Making in...
Por Valéria Balbi*
Foto do cineasta Guga
Guga é franco, direto. Sua voz grave às vezes intimida.
É uma pessoa que transmite segurança, autoconfiança.
Não é muito dado a convenções. Desde adolescente,
adotou um estilo meio James Dean, o jeans e o tênis como traje
oficial. Gravata, só em ocasiões solenes... e olhe lá!
Assim munido de total informalidade, vai a qualquer lugar. Nutre algumas
paixões antigas, como o cinema, Frank Sinatra, whisky, Nova York,
basquete, futebol – esportes em geral. Outras vêm e vão,
como a culinária – vale registrar que é um exímio
cozinheiro!
Pai de seis filhos, declara com carinho que foi a caçula quem
lhe trouxe a oportunidade de viver plenamente a paternidade. “Luíza
nasceu quando eu já tinha 54 anos. Uma fase da vida em que não
estava mais correndo tanto quanto na época do nascimento dos
outros. A princípio, me assustou a idéia de ser pai novamente...
mas o nascimento dela me estimulou, ela é hoje o centro da minha
vida. Não assumo nenhum tipo de compromisso que me afaste dela
mais do que o estritamente necessário.”
O cinema acompanha Guga desde a infância. Aos nove anos, trocou
sua bicicleta por um projetor. Aprendeu, assim, a ver o mundo através
de sua própria lente. Criativo, descobriu um jeito de fazer o
que gostava. Ainda garoto, começou a trabalhar na publicidade
com nomes hoje consagrados. Ele brinca, dizendo que fugiu da escola,
mas, dono de uma memória invejável, lembra-se de coisas
que tornam difícil acreditar nisso. Jogar máster (jogo
de perguntas sobre assuntos diversos) com ele é covardia! Nunca
o vi perder uma partida. Além disso, é uma verdadeira
enciclopédia cinematográfica. É bem comum receber
telefonemas de amigos e parentes perguntando sobre dados como nomes
de diretores e atores e datas de filmes.
Nossa primeira conversa intencionalmente sobre sua história de
vida ocorreu em casa. No meio de tantos objetos que fazem parte de nossa
vida, corri os olhos em busca dos que falam dele, aqueles que causariam
impacto a alguém que atravessasse a porta de entrada pela primeira
vez.
Ao sair do elevador, uma carranca. Alguns, desavisados, a acham de mau
gosto. É linda. Tem história. É da época
do documentário “Velho Chico, santo rio”, sobre o
rio São Francisco, “rio da unidade nacional” –
tão em pauta ultimamente por causa da polêmica acerca do
projeto de transposição. Além do mais, é
de autoria do mestre Guarani carranqueiro, que tem obras espalhadas
pelo mundo todo – inclusive no museu do Louvre, em Paris.
“Mestre Guarani vivia às margens do rio Corrente, afluente
do velho Chico. Ele aparece no documentário, deveria ter uns
90 anos”, informa Guga.
Depois que abandonou suas origens, a carranca passou por várias
situações... esteve meio perdida por aí, até
que a resgatamos e a trouxemos para casa. Limpamos, bezuntamos com óleo
de peroba e outros quetais para salvá-la do apodrecimento. (Guga
é muito descuidado. Isso eu afirmo com o direito de quem compartilha
a vida há 16 anos).
Ao atravessarmos a porta, o olhar pára obrigatoriamente em um
quadro de Gustavo Rosa. Não é grande. Na praia, uma mulher
avantajada com maiô amarelo e um coração tatuado
na coxa esquerda onde se lê “Guga”. Uma garrafa de
whisky Logan na areia. Ao fundo, o azul do céu e do mar. “Lembrança
dos tempos de boemia...”, diz ele.
Sobre o piano, uma gravura autêntica de Frank Sinatra, da série
que ilustrou os CDs Duets. Presente do irmão, homenagem ao “sinatrólogo”.
Bagunças típicas de casa com criança somam-se às
bagunças típicas de alguém desorganizado. Para
ser mais justa, nada muito exagerado. Normal. Dvds como Cidadão
Kane, Ben Hur, Taxi Driver, Rastros de Ódio, dividem espaço
com um troféu de basquete de supercampeão juvenil, conquistado
em 1957 e outro, uma pesada cabeça de cachorro em bronze –
o troféu Amiga – de melhor programa de televisão
de 1972/73, para a série de documentários Globo Shell
Especial. Uma TV de 46 polegadas, presente dos filhos no dia dos pais,
evidencia a paixão do cinéfilo, junto com livros e mais
livros sobre cinema e discos de Sinatra.
A informalidade dá o tom desse ambiente, criando uma atmosfera
descontraída. Nenhum decorador passou por aqui, mas há
harmonia, aconchego. O sofá faz um L com uma poltrona individual,
bem de frente para a telona. É o trono de Guga. Dali ele pilota
a TV, o transcodificador de canais a cabo e o aparelho de Dvd através
dos muitos controles remotos, que vivem sumindo. Uma mesa de cada lado,
cinzeiros e copos de cerveja e whisky, este último por vezes
substituído pelo drink da vez, o negrone. Atrás do trono,
uma grande mesa branca encostada na parede, cheia de livros, papéis,
fax, scanner, impressora, computador... projetos para cinema e televisão
espalhados por quase todos os móveis da casa.
