Pense bem antes de experimentar
Ex-usuário de drogas conta sua difícil trajetória
da dependência à vida de palestrante que combate o uso
de substâncias químicas*
“Vou pro pau, mas vou careta”. É assim que Ricardo
Alexandre da Silva, 28 anos, inicia suas palestras de prevenção
às drogas. Ele refere-se a Jesus que, no alto da cruz, rejeitou
o ópio oferecido pelos soldados romanos, ainda que o anestésico
extraído da papoula amenizasse a dor. “A rejeição
de Cristo à droga inspira as pessoas a encarar os problemas do
cotidiano sem usar substâncias químicas”, explica.
A dor que Ricardo sente ao relembrar os momentos de tristeza que lhe
aconteceram durante sua dependência é visível na
apresentação. Para conseguir a atenção de
seu público, faz algumas brincadeiras. Essa interação
cria uma aproximação que melhora o entendimento da mensagem
que quer transmitir. Contudo, está enganado quem espera que ele
fale dos últimos anos de sua vida, como as melhoras de sua recuperação
ou sua família.
“Quando dou uma palestra não vou para contar da parte boa
da minha vida. Preciso causar um choque, pois o que faço é
prevenir o uso de substância química”, diz. E isso
ele faz ao contar sobre sua história com a droga. “Meu
primeiro porre aconteceu aos 11 anos de idade. Eu estava com a minha
família nas comemorações de fim de ano”.
Após muitos anos de constante uso de maconha, cocaína
e crack, foi internado em uma clínica. “Meu pulmão
direito já estava parado, o esquerdo também estava comprometido,
cheguei a uma condição sub-humana”. O vício
já tinha tomado conta de sua vida, levando-o aos 17 anos a se
prostituir com um desconhecido num carro para conseguir comprar alguma
droga.
A constante exposição de substâncias ilícitas
aos jovens é preocupante. “Tá caindo um cigarro
de maconha no colo da nossa juventude e a gente ta rindo à toa.”
Ricardo ressalta que a droga é oferecida geralmente por um alguém
próximo, como um amigo ou fazer parte da família. “As
pessoas vêem que mata, mas continuam atrás dela”,
lamenta. Segundo ele, substância química é uma doença
contagiosa, progressiva, fatal e incurável. Eu tive muita sorte
na minha vida, diferente de outros que não conseguiram ajuda
para prevenir o uso”. A respeito disso, diz que o doente em tratamento
pode estar anos sem chegar próximo à droga. No entanto,
pode ter uma recaída. A busca do dependente é incansável
e pode chegar aos extremos.
Em sua cabeça imaginava que só fazia mal a si mesmo, até
reconhecer que as pessoas que o amam foram afetadas pela sua doença.
“Eu chegava em casa, via minha mãe e irmã aos prantos
pedindo a Deus que eu aparecesse vivo”. Ricardo não aceita
mais pessoas dizerem que as drogas só fazem mal a si mesmo. O
exemplo usado é do famoso ex-jogador do Corinthians e do Atlético
Mineiro, Guilherme. Quando o atacante voltava de uma boate em seu carro,
na Rodovia Miguel Jubran, que liga Marília a Assis, no interior
do Estado de São Paulo, estava em alta velocidade e na contra-mão.
Sem condições de dirigir por causa de sua embriaguez,
o carro chocou-se de frente com outro. O resultado: a morte de duas
pessoas, entre elas uma mulher grávida. “O problema é
nosso, não acredito nessa história de que cada é
cada um.”
Durante sua época de dependente químico, teve muitas pessoas
que o ajudaram. Sua ex-namorada, Fernanda Albuquerque Silva, suportava
todas suas loucuras. “Deixei de bater na porta de casa para ir
na dela. Lembro uma vez que a empurrei fora do carro porque ela não
queria me deixar buscar droga. Ela sempre acreditou que eu ia mudar.”
Ricardo percebeu que sua situação estava muito ruim quando
seu pai, em uma conversa séria, disse-lhe que não queria
vê-lo morrer um pouco a cada dia, não queria encontrá-lo
morto em algum lugar.
“Comecei minha recuperação há oito anos,
foi quando cheguei em Pelotas, no Rio Grande do Sul, e me aceitaram
na comunidade de São Francisco de Assis”. A partir dessa
internação sua vida começou a se transformar, iniciando
uma nova fase. Em fevereiro deste ano, nasceu o primeiro filho do casal,
João Pedro. “Quando meu filho nasceu, eu percebi que era
uma pessoa de sorte, um abençoado por Deus”.
Há mais de oito anos que Ricardo não usa nenhum tipo de
droga. Mas passou por situações difíceis nesses
anos de recuperação: “As pessoas não acreditam
em que eu tinha me recuperado e ficavam apontando pra mim, como se eu
não fosse capaz de vencer o vício”. Quando sumia
alguma coisa em casa, sua família ficava preocupada e apreensiva.
“Foi preciso coragem e ajuda de Deus nesses momentos”, acrescentou.
Hoje Ricardo continua lutando contra a dependência química,
agora dando palestras para diferentes públicos, desde pessoas
humildes à gente de classes médias e altas. Seu oponente,
no entanto, continua o mesmo: a droga.
* Perfil realizado pelos alunos Antônio Luiz, Igor Delion, Ivan
Alves, Marcel Fillipe, Rodrigo Dal Borgo e Thiago dos Santos, do período
noturno da disciplina Fontes e Reportagens Jornalísticas, no
campus Morumbi, no segundo semestre de 2004.
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