Eternamente jovem
Karateca de 78 anos mostra que não há limite de idade
para manter a juventude*
Tereza Sezaki nasceu em 1926, em Kyoto, no Japão. Filha de marinheiro
e cozinheira, enfrentou logo cedo as dificuldades da vida. Em meados
de 1945, o Japão estava mergulhado em uma grande crise, com a
Segunda Guerra Mundial, e sua família decidiu vir ao Brasil para
tentar reconstruir suas vidas em novo território onde outros
tantos descendentes vieram com a esperança de ter uma vida melhor.
Já no Brasil, foram tentar a sorte no interior, mas especificamente
na cidade de Mogi das Cruzes, em São Paulo. Foi lá que
começaram a trabalhar com agricultura e, com muito esforço,
conseguiam se manter e construir sua casa e ter sua forma de subsistência.
Foi por esse motivo que dona Sezaki teve que aprender cedo a trabalhar
e, com oito anos, ajudava os pais na lavoura. Apesar do trabalho pesado,
Sezaki sempre arranjava tempo para estudar e sozinha conseguiu aprender
a ler e escrever.
Anos mais tarde, seus pais vieram a falecer e com mais duas irmãs
cuidava da lavoura e vendia verduras e assim conseguia dinheiro para
se sustentar.
Dona Sezaki ainda lembra, comovida, os tempos em que tinha que trabalhar
o dia inteiro para garantir comida na mesa. “Foi uma época
em que morávamos numa casinha de apenas um cômodo, onde
tinha apenas uma cama e dormíamos eu e mais duas irmãs,
não tínhamos nenhum conforto e nosso cotidiano era o trabalho”.
Com o passar do tempo, ela conseguiu abrir um pequeno comércio
onde vendia as verduras que plantava. Dividindo o tempo entre a lavoura
e o comércio, ainda conseguia ter mais tempo para fazer as coisas
que gostava, como ler e escrever.
Foi no comércio que conheceu seu marido, que também trabalhava
com lavoura e que se encantou pela jovem. “Lembro até hoje
daquele dia em que veio comprar uns tomates e ficou me olhando. Foi
paixão à primeira vista”.
Ele estava escolhendo as verduras e perguntou a ela quanto custavam:
- Bom dia! Os tomates estão bem frescos, né?
- Sim, acabei de colher na horta.
- E quanto custa meia dúzia?
Foi neste momento que ele parou e ficou me olhando. Na hora até
fiquei meio sem graça, porque o achei muito bonito. Depois que
nos vimos ele começou a sempre comprar as verduras onde vendia.
E não demorou muito para começarmos a namorar, porque
ele sempre foi muito cavalheiro!
Dois anos depois, nos casamos e tivemos três filhos e juntos construímos
uma modesta casa.
Com uma maior estabilidade financeira, dona Sezaki começou a
pensar mais na realização de seus sonhos e lutar por seus
objetivos. Um deles era a vontade que tinha de aprender artes marciais.
Decidida, se inscreveu no curso de karatê e desde então
aceitou o desafio. Seus 60 anos não a impediram a ser uma boa
esportista.
“Na época em que entrei, lembro-me ter ficado um pouco
receosa. Vi tantos alunos jovens que pensei: puxa, sou a única
idosa na academia!” A timidez inicial, porém, nunca a fez
desistir do seu sonho de aprender a arte marcial. Um dos seus grandes
incentivadores foi seu professor, o atleta Fábio Furlan, de 21
anos, que não esconde a admiração por sua aluna.
“A dona Sezaki é um exemplo de mulher que, com muita garra,
luta pelo que quer e sabe os benefícios que esse esporte pode
proporcionar para a saúde”.
Um dos maiores medos de Sezaki era com relação ritmo dos
treinos, se conseguiria acompanhar as aulas, porque segundo ela o karatê
exige muito preparo e nem todas as pessoas conseguem se adequar aos
treinamentos puxados.
À medida que os treinos foram passando e ela foi mudando de faixa,
a vontade que tinha de treinar crescia cada dia mais. “Cada prova
era um desafio que enfrentava com muita determinação,
pois sabia até onde queria chegar”.
Além da vontade de aprender Sezaki, teve um grande apoio de suas
filhas, pois elas sabiam da importância do karatê em sua
vida. Já seu marido, Antônio Maeda, considerava o esporte
violento e não gostava da idéia de ver sua esposa envolvida
nesse tipo de luta. “Não acreditava que ela ia ficar muito
tempo praticado o Karatê Kyokushin, porque achava que esse tipo
de esporte era só de homens”, explica Maeda.
Mesmo não tendo muito apoio do marido Sezaki, conseguiu mostrar
que realmente tinha jeito para o esporte e gostava do que fazia.
Faltava apenas mais um teste para conquistar seu prêmio maior,
que era a faixa preta de Karatê. Mas um grave acidente de carro,
em 1994, fez com que seu grande sonho fosse ameaçado. Após
três meses, os médicos que a tratavam não tinham
esperança de que ela pudesse vir a se recuperar, assim todo seu
esforço seria em vão e ela não poderia mais viver
normalmente.
Sezaki, que sempre foi muito ativa e independente, aquilo seria sua
sentença de morte. Mas o pior ainda estava por vir. Uma junta
médica constatou que dona Sezaki não poderia mais praticar
esportes para não piorar sua saúde. “Achei isso
o fim do mundo”, conta.
Foi nesta fase decisiva de sua vida que Sezaki ficava lembrando de todas
as dificuldades que sofreu e tudo o que passou. Isso ajudou a motivá-la
a ultrapassar mais esse obstáculo.
Depois de quatro meses presa a uma cama, ela começou a caminhar
e aos poucos fazia algumas atividades do lar. Com sua convicção,
somada ao auxílio de muita fisioterapia, Sezaki aos poucos conseguiu
o que queria: voltar ao Karatê.
Hoje, além do título de faixa preta, ela continua a praticar
quase que religiosamente o esporte. A sua rotina inclui também
o trabalho na lavoura em um pequeno sítio em Mogi das Cruzes.
“Para comemorar essa minha nova fase eu fiquei tão feliz
que corri três mil metros em uma maratona no Parque do Ibirapuera”.
No ano passado, dona Sezaki matou a vontade de conhecer a terra de seus
antepassados: o Japão. “Fiquei tão empolgada que,
apesar do frio, não fiquei nem gripada”, conta, com um
sorriso de satisfação. Após tantos desafios e metas
conquistadas, seu próximo objetivo é conhecer a Itália
e escrever um livro. Qual é o segredo de tanta energia e disposição?
Talvez não haja uma resposta exata, mas ela dá uma dica:
"nunca me canso de sonhar. Ainda sou jovem e quero realizar muitas
outras coisas", ensina a sábia atleta.
* Perfil realizado por Daniela Tomiko, aluna do período diurno
da disciplina de Jornalismo Literário ministrada no campus Morumbi
no primeiro semestre de 2004.
|