Amor nos Classificados
Depois do divórcio, Carlos Augusto Lopes passa dez anos em relacionamentos
efêmeros até colocar um anúncio no jornal e encontrar
uma nova parceira
Felipe Alves de Lima*
Cidade de Campinas, no interior do estado de São Paulo. No
dia primeiro de abril de 1940 nasce um menino de cabelos e olhos castanhos
e pele alva. A vivência interiorana durou pouco, pois com apenas
dois anos Carlos Augusto Lopes veio para capital paulistana, já
que seus pais, Marina e Luiz, vieram buscar melhores oportunidades de
emprego.
“Em São Paulo, levei uma vida como qualquer criança
que brinca de bola na rua e vai à escola todos os dias”.
Até que por volta dos 15 anos, enquanto assistia a um filme no
quais os personagens se apaixonam em um cruzeiro de navio, mas como
viviam relacionamentos diferentes, combinam de encerrar seus relacionamentos
e de se reencontrar seis meses depois. “Eu nunca tinha namorado,
mas saí do cinema com a certeza de que um dia eu estaria com
uma mulher que eu amasse de verdade”. Passaram-se muitos e muitos
anos, mas aconteceu. Não a conheci em um navio como os protagonistas
da história, mas pelos classificados de um periódico paulistano.
Casei-me com minha primeira mulher aos 20 anos. Era muito jovem e imaturo.
Foi um casamento totalmente sem amor. Eu sonhava em ter uma família
porque sou filho único e minha história na infância
sempre foi de muita solidão e abandono, meus pais moravam juntos,
mas viviam praticamente separados. A família da minha ex-mulher,
ao contrário, era muito unida. Sempre fazia aqueles almoços
maravilhosos aos domingos. Aquilo me encantava, eu também queria
ter algo assim. Achei que o amor viria depois como uma dessas circunstâncias
da vida.
Na época, estava no segundo ano da faculdade de administração
na FGV. Todo mundo falava que eu era louco por estar me casando sem
terminar de estudar, mas eu desejava tanto construir uma família
que não me importava com as responsabilidades. Foi um engano
que arrastei por longos 15 anos, por acomodação e pela
dificuldade de assumir uma separação. Por mais que nós
não nos amássemos, existiam vínculos fortes estabelecidos
pelo nascimento dos três filhos. A mais velha, Marina, com 30
anos, o do meio Igor, com 25, e o mais novo, Caio, com 20.
Estranho mundo novo
A ruptura finalmente foi consolidada. Eu tinha uma família e
foi estranho morar sozinho. Logo depois da separação,
me mudei para um flat na região da Avenida Paulista. Tudo era
novo e difícil, era como se eu tivesse passado esse tempo dentro
de um casulo e, de repente, estava sozinho. Era como se eu tivesse ficado
congelado e o mundo tivesse mudado lá fora sem eu perceber.
O mais estranho era a forma como as relações amorosas
entre as pessoas aconteciam. Eu estava despreparado para enfrentar isso.
Vinha de uma geração em que os homens tomavam a iniciativa
de conquistar as mulheres, demorava até segurar na mão
e beijar. De repente eu entrava em um bar e as moças é
que se insinuavam para mim, ficavam me olhando de cima a baixo, puxavam
conversa. Resumindo, eu não sabia como agir.
Não que eu fosse careta ou preconceituoso, é que eu não
sabia mesmo lidar com esse novo mundo novo. Freqüentava bares e
outros locais para conhecer pessoas, mas, sem exagero, acho que nas
dez primeiras vezes eu entrei, olhei e não dancei com ninguém
de tão assustado que estava. E olha que não sou tímido.
Uma vez fui a um bar em Moema e uma moça me disse que apostou
com a amiga que me tiraria para dançar. Percebi que precisava
ajustar minha sintonia fina ao mundo real para não ficar de fora.
