veio acompanhado do pai.
Depois ficou morando sozinho nas dependências clube.
O impacto de chegar a uma cidade grande como São Paulo foi enorme
para o menino nascido e criado no interior. Zé Maria conta que
chegou à Estação da Luz e ficou deslumbrado com
aquele monte de prédios e arranha-céus que nunca havia
visto.
A vida no clube era dura. Ele quase não saía porque tinha
medo. Para ele, São Paulo era mesmo muito grande e podia ser
perigosa. Seu Tunga viajava todo o final de semana ao encontro do filho
na cidade. Ou era Zé quem ia para Botucatu. Chegava a pegar o
trem no domingo à noite, depois do jogo, e voltava na segunda-feira
de manhã para treinar.
Aliás, o pai sempre o acompanhou com marcação cerrada
até às vésperas de seu falecimento, em 1973. Tanto
que, do começo até o auge da carreira, foi Seu Durvalino
quem recebeu os salários e administrou o dinheiro e os negócios
do filho, como um verdadeiro empresário. O primeiro carro, a
primeira casa, tudo foi o pai quem comprou. Inclusive a casa em que
mora hoje, comprada há 34 anos, após a conquista da Copa
de 70.
Seu Tunga se preocupava com os seis filhos. Zé Maria, no entanto,
estava mais próximo – os outros foram jogar no interior
– e estava no auge. Dessa forma, os cuidados do pai zeloso recaíram
sobre o filho que, em sua opinião, mais precisava de sua ajuda.
Zé Maria tem um brilho todo especial nos olhos quando fala de
seu pai, por quem diz ter um grande respeito, pois foi ele quem deu
o alicerce para que os filhos pudessem guardar e construir alguma coisa.
Três meses após ter sido emprestado do Ferroviária
de Botucatu, já em 1967, a Portuguesa, contratou Zé Maria
por 30 mil cruzeiros e deu um apartamento próximo ao clube, no
Canindé, para que ele e mais três jogadores do time morassem
juntos. Em poucos meses seu Tunga conseguiu transferência no trabalho
para a capital, comprou uma casa em Guarulhos e trouxe toda a família
para morar na metrópole.
O jovem craque foi se adaptando à nova vida e vivendo experiências
nunca antes imaginadas. Com esse time fez sua primeira viagem internacional,
para o Chile. Na disputa pelo primeiro campeonato vestindo a camisa
da Lusa, em 1967, o atleta de Botucatu, mais uma vez – como ele
mesmo gosta de definir – deu sorte. Muita sorte. Por causa de
seu ótimo desempenho, com apenas 18 anos, fora convocado para
jogar um amistoso pela Seleção Brasileira: a maior meta
de um futebolista profissional. Os jogos seriam realizados no Paraguai,
Uruguai e Chile.
A grande surpresa, contudo, ainda estava por vir. Em uma sexta-feira
de 1968, a caminho do estádio do Pacaembu para a concentração
do time da Lusa, ele e Marinho – seu colega de time e de apartamento
– estavam no carro ouvindo o rádio. A seleção
oficial seria anunciada em poucos instantes. Zé Maria e seu amigo
ouviam com atenção, mas sem nenhuma expectativa de que
seriam chamados. O locutor diz a escalação e, para espanto
de ambos, os dois foram convocados.
– Me deu um negócio. O Marinho parou o carro e tremeu.
Ficou paralisado. Eu então, nem se fala. Não conseguia
acreditar. E ele disse “Zé, nós fomos convocados.
E agora?”. Aí eu disse “Você tá louco”.
Apesar da alegria, o peso de representar o Brasil oficialmente não
lhe saía da cabeça. Ele se deu conta de que no time só
estariam jogadores de grandes nomes, como o capitão Carlos Alberto
Torres, Pelé, Brito, Rivelino, Paulo Borges, entre outros, e
que teria uma grande responsabilidade pela frente. A excursão
foi para a Europa e lá, Zé Maria jogou alguns amistosos.
Em 1969 participou das eliminatórias para a Copa de 70.
O aprendizado foi enorme. O convívio com os jogadores mais experientes
ensinou muitas lições ao jovem atleta, já que eles
traziam uma bagagem muito grande em vitórias, derrotas (inclusive
a sofrida derrota da Copa de 66, na Inglaterra), pressão do torcedor
e cobranças da imprensa. Havia um clima de entrosamento e conscientização
entre os jogadores. Zé Maria percebeu que aquela seleção
estava determinada a buscar a vitória.
– Eles eram nossos exemplos. Essa primeira convocação
me deu condições para ser um profissional consciente.