“Guga, vamos começar a entrevista? Eu pensei em fazermos
fora de casa em busca de distanciamento...” propus, ao que ele
respondeu: “Pode ser... acho legal...”. Entretanto, como
naquele primeiro momento não pudemos sair – era noite e
a filhota não poderia ficar sozinha – decidimos experimentar
começar ali mesmo. Se desse certo, bem. Se não, marcaríamos
nosso próximo “encontro” no bar da esquina, o São
Pedro São Paulo, apelidado de “escritório”
pelo Guga. Paradoxalmente, a mim parecia muito artificial lançar
mão dessa estratégia, o que reforçou a decisão
de tentarmos levar a entrevista a cabo em casa mesmo. A experiência
do bar ficou como possibilidade futura...
“Então, deixe me organizar...”. Dizendo isso, serviu-se
de whisky, cerveja, cigarro. E mergulhamos em histórias que eu
já ouvira tantas vezes, mas que agora ganhavam novos sons, novas
cores...
______________________________________________________Making on:
Câmera... Ação!
Nossa história começa há mais de meio século,
quando, no dia 16 de julho de 1950, o Brasil viveu um de seus momentos
mais tristes. O país emudeceu naquela tarde de domingo. Duzentas
mil pessoas choravam no interior do maior estádio do planeta,
o Maracanã, chocadas pela inesperada derrota do Brasil para o
Uruguai por 2 a 1. Era a final da Copa do Mundo. O Brasil deixava escapar
a chance de ser campeão pela primeira vez, em seu próprio
território, dentro de casa. Seguramente, foi a tarde mais desesperadora
do aclamado futebol brasileiro até hoje.
Em um bairro não muito distante do palco da tragédia,
um menino, também muito triste com a derrota, mas sem entender
sua dimensão, ouvia pelo radinho de válvulas o narrador,
em prantos, anunciar o resultado do jogo. Como para as crianças
as tragédias são passageiras, o menino pegou sua bicicleta
– uma Calói Superleve – e convidou o amigo que estava
com ele para passear. Carlinhos, o amigo, disse que não tinha
bicicleta. Era seu grande sonho. Desistiram do passeio. Na casa de Carlinhos,
xará e vizinho do menino, havia um pequeno projetor de cinema
movido à manivela, uma novidade. Eles decidiram assistir a um
curto desenho animado, de aproximadamente 3 minutos. Virgulino Apanha
era em preto e branco, criado e realizado por brasileiros, uma sátira
sobre o personagem histórico Lampião e suas lutas contra
as volantes.
Ao sentir a magia da pequena tela luminosa onde as imagens se moviam,
controladas pelas próprias mãos, lembranças povoam
a mente do menino... A boiada passando pela porta da casa da avó
Nicota, os passeios até o pico do Jaraguá, os tempos do
colégio interno em Piracicaba, cidade do interior de São
Paulo, onde ele concluíra o curso primário. O Colégio
Piracicabano era um internato presbiteriano, de disciplina muito rígida.
Os horários de estudos, refeições e lazer eram
rigorosamente controlados. A liberdade de contato com a comunidade só
acontecia aos domingos, após o culto – no qual era obrigatório
saber na ponta da língua o Novo Testamento. Como prêmio,
três horas livres para passear pela velha Piracicaba. A primeira
hora, regularmente, era reservada para tomar sorvete de morango à
beira da cachoeira – ou salto – onde nos meses de novembro
se podia assistir ao fantástico espetáculo da piracema.
Os peixes saltavam, lutando contra a correnteza, para seguir rio acima
e desovar. Depois do sorvete, os estudantes iam ao Cine Regência,
onde assistiam a tradicional matineé. Seus ídolos eram
Durango Kid, Charles Starret e Tom Mix. A sessão de cinema era
a grande recompensa pela árdua semana de estudos e de saudades
da família.
Filho de mãe viúva, ele tinha um irmão seis anos
mais velho que também estudava em um internato em São
Paulo, o Liceu Coração de Jesus, de orientação
católica. Orlando, o pai, falecera precocemente, aos 31 anos
de idade, vítima da pneumonia adquirida nas trincheiras da Revolução
de 32. Coube à mãe, Joaquina, de apenas vinte e seis anos,
a difícil tarefa de criar sozinha os dois filhos, José
Bonifácio, de sete anos e Carlos Augusto, de um. O falecido Orlando
era dentista, boêmio, cantor. Um homem divertido que gostava de
fazer serenatas para a esposa e de levar os meninos para pescar –
o pequeno nos ombros, o maior pela mão. Não deixou recursos
materiais para o sustento da família. Joaquina precisou sair
em busca de trabalho. O pouco dinheiro que ganhava, usava na educação
dos filhos. Moravam em Osasco e Joaquina trabalhava em São Paulo,
dezoito horas por dia. Para complementar o salário de balconista
das Lojas Americanas, vendia roupas, jóias e bijuterias. Sobrava
pouco tempo para ficar com as crianças. Depois de anos tentando
manter a família unida, ela finalmente decidiu que a melhor opção
para os filhos era o colégio interno. José Bonifácio
– ou Boni – tinha doze anos. Carlos tinha seis.