Acabei virando um bon vivant. Dei asas a minha liberdade, saía
com várias mulheres. Fiz tudo que não tinha feito quando
adolescente. Vivia de bar em bar, saía à hora que queria
e chegava à hora que bem entendia. Viajei para onde exterior
para conhecer outras culturas. Fui para a Europa, EUA e Japão.
Não tinha compromisso com nada, a não ser com meu trabalho
de administrador de empresas.
Desde que casei, eu administrava uma empresa do meu pai, de venda de
metais preciosos em São Paulo. Na época em que me separei,
a empresa começou a ter problemas por conta das mudanças
econômicas do país e por causa de problemas na economia
externa, em 1994, vendi minha parte. Resolvi então que ia dar
aulas de inglês, algo que já tinha feito por dois anos
para ajudar a pagar meus estudos e que adorava.
“Eu só não queria me prender a alguém. Era
honesto com as mulheres que se aproximavam de mim, dizia de pronto que
não queria compromisso. Nem por isso deixei de ser cavalheiro
mandava flores, pagava a conta etc. Essa é a qualidade que mais
prezo em um homem. Sempre fui muito educado, mas também muito
seletivo: detestava mulher que fumasse”.
Quando eu estava com uns 50 anos, dez anos após me separar, cansei
de farrear, de freqüentar os mesmos lugares. Nada mais me preenchia,
não era ali que eu encontraria a minha cara-metade. “Tudo
passou a ser muito parecido. Sentia um vazio e um grande desejo de encontrar
uma pessoa que eu amasse e que me amasse de verdade. No fundo era isso
que eu tinha buscado a vida inteira. Nesse tempo que passei livre, cheguei
a ter alguns casos, mas ninguém balançou meu coração,
não tive vontade nem de dividir uma rotina”.
Eu queria achar alguém, mas sabia que não bastava uma
pessoa só para acabar com minha solidão. Eu já
tinha cometido o erro de casar, pois queria uma família, não
iria fazer a mesma coisa de novo, com um objetivo diferente, ou seja,
não me casaria sem amor de novo.
Até que, em outubro de 2000, estava no Palmeiras, clube que freqüento
há muito tempo, e, enquanto esperava meus amigos para jogar futebol,
peguei a Gazeta de Pinheiros, que não costumava ler. Folheando-a,
encontrei uma seção de classificados bem diferente em
que se lia: “Homem procura mulher”, “Mulher procura
homem”, “Homem procura homem”, “Mulher procura
mulher”. Por curiosidade, li alguns anúncios.
Durante a semana aquilo não saiu da cabeça. Ficava pensando
o que leva alguém a procurar algo como isso, que tipo de pessoa
anuncia quem lê esses classificados? Será que eram pessoas
tímidas? O que esperavam encontrar? Há seriedade nos contatos?
Será que são verdadeiras no que anunciam e não
criam fantasias ou falsas expectativas? Todas essas questões
ficaram atiçando minha imaginação.
Comecei a me perguntar se um desses anúncios não seria
uma boa forma de conhecer alguém diferente ou com um perfil que
eu pudesse definir com antecedência. Ao mesmo tempo, ficava pensando
que era um absurdo alguém como eu, com a minha formação
cultural, colocar um anúncio desses no jornal.
Respirei fundo, me enchi de coragem e, meio envergonhado, mandei publicar
o seguinte texto: “Se você sabe do fundo do seu coração
que nunca amou de verdade, ligue para mim. Quero conhecê-la. Professor,
50 anos. Sozinho”.
Resposta para você
O anúncio saiu duas vezes na semana, uma terça-feira e
um domingo. Recebi do jornal um código de secretária eletrônica
e gravei uma mensagem bem romântica: “Por ter me casado
muito jovem, vivi um casamento de 15 anos totalmente desprovido de amor.
Estou querendo conhecer alguém com uma história parecida.
Será difícil? Deixe detalhes sobre você, seu telefone.
Gostaria muito de conversar com você. Obrigado por ter me ligado”.
E fiquei esperando as ligações.