Vendo a humildade e disciplina dos mais velhos, aprendi que existiam
limites que não podíamos ultrapassar.
Durante a Copa de 1970, no México, Zé Maria foi um reserva
de luxo, que representava o capitão e grande lateral-direito
Carlos Alberto Torres. Não chegou a jogar em campo, mas fez parte
do time que foi eleito, em 2000, pela FIFA, como a seleção
do século XX.
Após vencer o tricampeonato mundial, comprou a casa em que mora
até hoje, em Santana, para viver com toda a família e
ganhou um Fusca zerinho do governo. (Aliás, tem um Fusca na garagem
que é uma das paixões de Zé Maria e ele jura que
é o de 70, mas, segundo Bethinha, o verdadeiro prêmio foi
capotado ainda novinho, por Tuta, irmão de Zé).
A trajetória do lateral-direito na seleção não
parou por aí. Em 1972, jogou a Copa Independência. Em 1973,
fez mais jogos na Europa e, finalmente, em 1974, disputou sua primeira
Copa do Mundo como titular, na Alemanha. Chegou a disputar as eliminatórias,
em 1977, para a Copa de 78. Foi escalado para a seleção
oficial, mas a sorte –aliada em tantos momentos – dessa
vez lhe pregou uma peça. Em 1978, uma semana antes de embarcar
com o time brasileiro para a Argentina, onde ocorreria a Copa, o jogador
sofreu uma lesão no joelho e teve de ser operado. Acabou eliminado
da seleção canarinho.
Apesar de a seleção ter sido um passo importantíssimo
em sua carreira, ninguém discute que foi no Corinthians onde
viveu seus grandes momentos. Em 1970, após quatro anos na Portuguesa,
foi sondado pelo Timão e resolveu aceitar a proposta do seu clube
de coração. Porém sua saída da Lusa não
foi tão fácil quanto pensava e houve uma grande briga
para conseguir a transferência de time. A confusão levou
o caso à Justiça, que usou da Lei de Passe para beneficiar
o jogador – segundo caso desse tipo ocorrido no Brasil e primeiro
em São Paulo. Quando começou no Corinthians, ainda em
70, foi uma realização total, não só dele,
mas também de seu pai, corinthiano roxo. Seu Tunga era capaz
de perder os jogos da Portuguesa – onde tinha dois filhos jogando
(Gil também fazia parte do time) – para assistir um amistoso
ou mesmo um amador do Timão.
Entrou em um período difícil, quando o time não
ganhava há 17 anos. Todos os anos o clube contratava grandes
jogadores, mas não vencia. Zé Maria, porém, jogava
sempre com muita garra. Capitão do time em muitas oportunidades,
sua força física permitia que ele, além de dominar
os pontas adversários, avançasse sempre com decisão
para levar o time ao ataque. Foi quando ganhou o apelido de Super Zé.
Amargou, no entanto, anos de desilusões. Em 1974 sofreu uma das
mais terríveis derrotas para o Palmeiras. Na ocasião,
conta que ficou um mês sem sair de casa por vergonha. As coisas
começaram a melhorar em 1976, quando o time alvinegro chegou
até à final do Campeonato Brasileiro (contra o Internacional/RS).
Zé Maria relembra com emoção a partida em que os
torcedores corinthianos invadiram o Maracanã e lotaram o estádio
como nunca se viu antes, na semifinal contra o Fluminense. O Timão
venceu o jogo. O desejo de vitória e o apoio da torcida era o
que o time precisava para se reerguer.
Em 1977 foi o ano da consagração. Após 24 anos
sem vencer o campeonato paulista, o Corinthians conquistou o título.
Zé Maria era o capitão e o ciclo de conquistas da temporada
foi a grande glória de sua carreira.
– O marco maior da minha carreira foi em 77. Para mim, em termos
de torcida, de expectativa, de entusiasmo, essa conquista foi mais importante
do que a Copa de 70 e todas as outras Copas em que fui convocado. Quando
me vê, o torcedor não fala em Copa do Mundo e sim “Obrigado
por 77”. Depois, nós ganhamos o Paulista em 79, 82 e 83.
Mas o que fica na memória da torcida é, sem dúvida,
o título de 77.
Foram 13 anos defendendo a camisa do Corinthians. Sete muito sofridos.
Chegou até a ser técnico em uma temporada, na época
da chamada Democracia Corinthiana – movimento inédito promovido
pelos jogadores, que passaram a participar das decisões do clube.
Deixou o time alvinegro em 1983 e foi para os Estados Unidos jogar showball.