Na época do internato, o diálogo de Carlos com a mãe
se dava basicamente através de cartas. As visitas eram mensais
ou quinzenais. Viajar era difícil e caro, as estradas eram rudimentares,
de terra e poeira. Levava-se horas para chegar a Piracicaba.
Com nove anos, Carlos foi o orador da turma ao se formar no primário.
Logo depois, recebeu da mãe a notícia de que ela se casara
novamente com um advogado de nome Edmundo. O advogado, que tinha negócios
no Rio de Janeiro, providenciou a mudança da família para
lá. Aquele homem, estranho aos meninos, a partir daquele momento
seria seu novo pai e mudaria radicalmente suas vidas. Edmundo –
ou apenas Ed – era forte, alto, grossos óculos de tartaruga
no rosto. Como advogado, carregava sempre uma valise, cheia de documentos
e processos. Vestia-se formalmente e era bastante reservado. Exatamente
o oposto do pai, Orlando.
Carlos e Boni estudavam no colégio do bairro, o Piedade, hoje
universidade Gama Filho. Moravam em um pequeno apartamento, a poucos
metros da escola. O Rio de Janeiro oferecia toda a liberdade que os
meninos não tinham no internato. Carnaval, futebol, brincadeiras
de rua, bola, pipa, os trens da velha Central do Brasil, as primeiras
namoradas... Enfim, passaram a ter uma família normal.
Ed, filho de portugueses, tinha princípios talvez mais rígidos
sobre educação do que os do colégio interno. Era
generoso, mas exigente. Joaquina, a mãe, filha de imigrantes
espanhóis, era mais liberal. Os meninos conviviam entre o maternalismo
anárquico e rigor castiço do padrasto, a quem chamavam
de pai.
Certa tarde, poucos meses depois de se mudarem para o Rio, Carlos brincava
com uns amigos na rua, o que não era permitido pelo padrasto,
mas era acobertado pela mãe conivente, que tinha se transformado
em uma dona de casa. Em frente à porta do edifício onde
morava, na rua Bernardino de Campos, um velho motorista de praça
desce do táxi e pergunta às crianças: “é
aqui que mora o José Bonifácio?” Carlos responde:
“sim, é meu irmão, porque?” “Vá
chamar sua mãe” – disse o motorista – “aconteceu
um acidente com ele”. Carlos apressou-se até a cozinha,
onde a mãe terminava de lavar a louça do almoço,
e avisou que um homem queria falar com ela sobre seu irmão. Kina,
como era conhecida, ainda de avental na cintura, correu preocupada ao
encontro do motorista. Ele lhe disse: “um ônibus atropelou
seu filho que estava na bicicleta e acho que ele morreu. É melhor
a senhora ir até lá”. Desesperada, Kina entrou no
táxi e partiu imediatamente, do jeito que estava. Carlos, assustado,
ficou olhando o velho carro se afastar, pensando na possível
perda do irmão.
Houve, de fato, uma morte. Mas, por um capricho do destino, foi a de
um jovem amigo de Boni. O irmão de Carlos quebrou vários
ossos e seccionou a perna direita, o que quase o levou à amputação.
Ed enfrentou os médicos, ameaçando-os caso mutilassem
seu filho. Sob o intenso calor do Rio, Boni ficou seis meses engessado,
com Carlos e a mãe a seu lado. Teve também que tomar medicamentos
para interromper seu crescimento, caso contrário só a
perna boa continuaria a se desenvolver, o que o deixaria manco. Kina,
ainda traumatizada com o acidente do filho mais velho, achou melhor
mudar-se com a família para um bairro mais distante, onde o mesmo
valor do aluguel do pequeno apartamento poderia pagar por uma casa confortável.
Bento Ribeiro parecia uma cidade do interior, era um bairro de classe
média baixa, subúrbio típico carioca, onde as crianças
desembestavam livremente pelas ruas, brincavam descalças, jogavam
pelada, bola de gude, empinavam pipas. Havia, já naquela época,
uma marginalidade latente, que hoje se manifesta no Rio de Janeiro.
A casa era especial. No jardim, um cisne de pedra jorrava pelo bico
uma água límpida que caia no laguinho artificial, repleto
de peixes vermelhos. Não demorou para que Carlos fizesse amizade
com o xará, Carlinhos, que morava na casa da frente.
Emergindo de suas recordações, depois de assistirem ao
desenho de Lampião, Carlos, encantado, propôs ao amigo
uma troca: o projetor pela bicicleta. Carlinhos não hesitou,
fechou negócio na hora.
Boni tinha fortes lembranças do pai, Orlando. Para ele não
foi fácil aceitar o novo casamento da mãe. Carlos, ainda
muito criança, era mais obediente aos métodos do padrasto.
