Arquiteto por vocação
Dono de um talento único, Miguel Juliano não escolheu
ser arquiteto, foi escolhido pela profissão*
Desde que aprendeu a fazer os primeiros rascunhos na escola primária
de Brasília, Miguel Juliano já sabia que a arquitetura
iria acompanhá-lo durante toda a sua vida. E foi exatamente o
que aconteceu. Aos 76 anos, ele continua trabalhando com a mesma garra
do jovem de 19 anos que chegou a São Paulo na década de
40.
Seu escritório localizado na Vila Olímpia, zona sul de
São Paulo -- uma das regiões mais caras da cidade --,
fica em um prédio arrojado construído por ele. As salas
são decoradas com obras suas, há uma pintura que ganhou
do pintor e amigo J.R Aguiar que carinhosamente ostenta em sua sala,
no local há uma biblioteca recheada de raras revistas de arquitetura
de 1920 e livros de literatura. “Sou um amante da cultura”,
revela Juliano.
O arquiteto nasceu em Goiânia, mas saiu de sua terra natal aos
13 anos para estudar em Brasília, onde passou a morar com os
tios. Já na escola, Juliano revelava seu dom, participando de
concursos de desenho e deixando seus colegas para trás, pois
na maioria das vezes ganhava o primeiro lugar, mesmo sem ser formado
ou ter feito qualquer curso.
As primeiras plantas que fez foram com o arquiteto, professor e amigo
João Jorge Couri, que possuía um pequeno escritório
no Distrito Federal. Juliano o ajudava e aprendia numa troca mútua.
Couri passava a ele tudo o que sabia sobre arquitetura e o garoto interessado
em aprender coisas novas lhe fazia companhia aproveitando a oportunidade
de conhecer novas técnicas. “Couri era uma espécie
de pai, foi ele que me levou a primeira vez em um restaurante. Eu gostava
dele, anos depois o reencontrei em São Paulo e ele me deu um
abraço como o que me dava quando eu era um garotinho”,
relembra emocionado.
Miguel Juliano Silva veio para São Paulo quando começou
a trabalhar no departamento de cobrança de um banco que ele não
se recorda mais o nome. Dessa maneira conheceu pessoas que fazem parte
da história política do Brasil, como o ex-presidente Jânio
Quadros. Ele se recorda que Jânio se queixava do investimento
de 50 cruzeiros que fazia regularmente. “Não sei porque
deixo vocês arrancarem esse dinheiro de mim, não me serve
de nada esse investimento”, reclamava o ex-presidente.
Em 1955, Juliano conhece sua primeira esposa, Alva de Souza. Foram apresentados
por Rosa Juliano, prima do arquiteto. “Fiquei encantado, Alva
era linda, tinha pele clara, cabelos longos, lisos e pretos e um olhar
carinhoso”, diz Juliano. Começaram a namorar e em 1957
se casaram, a cerimônia foi somente no civil, “Não
tivemos nenhuma festa de arromba, mas tudo foi muito charmoso. Eu estava
nervoso, mas a felicidade de Alva me dava segurança e tranqüilidade”,
relembra o arquiteto. Menos de um ano depois, em 1958, Alva engravida
do primeiro filho, o qual recebe o nome de Miguel Juliano e Silva Júnior.
“Todos ficaram radiantes com a chegada de Julianinho.”
Realizado na vida pessoal, Juliano mantêm seus planos de estudar
e adquirir seu próprio escritório depois de formado. Quando
Julianinho completou dois anos, Alva engravida do segundo filho. Marco
Juliano nasce em 1960 e recebe este nome em homenagem a um tio do arquiteto
que havia falecido. Em 1964 nasce o terceiro filho de Miguel Juliano,
Marcelo Juliano. “Fui abençoado com esses três garotos”,
se emociona.
Nessa época Juliano ficava no banco até tarde fazendo
seus projetos de arquitetura, os quais mais tarde venderia para algum
arquiteto já formado. A faculdade ele ia adiando, já que
o tempo que tinha não era suficiente para estudar. Até
que ele abriu um escritório em sociedade com o engenheiro Daro
Eston de Eston, dessa maneira podia trabalhar e os projetos feitos por
ele eram assinados por Daro.
Em 1965 Miguel Juliano concretiza seu projeto de fazer uma faculdade,
cursando Arquitetura na faculdade Brás Cubas, em Mogi das Cruzes.
