NA ERA DO
INFOTAINMENT
Oportunidades para a mídia, encruzilhada para o jornalismo
Por Luciano Martins Costa (Observatório da Imprensa)
O "novo paradoxo
do jornalismo" reportado no relatório anual The State of the News
Media 2006, do Project for Excellence in Journalism, ligado à Escola
de Jornalismo da Universidade de Colúmbia – segundo o qual cresceu
em 2005 o número de títulos, que no entanto estão cobrindo
menos assuntos e com menor profundidade – coloca diante de nós,
fazedores e observadores da imprensa, uma questão crucial: estamos, afinal,
caminhando para o fim do jornalismo que conhecemos, e que ajudou a construir
as modernas democracias do Ocidente?
Os elementos dessa equação estão postos. As antigas famílias
proprietárias dos meios estão deixando a gestão de suas
empresas, quando não as estão entregando para os credores. Os
grandes conglomerados de mídia, que nos últimos dez anos se revelaram
autênticos predadores, engolindo redes inteiras de jornais, cadeias de
rádio e TV, portais e tudo que parecia apetecível ao capital,
estão se defrontando com a dura realidade. (Leia a manifestação
do anticristo do jornalismo, Rudolph Murdoch, neste Observatório, sobre
o jornalismo fast-food).
Os lucros continuam caindo, o público migra para o ambiente digital,
onde não há receita suficiente para saciar o apetite do capital,
os leitores mais fiéis, concordes com a natureza humana, envelhecem e
morrem.
Quem vai fazer?
Nesse rumo, o capital se desinteressa daquilo que costumamos chamar de jornalismo.
Já é muito claro que os grandes conglomerados praticam com mais
gosto aquilo que em inglês se chama infotainment – a mistura de
informação e entretenimento que usa jargões do jornalismo
para se revestir de certa seriedade. Em escalas variáveis, encaixam-se
nesse padrão o Programa do Jô, o Programa do Ratinho, a revista
Veja, os programas de "debates" sobre futebol, as publicações
voltadas para o consumo de luxo. Sem a presença das tradicionais famílias,
que aos poucos perdem espaço nesse ambiente, e com as gigantes do setor
se desinteressando do jornalismo de qualidade, onde ele irá acontecer?
Os blogs, salvo algumas exceções, ainda são território
para autolustração de egos mais ou menos bem equipados de conteúdo.
Os jornais gratuitos ainda se prendem a funções de serviços
e não aceitam o desafio do jornalismo de maior risco, aquele que também
implica maior responsabilidade social. As emissoras comunitárias de rádio
e TV resistem a buscar um padrão profissional aceitável; as emissoras
universitárias não têm recursos nem mentalidade, nem mesmo
estão vocacionadas para esse papel.
Estamos vendo crescer e se consolidar uma mídia cada vez com menos jornalismo.
Com tantos demônios para exorcizar, a sociedade humana talvez nunca tenha
necessitado tanto de uma imprensa séria, independente, socialmente engajada
e intelectualmente ambiciosa como a sociedade contemporânea. Quem vai
fazer esse jornalismo essencial? Quem ensinará os futuros profissionais
de imprensa? Haverá ainda uma imprensa que possamos qualificar como tal?
20 de Março
de 2006