A rotina do lar era rigorosa, marcada pela pontualidade: quando o relógio
cuco anunciava oito horas da noite, era servido o jantar. Mãos
limpas, unhas escovadas, banho tomado, cabelo penteado com o lado fino
do pente, tudo era checado por Ed. À mesa, a família comentava
o cotidiano. Às nove, os quatro iam para a sala de estar. O som
de Wagner, Beethoven, Debussy, dominava o ambiente. Escutavam música
calados, sem poder conversar por uma hora. Depois, a mãe ia encerrar
seus afazeres domésticos enquanto os homens da casa – Edmundo,
Boni e Carlos – se dedicavam às respectivas tarefas profissionais
e escolares. Finalmente, às onze horas, escovação
dos dentes, beijo de boa-noite e descanso para o dia seguinte, que começava
às seis horas da manhã, com uma ducha gelada. Segundo
Ed, era um hábito saudável para o início de uma
nova jornada. Carlos e Boni dividiam o mesmo quarto.
A crise entre Ed e Boni foi se agravando até ficar insustentável.
Boni, adolescente, desafiava o padrasto. A tensão chegou a ponto
dos dois se ameaçarem de morte. Kina temia um desfecho trágico.
Resolve fugir com os filhos para São Paulo, onde viviam seus
parentes. Abandonava Ed e a segurança material que ele proporcionava.
Onze horas da noite, estação da Central do Brasil, apitos
de trem, burburinho. Apenas com a roupa do corpo e alguns objetos pessoais,
Kina e os filhos embarcam no Ouro Verde, o trem que os levaria de volta
a São Paulo. Diziam que na terra da garoa fazia frio. Carlos
estava super agasalhado, calças e meias de lã, um boné
na cabeça e o projetor de cinema no colo. Quando o apito do trem
anunciou a partida, alguns pensamentos de menino invadiram a mente de
Carlos: onde estariam seus amigos de internato? As pipas voavam no ar...
será que tinha pipa em São Paulo? Como ficaria sua primeira
namorada Sônia, irmã do amigo Carlinhos com quem trocara
a bicicleta pelo projetor? Será que os índios atacariam
o trem como nos filmes das matinês de Piracicaba? O balanço
do vagão de trem embala Carlos, que adormece.
Sete horas da manhã. O Ouro Verde cruza o banhado do Vale do
Paraíba, em São José dos Campos. O sol bate forte,
acordando Carlos. A janela do trem parecia uma tela de cinema. Cidades,
pastagens, boiadas, gente do campo trabalhando, um novo dia amanhecia,
uma nova vida começava.
Dez da manhã. Estação da Luz, São Paulo.
Uma construção inglesa clássica, estruturas de
ferro, plataformas apinhadas de gente vindo de todos os cantos do Brasil,
bem diferente da tranqüilidade de Bento Ribeiro. Era uma manhã
de sol. As roupas de lã incomodavam o menino, assustado com a
velocidade paulistana. A mãe, Kina, tinha na mão um pedaço
de papel com o endereço: Avenida Pompéia, 1089. A bagagem
era pequena. No corre-corre, Kina toma um táxi e mostra o endereço
ao motorista. No rádio do carro, notícias e mais notícias,
trânsito, temperatura. Pela janela, a gigante de concreto se apresentava
aos olhos de Carlos. Os prédios eram muito altos. As pessoas
andavam apressadas, os homens usavam terno e chapéu. Como o dinheiro
era pouco, ao chegar na parte baixa da Avenida Pompéia, Kina
pede ao táxi que pare. Dali para frente seguiriam a pé.
Foram mil metros caminhando morro acima sob um sol causticante de meio-dia,
até chegar ao número 1089.
O destino deles era um pequeno sobrado, com uma placa na frente: Instituto
de beleza Avenida. Lila, irmã de Kina, era cabeleireira. Mantinha
no pavimento térreo um salão de beleza. No andar de cima,
os três seriam acolhidos. Lá moravam e trabalhavam mais
quatro irmãs de Kina e algumas primas. Todos dormiam em colchonetes
espalhados pelos dois pequenos dormitórios do sobrado. Foram
dois anos de aprendizado de sobrevivência.
Boni já gostava de rádio desde o Rio de Janeiro e tentava
uma oportunidade de trabalho. Carlos ajudava as tias no instituto de
beleza, fazendo escova, limpeza de pele, tirando cutícula, contribuindo
com a renda familiar e garantindo as matinês de domingo. Hoje,
ao lembrar daqueles tempos, ele brinca: não sou bicha por acidente...
Kina presta concurso para o funcionalismo público.
Por absoluta coincidência, uma das clientes de Lila era esposa
do famoso radialista Manoel de Nóbrega, criador do programa A
praça é nossa. A tia de Boni comenta sobre o desejo do
sobrinho de trabalhar em rádio. Começava ali uma carreira
de sucesso na comunicação brasileira.
Carlos, que vinha dos subúrbios e morros do Rio de Janeiro, rapidamente
se adapta e lidera a molecada do bairro. Pipas, carrinhos de rolimã,
bolinhas de gude, enfim, toda a malandragem carioca, em meio ao passo
doble e castanholas das tias, que ele chamava de “espanholada”.