Assim que se forma, em 1970, desfaz a sociedade com Daro, pois já
podia fazer e assinar seus projetos sozinho.
O ano de 1971 foi marcado por uma tragédia pessoal. Sua esposa,
Alva, se suicida, sem deixar explicações. Juliano tem
uma avaliação pessoal sobre o ato da esposa: “os
suicidas têm dentro de si algo que os levam a cometer atos contra
si mesmos com o intuito de responsabilizar alguém. No fundo querem
que esta pessoa carregue a culpa de sua morte durante toda a vida”.
Sentimento de culpa nesta análise? Essa resposta não vamos
ter, pois, com um olhar perdido em um ponto qualquer, Juliano muda de
assunto.
Com a morte da esposa ele se viu com três crianças para
educar sozinho, Julianinho tinha 13 anos, Marco 11 e Marcelo 7 anos.
Agora ele era mãe também, além de ter que trabalhar
e estudar. “Dei tudo o que podia para eles, mas meu tempo era
escasso”. Diante do pouco convívio com o pai, os filhos
não têm atualmente um relacionamento harmonioso com o arquiteto.
“Não falo sobre meu pai”, diz Julianinho.
Miguel Juliano foi ganhando status profissional e seu nome começou
a ficar cada vez mais conhecido no ramo da construção
civil. Sua vida caminhava bem e para completar o momento calmo que estava
vivendo, se apaixonou novamente. Foi quando conheceu Suelly, arquiteta,
separada, com um filho pequeno de cinco anos. Como trabalhavam no mesmo
ramo, a aproximação foi acontecendo aos poucos. De colegas
profissionais, passaram a amigos e depois namorados. Em 1977 se casaram,
seus filhos ainda adolescentes ficaram enciumados, mas tiveram que aceitar
a união do pai. Como todo relacionamento o casal passou por altos
e baixos. Foi então que em 1995 se separaram. “Meu casamento
deu certo, ficamos juntos por 18 anos”. Juliano divorciou-se,
a ex-mulher foi morar nos Estados Unidos e ele seguiu com sua carreira
e com a educação dos filhos.
Os anos se passaram e Juliano fica cada vez mais conhecido no mercado.
Seus filhos já crescidos seguem suas vidas, levando uma rotina
independente à do pai. O filho mais velho, Julianinho (hoje com
46 anos), deu-lhe dois netos, Isabella com 8 anos e Rubem com 19 anos.
Juliano acompanha o crescimento dos netos, guarda fotos e cartinhas
de recordação, como a de Isabella: “Vovô,
eu sei que o senhor ficou bravo comigo porque ganhei de você,
não fica triste da próxima vez eu deixo o senhor ganhar”.
Ao ver o bilhete ele dá risada e derrete-se: “Minha neta
é linda”.
Aos 76 anos, mora sozinho em uma bela casa projetada por ele mesmo,
no Morumbi, bairro nobre de São Paulo. “Hoje é grande
para mim, era bom quando os meninos eram pequenos e moravam comigo”.
Para espantar a solidão, passa boa parte de seu tempo em sua
adega, lugar que conserva com carinho. “Ele tem xodó pela
adega”, diz a empregada Íris. Ainda se ocupa com o trabalho,
o grande prazer de sua vida. “Não tem horário, pode
ser de manhã, à tarde, à noite e até de
madrugada, é preciso a cabeça funcionar direito, e isso
nós não escolhemos, isso acontece”, ensina o projetista.
Entre suas obras destacam-se o Pavilhão do Anhembi e o recém-inaugurado
Sesc Pinheiros. O projeto exigiu bastante do arquiteto, que faz questão
de vistoriar passo-a-passo de sua obra. “É como um filho,
às vezes você faz o projeto de um jeito, mas acabam mudando
alguma coisinha, daí perde a essência, porque não
fica da forma que você imaginou”, lamenta o arquiteto.
* Perfil realizado pelos alunos Ana Cristina, Bianca Balsi, Diogo Cutinhola,
Gabrielle Navarro, Jonathas Ruiz, Michelle Lima e Pamela Marul, do período
noturno da disciplina Fontes e Reportagens Jornalíticas, ministrada
no campus Morumbi no segundo semestre de 2004.
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