Seu contrato inicial no exterior era de três anos. [Nessa época
já tinha três filhos e estava no segundo casamento. Levou
para os EUA a mulher e a filha mais nova, Bethinha] Porém, após
nove meses, a saudade da família ficou insuportável e
ele resolveu voltar.
Em uma promessa ao pai, disse que terminaria sua carreira em Limeira,
onde seu Tunga nasceu e jogou. Dito e feito. Assim que retornou ao Brasil,
jogou pelo Internacional de Limeira por três meses. E finalmente
pendurou as chuteiras. Estava com 35 anos.
No que diz respeito à vida pessoal, Zé Maria se mostra
bastante reservado. Fala pouco. Fica tímido. Não entra
em detalhes de jeito nenhum. Assume uma postura bem diferente de quando
conta sua trajetória e conquistas profissionais. Diz que aproveitou
bastante a vida enquanto era solteiro e que se casou aos 29 anos com
Silmara, com quem namorou durante sete. O casamento, no entanto, acabou
em apenas um ano e meio. Segundo ele, a esposa não agüentou.
Na época, estava no auge da carreira e dificilmente parava em
casa, envolvido em treinos, concentrações e jogos. Da
união, nasceu sua primeira filha, Juliana, hoje, com 25 anos.
Sua relação com Juliana é distante, eles não
têm muita afinidade e conversam muito pouco. Silmara assumiu sua
criação e Zé Maria não se sente culpado
por não ter participado mais ativamente de seu crescimento. Fruto
de uma relação fora do casamento ocorrida em uma das viagens
profissionais, o segundo filho, Fernando, está com 24 anos. Desse
caso, Zé prefere desconversar. Diz apenas que o filho é
muito próximo, que apesar de não jogar bola, gosta muito
de futebol e que vê o pai como um grande ídolo e grande
amigo.
Ainda tímido, porém, com um ar de conquistador apaixonado,
o craque começa a contar sobre Regina, sua mulher há 23
anos.
– Nos cumprimentamos pela primeira vez em uma saída de
jogo. Ela era torcedora de carteirinha do Corinthians, fazia parte da
torcida organizada e viajava para assistir aos jogos. Talvez ela fosse
minha fã, me admirasse pela postura, ou forma de jogar. Quando
voltávamos de um jogo em Jaú, o ônibus da torcida
em que ela estava acabou cruzando o nosso ônibus em um posto.
Ela me deu seu telefone e pediu para que eu ligasse. Assim que cheguei
em São Paulo, liguei. Ela disse que estava me esperando. Eu a
procurei e começamos a namorar. Eu já estava separado
mesmo.
Zé Maria levou Regina para viver com ele [ela já tinha
uma filha de um casamento anterior, Daniella, hoje com 31 anos]. Em
1982 nasceu a única filha do casal, Elizabeth – a Bethinha
– atualmente, com 23 anos.Ao falar de Bethinha, a expressão
do pai se transfigura. Ele abre um largo sorriso, seus olhos brilham
e uma mistura de carinho e orgulho é visível em seu rosto.
É a filha a quem ele chama de princesa e xodó. Explica
que o afeto por sua filha mais nova é muito grande porque, desde
pequena, os dois convivem muito próximos e também porque
ela é bastante parecida com ele, de jeito e físico.
Elizabeth é jornalista e também guarda um carinho todo
especial pelo pai e, mesmo tendo nascido na época em que o Super
Zé terminou a carreira de jogador, se declara sua maior fã.
A propósito, ela é bastante ciumenta em relação
a ele. Apaixonada pelo Corinthians, como não poderia deixar de
ser, Beth fez em seu trabalho de conclusão de curso, na faculdade,
um programa de rádio sobre o time do coração.
– Não me importava com o que os professores, nem a banca
iam achar. Fiz esse trabalho para o meu pai. Quando ele ouviu, gostou
e até chorou, para mim bastava. Podia tirar zero que já
estava realizada.
O atleta assegura que não é tão rígido com
seus filhos, quanto seus pais foram com ele e os irmãos.
–Tinha vezes em que a gente [os jogadores] saía para uma
festa e não voltava pra casa. No dia seguinte, meu pai estava
na porta do clube às 7h30 pra saber o que tinha acontecido. Quando
ficamos adultos, meu pai não nos cobrava, mas tínhamos
que dar satisfação. Eu tive essa criação.
Tinha que avisar em casa, para onde ia, se não ia voltar. Minha
formação foi muito dura. Eu apanhei muito até os
13, 14 anos. Meu pai tinha uma linha duríssima, de às
vezes a gente não saber como voltar para casa porque sabia que
ia apanhar. Se a gente saísse para jogar e não voltasse
no horário, chegava em casa e tomava uns cascudos. Tinha até
uma cintinha atrás da porta. Foi uma responsabilidade imposta.