O céu de 25 de janeiro de 1954 parecia uma chuva de estrelas...
São Paulo comemorava o quarto centenário. Milhares de
triângulos de papel brilhante lançados de aviões
brilhavam sob a luz de potentes refletores, cobrindo a noite paulista
na maior festa de aniversário que São Paulo já
teve. Ao fundo, o dobrado Quatrocentão na sanfona de Mário
Zan.
Kina passa no concurso que prestara e os três se mudam para uma
pensão no Largo Padre Péricles, ao lado da Igreja São
Geraldo, nas Perdizes – hoje, início do “Minhocão”.
Para felicidade de Carlos, bem em frente à pensão o Cine
Esmeralda exibia o filme O Rapto com Glenn Ford, um de seus ídolos.
Mais tarde Hollywood lançaria um remake com o título O
Resgate, protagonizado por Mel Gibson.
A pensão era muito simples. Um velho sobrado com alguns quartos
no andar superior e um banheiro coletivo. Na parte inferior funcionava
a Organização de Luto São Geraldo. Os três
moravam em um só cômodo. Não era permitido cozinhar
ou esquentar alimentos no pequeno quarto. No final do corredor, era
normal formar-se fila na disputa pelo uso do banheiro, comum a todos
os pensionistas.
Kina era funcionária pública e Boni, com 20 anos, havia
conseguido o emprego na rádio com Manoel de Nóbrega. Carlos
ajudava a renda familiar trabalhando na organização de
luto. Atendia os clientes, a quem mostrava um álbum com fotos
das várias opções de caixões: com quatro
ou seis alças, de pinho ou cerejeira, estofamento de cetim ou
veludo. Como a funerária ficava no início da luxuosa Avenida
Pacaembu – região nobre da cidade – os clientes eram
pessoas de posses e as cerimônias, generosas. Nas redondezas viviam
muitos descendentes de árabes, que haviam enriquecido em São
Paulo. De acordo com seus costumes, serviam banquetes durante o velório.
Depois de organizar o ritual e preparar o finado, tampando suas narinas
grandes e geladas com algodão, Carlos enchia os bolsos de esfihas
e kibes, que levava para casa e dividia com a mãe e o irmão.
Com os trocados que recebia pelos serviços prestados, não
perdia uma sessão de cinema, sua antiga paixão.
Kina começa a ganhar um salário um pouco melhor e Boni
se revela um excelente profissional de comunicação, o
que permite que a família se mude para um apartamento em uma
avenida de nome charmoso, Campos Elísios – hoje Avenida
Rio Branco – perto da estação Sorocabana. Na verdade,
apesar do nome pomposo, a área era mais conhecida como “boca
do lixo”, reduto de prostituição, drogas, enfim,
o submundo da grande metrópole. Agora com 15 anos, Carlos passa
a freqüentar salões de sinuca, academias de boxe e se torna
amigo das prostitutas e cafetões. É também nessa
época que ele conhece Luís Eduardo, filho de Esther, a
melhor amiga de sua mãe. As famílias de Kina e Esther,
ambas viúvas e com filhos de idades semelhantes, moravam no mesmo
prédio, um apartamento em cima do outro. As duas casas pareciam
uma só, as portas ficavam abertas e a escadaria vivia movimentada.
Alguns parentes tinham ficado em Osasco. O trem que partia da Sorocabana
levava 40 minutos até seu bairro de nascimento. Não raras
vezes, contrariando todas as medidas de segurança, Carlos viajava
fora do vagão. De mansinho, acomodava-se na lateral da locomotiva
ao sabor do vento que batia em seu rosto e lá ia ele, sozinho
até Osasco, brincar com os primos e treinar futebol pela Cobrasma
(Companhia Brasileira de Materiais Ferroviários).
Em um domingo, depois da partida de futebol, ele, que apesar da pouca
idade já tinha uma altura de 1,80m, foi convidado para jogar
basquete pelo Tênis Clube de São Paulo, que ficava na Aclimação.
As mordomias eram significativas: lanche, dinheiro para transporte,
piscina, carteirinha de sócio de um clube sofisticado. Carlos
aceita o desafio e troca de esporte. Ganha um apelido que irá
carregar pelo resto da vida: Guga. Um ano depois, em 1957, torna-se
campeão estadual. Convocado para a seleção paulista,
conquista também o campeonato brasileiro.
Na Avenida Rio Branco, onde morava, ficava o cine Normandie, que exibia
filmes sensuais franceses. Através das telas Guga conhece Brigitte
Bardot, Danielle Darieux, Pascale Petit e outras musas. A poucos passos,
o Cine Rio Branco, o Cine República, o Cine Metro, o Art Palácio,
enfim, a cinelândia paulistana, proporcionava a Guga a possibilidade
de assistir a um ou mais filmes por dia, coisa rara numa época
em que habitualmente a freqüência era semanal. Sua paixão
pelo cinema e pela supra-realidade aumentava a cada dia.