Engraçado, depois que o anúncio saiu, eu perdi todo e
qualquer tipo de medo. Achei aquilo uma forma bem natural e tranqüila
de conhecer alguém para um compromisso mais sério. Não
tive preconceito. Se você está solitário e não
encontra ninguém que se encaixa nas suas orações,
a melhor coisa é colocar um anúncio deixando claro o que
você procura. Eu queria uma pessoa com uma história idêntica
à minha e que nunca tivesse amado de verdade. Isso era muito
importante, eu queria um amor de verdade.
As mulheres interessadas ligavam e deixavam um recado gravado. Para
minha surpresa, recebi mais de cem telefonemas. O nível sociocultural
das pretendentes, se é que posso chamar assim, também
me surpreendeu. Eram psicólogas, dentistas, professoras da USP,
advogadas. E todas tinham mais de 35 anos. Eu pensava: “Olha quanta
gente está sozinha! Devem estar passando pelo mesmo que eu”.
Ouvi todas as mensagens e organizei as respostas no computador. Na primeira
seleção, priorizei o que haviam dito e seu tipo de voz.
No entanto, liguei de volta para quase todas elas. Depois, fiz uma segunda
seleção a partir da conversa pelo telefone. Levei muito
em conta a forma de se portar na conversa, o jeito de falar e os detalhes
sobre sua vida.
Marquei encontros com apenas dez delas, geralmente em restaurantes,
bares ou um lugares mais sofisticados. Nessa história toda, vivi
alguns encontros insólitos. Um caso engraçado foi com
a filha de um juiz. Ela não estava na minha seleção,
mas insistiu tanto que acabei marcando o encontro. Fui apanhá-la
na casa dela, uma mansão. Quando ela apareceu, percebi o motivo
da insistência: era muito gorda, tão gorda que não
conseguia colocar o cinto de segurança. Quando ela entrou no
carro, falou logo que iria para um spa perder 20 quilos. Para mim tanto
fazia, porque ela não era mesmo meu tipo. Fomos para um restaurante
e, quando entramos, todo mundo parou para observar.
Uma outra me assustou pelo atrevimento. Logo no primeiro encontro, me
convidou a ir para Nova York com ela e disse que dinheiro não
era o problema, ela bancaria tudo. Também queria que eu jogasse
squash com o filho na casa dela. E eu nem sabia o que era aquilo! Senti-me
assustado. Se fosse outro, poderia ter me aproveitado da situação,
mas não era o que eu queria.
Nesses encontros pessoais pude me ater ao que interessava: nunca ter
amado de verdade. E, assim, de dez restaram duas. Ambas eram psicólogas,
tinham idades compatíveis com a minha. Uma tinha 38 e a outra
37. Uma morena de cabelos longos, a outra, loira de cabelos curtos.
Inteligentes, cultas, simpáticas e muito agradáveis. Mas
eu tinha esquecido de mencionar no anúncio que procurava uma
que não fumasse e a loira fumava sem parar.
Apesar disso, no primeiro encontro ela me encantou. Gostei da história
de vida dela, dos seus cabelos curtos e, principalmente, de ela estar
há muito tempo sozinha: separada há quase 20 anos, há
muito tempo não namorava, tinha perdido um filho quando ele estava
com 11 anos. Para completar, além de psicóloga, ela também
era professora de inglês nas horas vagas.
A morena fisicamente era mais atraente e não fumava, mas no fundo
não me vi com ela. Decidi marcar um segundo encontro com a loira.
Telefonei alegre em uma bela manhã de domingo e, para minha tristeza,
ela disse que não podia porque visitaria os pais. Perguntou se
poderia ser no próximo domingo. Triste pela recusa, achei que
foi uma maneira delicada de ela dizer que não havia simpatizado
comigo. Nos despedimos cordialmente e, apesar de eu achar que poderíamos
ter um relacionamento duradouro, intenso e único, eu também
sabia que não ligaria mais para ela. Puro sentimento de rejeição
machista mesmo.