Mas eu aprendi e agradeço. Acho que valeu muito. Eu pauto a minha
vida em cima dessa responsabilidade, mas acho que os tempos são
outros. No começo era um pouco linha dura com meus filhos, mas
sempre preferi deixar essa responsabilidade para a mãe, porque
eu tinha de sair pra trabalhar. Acho que eles têm de aprender
a ter responsabilidade e, quanto a isso, eu não posso reclamar.
Eu cobrava muito deles, antes da maturidade. Hoje eles são maiores,
donos de si. Aprendi a não me intrometer.
Um pouco antes de encerrar a carreira, foi convidado por alguns amigos
políticos a ajudar na campanha de um partido. Em 1982 foi filiado
ao PP, que depois se uniu ao PMDB. Acabou sendo eleito vereador pela
cidade de São Paulo, nesse mesmo ano, com quase 35 mil votos.
A eleição foi contrária à sua vontade, pois
achava que a vida política nada tinha a ver com a de esportista.
Porém, foi encorajado a encarar o desafio por políticos
como Paulo Egídio Martins (ex-governador de São Paulo),
Olavo Setúbal (ex-prefeito de São Paulo), Caio Pompeu
de Toledo (ex-secretário de Esporte e Turismo do Estado de São
Paulo) e o jornalista Flávio Adauto.
Zé Maria conta que não gostava de ficar na câmara
e, sim, de ir para as ruas ver os problemas de perto, ir às associações
de bairro. Diz que fez um trabalho “muito mais de rua do que de
tribuna”. Com o tempo foi “aprendendo a malandragem”.
– Eu sempre fui um cara do trabalho. Nunca fui de muita conversa.
Eu gosto da coisa prática. Não consigo ficar atrás
de uma mesa. Burocracia não é comigo.
Teve alguns projetos aprovados, como nome de ruas, colocação
de asfalto, ajuda às associações de bairro, entre
outros. Mas aprendeu que nem sempre é possível realizar
o que se promete. Diz que ainda tem seus contatos, mas garante que política:
nunca mais. Hoje o ex-lateral direito realiza outro trabalho social.
É supervisor de esportes e comanda a Casa do Atleta nas Unidades
da Febem Tatuapé. O núcleo não se limita apenas
ao futebol. Quem consegue uma vaga – existe uma avaliação
da gravidade da infração cometida e do comportamento durante
a pena – pratica também futsal, vôlei, atletismo
e boxe, em atividades diárias.
Zé Maria afirma que realiza uma tarefa pedagógica, com
o objetivo de trazer os menores infratores de volta à sociedade
por meio do esporte. Faz questão de dizer que trabalha em equipe,
juntamente com outro ex-jogador, Rodrigues (Antônio Rodrigues
Barreto), que vestiu a camisa do Corinthians (72), do Remo (73 a 76)
e do Santos (76).
A princípio, foi convidado para uma entrega de troféus
em 1998 e começou a ter contato com a Casa. Em 1999 o chamaram
para trabalhar lá dentro. Na época, coordenava as escolinhas
de futebol da Prefeitura e acumulou os cargos. Até que veio a
contratação definitiva e teve de fazer a opção.
Escolheu trabalhar com os meninos da Febem.
– Encarei esse trabalho como uma verdadeira missão. Muitos
amigos me chamaram de louco. Mas é aí que eu faço
o convite para que conheçam o meu trabalho.
Cinco jovens já conseguiram sair de lá e se profissionalizar.
Para o eterno Super Zé, isso é uma grande realização,
porque apesar do percentual de reintegrados à sociedade ser pequeno,
ele sabe que conseguiu tirar pelo menos um adolescente do crime e, o
que é melhor, por meio do esporte.
O craque, no entanto, faz uma revelação: hoje, se pudesse
voltar atrás, não sairia de seu trabalho com as escolas
da Secretaria Municipal. Tudo porque a criminalidade está tomando
conta e seu trabalho torna-se cada dia mais difícil. Porém,
não consegue deixar sua missão de lado.
– Estou protelando minha aposentadoria porque vejo a possibilidade
de alguns dos meninos também terem a sorte de jogar em algum
clube. É isso que faz com que eu continue. Se eu sair, talvez
esses jovens não consigam alcançar um espaço na
sociedade.