Boni torna-se um publicitário reconhecido e muito bem remunerado,
casando-se logo em seguida. Guga muda-se com a mãe para o bairro
de Higienópolis, bem em frente ao colégio Mackenzie. Com
o aumento da renda familiar, passa a freqüentar bons colégios,
como o Paes leme, na esquina da Avenida Paulista com a Rua Augusta,
e o Liceu Eduardo Prado, no Itaim.
Aos 18 anos escreve uma crítica sobre o filme Candelabro Italiano,
com a loiríssima da moda, Sandra Dee. A crítica foi publicada
pelo O Estado de São Paulo. A partir de então, ele passa
a ser colaborador do jornal e arruma um emprego na editora Abril, participando
do lançamento da revista Cláudia.
A devotada paixão pelo cinema leva Guga em busca de um ofício
mais próximo dessa arte. Boni, já consagrado como publicitário,
indica Guga como estagiário na RGE discos, na rua Paula Souza,
centro da cidade. Além de fazer jingles, ele trabalha até
de madrugada como assistente de estúdio em gravações
até hoje imortais, como Ouça, com Maysa Matarazzo, e outras
com Silvio Caldas, Rolando Boldrin e a Orquestra de Simonetti, sucesso
na televisão.
No dia 21 de abril de 1960, depois de cinco horas a bordo de um avião
DC-3 Curtiss Comander, Guga aterriza em Brasília para tocar maracas
com a orquestra de Simonetti no baile inaugural da Novacap.
De volta à São Paulo, procura estágio na produtora
Linx Film. Sua primeira oportunidade é como ator em um comercial
da loja de roupas masculinas Garbo, dirigido pelo imortal Roberto Santos.
Guga não gostava da frente das câmeras. Sua paixão
estava do outro lado. Passa a escrever roteiros como free-lancer para
comerciais publicitários. O cinema brasileiro atravessava uma
crise profunda e a única escola ao alcance de Guga era a publicidade.
As produções do cinema-novo se concentravam no Rio de
Janeiro. Em São Paulo, depois do fracasso da ambiciosa companhia
cinematográfica Vera Cruz, só se realizava filmes marginais,
o cinema da boca do lixo, salvo algumas exceções como
Hora e Vez de Augusto Matraga, do diretor Roberto Santos e O Pagador
de Promessas, dirigido por Anselmo Duarte.
Guga recebe um convite para trabalhar no departamento de televisão
da J. Walter Thompson publicidade e conhece Neide, sua chefe, com quem
irá se casar futuramente. Logo em seguida, destacando-se pela
criatividade de seus roteiros, ele vai dirigir o setor de rádio
e televisão da Denison Propaganda, e conquista alguns prêmios.
Casa-se com Neide e passa a ser um profissional disputado pelas grandes
agências. A Almap – Alcântara Machado Propaganda –
lhe oferece o mais alto salário do mercado publicitário
aos 23 anos de idade.
No seu aniversário de 24 anos – dia seis de abril de 1965
– nasce Karla, sua primeira filha. O nome, com K, foi escolhido
em homenagem a Karl Marx. No dia sete de agosto de 1966 nasce Andréa,
a Deca.
Em 1968 começam os anos de chumbo período em que a ditadura,
iniciada após o golpe militar de 1964, recrudesce o já
violento regime político.
Guga sai da Almap para fundar a Blimp Film, com a determinação
de fazer longas metragens, documentários e cinema publicitário.
Nessa época conhece e realiza trabalhos com nomes importantes
da cena artística brasileira, como Tom Jobim, Vinícius,
Chico Buarque, Gilberto Gil, Milton Nascimento, Raul Seixas e outros,
com os quais vive passagens incríveis. A Blimp se torna a maior
produtora de cinema da América Latina e agrega os melhores profissionais
da época. Produz para cinema, televisão e publicidade.
Grande parte desse acervo está hoje depositado no MIS (Museu
da Imagem e do Som). Lamentavelmente, parte do material alimentou uma
fogueira no sítio de Guga, em um momento de ebulição
do sangue espanhol.
As freqüentes viagens a trabalho começavam lentamente a
distanciar Guga e Neide, ameaçando o casamento.
Vergueiro, amigo de Guga, traz a futura esposa para estagiar na Blimp.
Mais tarde, Guga é padrinho do curto casamento dos dois, que
dura apenas seis meses. Guga e Thaïs – que continuava a trabalhar
na produtora – se aproximam. O casamento de Guga com Neide chegava
ao fim em 1969. Ele e Thaïs começam a namorar. No final
das férias de julho de 1970, Guga, que já assumira seu
novo relacionamento, vai visitar as filhas no Guarujá, para comemorar
o aniversário de Deca. Nesse dia, ele e Neide festejam com as
meninas e depois continuam conversando, bebendo... Alguns meses mais
tarde, Neide revela a Guga que esperava outro filho dele. Só
que Thaïs também estava grávida. Numa tarde, Thaïs
e Neide se encontram no meio da escadaria da produtora de Guga. As barrigas
proeminentes dispensaram palavras. Enquanto as duas subiam furiosas,
rumo à sala de Guga, um amigo que vira a cena lhe comunicava
através do telefone interno o que acabara de acontecer. Guga
quer escapar pela janela, pela porta dos fundos, tentando evitar o inevitável
encontro em que teria que esclarecer e dar satisfações
às duas. Ele foge pela garagem.