Assim que desliguei, telefonei para a morena. Ela me atendeu carinhosamente
e concordou com o encontro para a mesma noite, mas ali eu já
sabia que aquela seria só mais uma aventura que terminaria em
solidão.
Depois que falei com ela, saí para comprar o meu almoço
no restaurante da esquina, como sempre fazia. Estava esperando o elevador
quando ouvi o telefone tocar. Normalmente eu deixaria a secretária
eletrônica atender, mas voltei correndo. Acho que foi a ação
do cupido que me fez atender. Era a loira! Meu coração
disparou. Ela disse que havia cancelado a visita aos pais e que poderia
se encontrar comigo naquela noite. Em outras circunstâncias, eu
simplesmente recusaria e marcaria para uma outra data, mas, sem hesitar,
aceitei e marcamos um cinema. Na hora liguei para a morena desmarcando
o encontro. Inventei uma desculpa qualquer que não lembro agora.
Foi assim que Julia Santos entrou na minha vida.
Começamos a namorar e só nos beijamos depois de alguns
encontros. “Esse é o encantamento. Sentir o outro pouco
a pouco”. Eu não queria avançar em nada. Pelo contrário,
queria curtir de forma bem tranqüila esse amor adolescente. Para
duas pessoas maduras, pode parecer estranho. Hoje a molecada transa
logo no primeiro dia. Nós transamos depois de duas semanas. Estávamos
supernervosos, mas nosso encontro na cama foi muito intenso. Logo no
início, levei-a para conhecer minha família. Cada detalhe,
palavra, gesto tinha uma dose de encantamento, de afeto.
Ela foi a primeira mulher que invadiu a minha privacidade, e que eu
permiti entrar de verdade na minha vida. Ela mudou completamente meu
lar, deu um toque feminino. Ela era a única que podia mexer na
minha casa, na minha vida. Eu não tinha dúvidas! Estava
amando de verdade.
Amor de verdade
Hoje eu sei que ela é a pessoa por quem esperei minha vida inteira.
Costumamos dizer que estávamos à procura um do outro até
o momento certo de nos achar. Ela já tinha procurado conhecer
pessoas pelo jornal, mas nada que a interessasse. E ela morava perto
da minha casa. É muito provável que já tivéssemos
nos cruzado sem nos conhecermos.
Só algumas coisas precisaram ser aparadas. Eu odiava cigarro
e me apaixonei por ela mesmo assim. Mas, depois de um tempo, ela acabou
largando o vício de uma vida. Ela também não gostava
de muitas de minhas manias, como usar pulseirinha e cordão de
ouro, fazer as unhas e, principalmente, andar com meu anel de formatura.
Também não suportava um ventilador pequeno que eu usava
dentro do carro e o excesso de perfume que eu passava. Abri mão
de tudo isso com grande vontade.
Em fevereiro, menos de quatro meses depois do nosso primeiro encontro,
ela se mudou para casa. Em abril, fomos para Nova York e visitamos o
Empire State Building. Eu subi primeiro e fiquei esperando. Quando a
porta do elevador abriu, nos abraçamos muito e assim reproduzimos
uma cena de “Tarde demais para esquecer”, meu filme favorito
Em setembro fomos de novo para Nova York e foi quando eu a pedi em casamento.
“Nenhum dos nossos amigos sabe como nos conhecemos. Eu não
mantenho contato com os meus filhos e infelizmente eles não sabem.
Agora todo mundo vai descobrir. Não é vergonha nenhuma
conhecer alguém pelo jornal. Foi a decisão mais feliz
que tomei para achar a mulher da minha vida. De vez em quando, folheio
o jornal e leio a seção de classificados com um sorriso
nos lábios, torcendo para que outro solitário tenha a
mesma sorte que eu.”
* Felipe Alves de Lima, 23, é estudante de jornalismo do UniFIAMFAAM.
Entrevistou o perfilado em uma tarde ensolarada de 15 de novembro de
2005, quando o casal tinha acabado de voltar de Santos, onde para tinham
ido aproveitar o feriado prolongado.
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