Zé Maria conta que já esteve presente em rebeliões
e que, antes, os adolescentes se revoltavam para reivindicar algo ou
fugir. Agora a coisa está mais complicada. Eles não sabem
nem por que estão brigando e, o pior, estão agredindo
os funcionários. Contudo, o treinador durão afirma que
nunca teve problema com internos. Eles o respeitam. Talvez por ser ex-jogador
e a família dos garotos contar as glórias do Super Zé.
– Em 1999, assim que entrei, teve uma rebelião das mais
violentas. No dia, estávamos fazendo um torneio de futsal e conseguimos
conter os meninos jogando bola o tempo inteiro. O pau comendo lá
fora, tropa invadindo, fogo, mas nosso campeonato continuou. Foram três
dias de rebelião e passamos todo o tempo fazendo atividades.
Muitos meninos diziam que não queriam participar da rebelião.
Além das atividades na Febem, o ex-lateral direito continua exercendo
a sua maior paixão: jogar futebol. Em seleções
de Másteres (ex-jogadores) joga de três a quatro vezes
por mês, geralmente, em eventos e festividades, como o aniversário
de alguma cidade. Ele afirma que são apenas jogos de exibição,
sem preparação, com jogadores da mesma faixa etária.
Para manter o fôlego, continua fazendo atividades. O atleta costuma
correr com os adolescentes nos treinamentos e apitar os jogos.
Em sua casa, Zé Maria mostra-se sereno. Mora com a esposa, a
filha Beth, o irmão Modesto e dois cachorros. Pretende jogar
bola “até quando estiver velhinho e puder dar uma corridinha”.
Agora que seus filhos estão crescidos e formados, quer se aposentar
para dar mais atenção à esposa, para “passear
um pouco com a minha velhinha” [“Velhinha?! Deixa a mãe
escutar isso”, disse Bethinha em tom de reprovação].
Sente vontade de viajar e descansar. Quer ter mais tempo para ir à
praia, já que tem apartamento no Guarujá (SP).
Quando fala de seus hobbies, o jogador se considera um homem do interior,
que gosta de coisas simples como mexer na terra. Em casa, tem sua própria
horta, que cuida com muito apreço. Aliás, segundo a filha,
ninguém pode colher nada antes dele.
– Quando meu tio Modesto inventa de pegar mexerica e alface antes
dele. Pronto. Meu pai vira uma fera – revela Elizabeth.
A valentia do ex-lateral direito esteve presente em todos os momentos
de sua vida.
De sorriso e olhar francos, Zé Maria é, hoje, um grande
exemplo de determinação. Mostrou que não desiste
fácil de nenhuma luta. Que persiste até conseguir. Prova
de que a sorte brilhou, sim, para o seu lado, mas que humildade, garra,
honestidade, talento e vontade de vencer são a combinação
perfeita para uma vida de glórias.
* Perfil realizado pelas seguintes alunas do período noturno
da disciplina de Jornalismo Literário ministrada no campus Morumbi
no primeiro semestre de 2005:
• Nascida na cidade de São Paulo no Dia Internacional
da Mulher de 1985, Alline Dauroiz fez parte da turma de formandos
do colégio Visconde de Porto Seguro em 2001. Desde os nove
anos fez curso de teatro e, com 15, tirou registro de atriz. Aos 16,
ingressou na faculdade. Hoje, aos 20, trabalha como assessora de imprensa
da Companhia de Saneamento Básico de São Paulo (Sabesp)
e espera a realização de um sonho que está apenas
começando: a conclusão do curso de Jornalismo, em 2005,
no Fiam Faam Centro Universitário.
• Daniella Carlini é paulistana, nasceu em 25 de maio
de 1983 e está prestes a concluir o curso de Jornalismo no
Fiam Faam Centro Universitário. Formou-se em 2000 no Colégio
Companhia de Maria. Após trabalhar em algumas assessorias de
imprensa, atua como produtora do Jornal da Band, na TV Bandeirantes,
com o jornalista Carlos Nascimento. Namora há pouco mais de
dois anos e pretende se casar em 2007. Tem energia de sobra e pouca
paciência, porém é bem-humorada. É bailarina
e adora culinária japonesa.
• Vivien Schalch nasceu na capital paulistana em 1981. Após
atuar como redatora do site da Companhia de Saneamento Básico
de São Paulo (Sabesp), trabalha em empresa de business center
na Avenida Paulista. Também tem a via mais famosa da cidade
como paisagem do apartamento onde mora. Veio ao mundo no dia 8 de
setembro com o irmão gêmeo Victor, de quem é fã
declarada. Trabalhadora e agitada, está sempre atenta a tudo
ao redor. Forma-se em Jornalismo pelo Fiam Faam Centro Universitário
no final de 2005 e quer se casar em breve com o namorado.
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