O tempo é o melhor remédio. Passada a crise da tumultuada
situação, no dia 20 de maio de 1970, nasceu Frederico,
o Dico, filho de Neide. Ana Carolina, primeira filha de Thaïs,
nasceu no dia 24 de agosto do mesmo ano. Dois irmãos com apenas
três meses de diferença de idade. Três anos depois,
Guga e Thaïs têm mais uma filha, Juliana, que nasceu no dia
31 de outubro de 1973.
Os trabalhos realizados pela Blimp como produtora independente têm
forte influência na televisão brasileira. A produtora paulistana
do bairro do Bexiga, que começou com um sonho de jovens realizadores,
foi o celeiro de programas como Fantástico, Globo Repórter
e projetos especiais Foi também uma escola onde se formaram muitos
profissionais que tiveram e ainda têm atuação destacada
na comunicação áudio-visual.
Durante seus anos de Blimp, Guga reuniu muitos prêmios. Ele cita
especialmente o longa metragem Sargento Getúlio, magistralmente
protagonizado por Lima Duarte, que lhe rendeu o troféu de melhor
filme no festival de Gramado, além de prêmios no exterior,
como Suíça e Moscou. Cita também os prêmios
conquistados durante vários anos seguidos pelos programas Globo
Shell e Globo Repórter, como os troféus Amiga, Imprensa
e Helena Silveira. Seus documentários até hoje são
exibidos em universidades no Brasil, Estados Unidos e Europa, como referência
da realidade brasileira.
1978. Na ânsia de comunicar melhor suas idéias em época
ditadura, Guga vai para a televisão. Sua primeira parada é
como diretor na rede Tupi, do império de Assis Chateaubriand.
Monta uma respeitável equipe de telejornalismo, reunindo nomes
como os de Samuel Weiner, Sérgio de Souza, Narciso Kallili, Juca
Kfouri, Ferreira Martins, Paulo Patarra e outros. Com o desmoronamento
do império de Chateaubriand, provocado pela desagregação
dos comunheiros, ele aceita um novo desafio: montar a rede Bandeirantes
de televisão. Em apenas um ano, a partir das três emissoras
de João Saad – uma em São Paulo, outra no Rio e
mais uma em Belo Horizonte – forma um complexo composto por 45
emissoras cobrindo todo o Brasil. Surgia a segunda maior rede do país
no setor de comunicação áudio-visual. Ao mesmo
tempo, Boni implantava o padrão Globo de qualidade. Os dois irmãos
de Osasco estavam frente a frente, como em um duelo de faroeste, disputando
o mesmo lugar ao sol. A Bandeirantes, com sede em São Paulo,
passa a ser uma concorrente direta da poderosa Globo, que tem seu núcleo
no Rio de Janeiro. A audiência estava dividida. Kina, então,
nem se fala. Como mãe, se via obrigada a assistir aos dois canais.
Apesar de adversários na conquista do público, a relação
fraterna permanecia intacta.
Em 1981, Guga sai da Bandeirantes e se associa a Roberto Marinho na
produtora Globotec, em São Paulo. Realiza aberturas de novelas,
documentários, shows e especiais para a Globo. Uma das produções
mais marcantes daquele momento foi o do show especial de fim de ano
de Roberto Carlos, em 1982. Realizado nos antigos estúdios da
companhia cinematográfica Vera Cruz, o especial homenageou Carlitos
e o cinema. Guga o apelidou de Os três Carlos, referindo-se à
coincidência dos nomes dele, de Roberto e do inesquecível
Chaplin, todos os três nascidos sob o signo de Áries.
Depois de assumir a coordenação de comunicação
da campanha do empresário Antônio Ermírio de Moraes
para governador de São Paulo em 1986, vencedora na capital, mas
não no interior do estado, Guga tem mais uma passagem no marketing
político: seu amigo da Avenida Rio Branco, Luís Eduardo,
também publicitário, o procura para desenvolverem a campanha
para a Prefeitura de São José dos Campos, no Vale do Paraíba.
O candidato era muito popular, já havia exercido mandatos como
deputado federal por duas vezes e como prefeito daquela mesma cidade
anteriormente. Chamava-se Joaquim Bevilacqua e era ex-cunhado de Luís.
Seu casamento com Thaïs estava desgastado, perto do fim.
Numa das primeiras reuniões em São José dos Campos,
Guga conhece Valéria, filha mais velha de Luís, que tem
a mesma idade de sua segunda filha, Deca. Valéria já conhecia
Kina, querida amiga de sua avó Esther, e já tinha se divertido
muito ouvindo inúmeras vezes as histórias contadas pela
avó e pela tia Cidinha a respeito das molecagens que o pai, Luís
aprontara com Guga e outros amigos na adolescência. Quando Guga
entra na sala de reunião, Valéria afirma, sem pensar,
o que era evidenciado pelos traços fisionômicos: Você
é filho da Kina. Guga lança um olhar meio desconfiado
pela observação e responde que sim. Ela então se
apresenta como filha do amigo Luís Eduardo.
Por ter ouvido tantas histórias de Guga, ela sentia como se já
o conhecesse há tempos. Alguma coisa mexeu com a garota a partir
do momento em que Guga abriu a porta daquela sala. Talvez tenha sido
mesmo o tal amor à primeira vista. Só que ela, 25 anos
mais jovem que o amigo do próprio pai, não tinha condições
de assumir um sentimento desses nem para ela mesma, quanto mais para
os outros.
O convívio entre eles era amistoso. Protegendo-se dela mesma
atrás da constante presença do pai, eles saiam, jogavam
dardos, bebiam, cantavam, se divertiam, davam muita risada. Ao fim da
campanha política, Guga voltou a São Paulo para tocar
um projeto de produção independente, uma novela para o
SBT (Sistema Brasileiro de Televisão). Seis meses se passaram
até que Guga procurasse Valéria para convidá-la
a participar da novela. Ele sabia que ela gostava de teatro, já
havia se envolvido em alguns projetos amadores, cursava educação
artística. Sem pensar duas vezes, Valéria abandona a faculdade
e se muda para a casa da tia Rosângela, em São Paulo. Depois
de alguns meses trabalhando como atriz na novela, ela e Guga começam
a se aproximar lentamente. Saem juntos, mas ela sempre dá um
jeito de levar Carola, ou Ana Carolina, filha de Guga que morava com
ele em um flat e também era atriz na novela.
Era inevitável. O rubor do rosto de Valéria sempre que
Guga aparecia a denunciava. Finalmente, em setembro de 1989, os dois
assumem seus sentimentos. O difícil agora seria contar a Luís.
Enquanto os dois planejavam a melhor forma de revelar o relacionamento
ao pai de Valéria, o irmão dela telefona e faz uma pergunta
direta sobre o assunto. Ela, espantada, descobre que o pai já
sabia e que, depois do susto inicial, seguido por meditações
aromatizadas com incensos – o que não é nem de longe
o estilo dele – tinha aceitado. Valéria tinha 23 anos.
Guga, 48.
Os dois já viviam juntos há seis anos quando nasceu Luíza,
no dia 26 de novembro de 1995.
Hoje, dia 4 de dezembro de 2005, aos 64 anos de idade, Guga continua
casado com Valéria, e Luíza acaba de completar 10 anos.
Os filhos mais velhos já lhe deram onze netos: Júlia,
Bárbara, Francesco, Thomás, Alex, Vivian, Carolina, Max,
Rafael, Breno, e Caio, pela ordem de idade. Tem vários projetos,
entre eles dois longa-metragens, Amores de Guerra – sobre a participação
do Brasil na Segunda Guerra Mundial e Era uma vez... no Brasil –
que conta a história de Silvio Santos.
Making of
3 de dezembro de 2005. Antes de chegarmos ao restaurante Rodeio, onde
comemoraríamos o 70º aniversário de Boni com um almoço
surpresa organizado pela esposa dele, a Lou, passamos na Fnac. Na mega-loja
de CDs, DVDs, livros e afins, encontramos o presente ideal, um documentário
recém lançado no Brasil e muito elogiado sobre vinhos,
assunto que Boni domina como ninguém. Foi então que outro
lançamento chamou nossa atenção: era o Phono 73
– o canto de um povo – dirigido pelo Guga 32 anos atrás.
Quis comprar, ele não deixou. “Muito caro”, disse,
“não vale isso...”. Insisti, mas ele se recusou,
alegando: Eles vão mandar alguns para distribuirmos para os amigos...
Durante o almoço, os dois irmãos fizeram planos para o
futuro da comunicação brasileira. Estavam presentes Regina
Duarte, Raul Cortez, Marília Gabriela, Tarcísio Meira,
Glória Menezes, José Wilker, Nilton Travesso, outros artistas
e amigos, a família e – é claro – Kina, a
heróica mãe de Boni e Guga, que atualmente é psicóloga,
escritora e continua trabalhando, perfeitamente lúcida e saudável
aos 90 anos de idade. Como se estivessem ainda em Bento Ribeiro. Como
se estivessem na Piedade. Ou em Osasco...
Enquanto eu finalizava esse texto, Guga aguardava ansioso pelo início
de uma partida de futebol importante para o Corinthians. De repente,
solta uma gargalhada. Ele me chama e diz: Essa é uma biografia
não autorizada, hein!?
* Valéria Balbi (valeriabalbi@terra.com.br), 39, esposa de Guga,
é estudante de jornalismo da UniFIAMFAAM Centro Universitário.
Mãe de Luiza, de 10 anos, já trabalhou em telejornalismo
e pretende em 2007 tirar um ano para viajar com a filha e o marido para
produzir um documentário sobre o olhar infantil sobre o mundo.
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