Entrevista Gustavo Venturi Junior:
Sociólogo
– 29/07/2008
Gustavo Venturi Junior é mestre em Sociologia e doutor em Ciência Política pela USP. Trabalhou 11 anos no Instituto de Pesquisas Datafolha (1985/96), dirigindo-o por 4 anos, onde participou da elaboração e análise de cerca de 1.100 surveys de opinião pública e de 400 estudos de mercado. Estruturou e coordenou o Núcleo de Opinião Pública da Fundação Perseu Abramo (1997/08), onde desenvolveu pesquisas sociais e publicou sobre diversos temas (cultura política, gênero, racismo, juventude e velhice), com ênfase em desafios metodológicos. Foi diretor operacional da Criterium Assessoria em Pesquisas (2001/08), voltada para estudos de opinião e avaliação de políticas públicas, atendendo governos e campanhas eleitorais. É pesquisador do Centro de Estudos de Opinião Pública (CESOP- UNICAMP), membro do seu Conselho Orientador desde sua criação, e pesquisador do Núcleo de Estudos para Prevenção da Aids (NEPAIDS- USP).
1-) Para você, como pesquisador do Datafolha da era “pré-internet”, e agora, trabalhando num instituto na era “pós-internet”, o que mudou?
Eu peguei essa mudança no Datafolha bem no seu início, quando agente começou a usar e-mail, o nosso era, na época: folha@folha.com.br. Isso foi antes do UOL, agente estava numa fase experimental, e logo depois eu saí, em 1996 – eu vivi apenas um ano de Internet lá dentro. De lá pra cá, nessa última década, muita coisa avançou. A Internet cresceu muito, com o avanço da banda-larga. Começou com os modems de 8kbps, depois 16, 28 e 56 que já era feroz, algo impressionante para você plugar na linha telefônica. Eu acabei não pegando muito a mudança mais atual, mas o surgimento do UOL e o surgimento das versões on-line dos jornais certamente causou uma mudança grande, com redações próprias. Eu não acompanhei isso de dentro, e sim como usuário. A Internet já existia há algum tempo, mas essa última década foi significativa em termos de mudança. O acesso público só passou a se ampliar nos anos 90 e hoje é algo inimaginável. Tivemos esse apagão [1] de 36 horas há dois dias que parou tudo, as pessoas não conseguem conceber mais o dia-a-dia sem o uso da Internet, não só no trabalho, mas nos negócios, nas relações pessoais e tudo mais.
2-) Como você enxerga as empresas Folha/Estado dentro dessa nova era? Você acha que elas ficam de fora do negócio?
Como empresas que trabalham com informação, todas estão passando por uma crise de adaptação. Não está muito claro o quanto que os veículos impressos vão sobreviver. Eu acho que seja uma questão de tempo, talvez a sobrevida deles seja maior do que se imaginou num primeiro momento, mas eu acho que dentro de duas décadas exista muito pouco em termos de jornal e outros materiais impressos, o que vale para os livros também. A tendência é essa, você agride menos o ambiente, você não precisa de uma produção tão grande de papel. E, mais do que isso, estão surgindo gerações que em que o meio digital é muito familiar, que não vão ter as dificuldades de adaptação que as gerações anteriores ainda têm. Eu lembro que teve uma época em que lançaram um software que você lia o jornal no micro e quando você virava a página ele fazia um barulhinho de página virando, para que as pessoas tivessem a sensação de que estavam manuseando o jornal impresso. Mas isso é uma necessidade de quem cresceu lendo o jornal no papel. Isso tudo, até aqui, é relativo ao meio, de como ele se apresenta, mas tem outra questão que está colocada nesta mudança, que é a questão do conteúdo. Quando você tinha somente o jornal impresso, as regras eram baseadas no fato da informação ir “ao ar” uma vez por dia, o jornal diário. Ou uma vez por semana se fosse uma revista semanal. Supõe-se que você tinha um tempo muito maior para a apuração das notícias e de preparo delas. Hoje, o noticiário da Internet fica meio a uma disputa dentre os diferentes veículos em que o que vale é você dar a notícia o mais rápido possível, até porque a possibilidade de correção depois é muito rápida. Isso acaba tornando o veículo menos confiável, pois volta e meia você vê saindo muita bobagem, que depois de uma hora ou duas vem o desmentido dizendo que não era bem aquilo. Outro dia saiu uma notícia que tinha caído um helicóptero e não era nada disso. A notícia aparece num veículo e todo mundo replica, mesmo sem apurar, porque ninguém quer levar furo. Isso é algo que tem acontecido com muita freqüência, principalmente em casos como esse, de acidentes e coisa e tal. Isso é algo que tira um pouco da confiabilidade das notícias, e é uma mudança que não diz respeito de como a notícia chega, mas da maneira de como ela é produzida. Isso também mudou muito.
Quanto a estas empresas ficarem de fora do mercado de informação, é uma questão de tempo. No curto prazo acho que não, acho que o jornal vai continuar a ser o carro-chefe dessas empresas. No caso da Folha de S.Paulo. Eu não sei, hoje, em termos de receita, o quanto que o UOL traz para o jornal e quanto que o jornal traz, imagino que a receita do jornal ainda seja maior. O Estado já é um grupo que tem rádio, tem outros veículos. Você tinha o New York Times nos Estados Unidos que resistiu muito para fazer mudanças, para ter uma edição on-line, mas agora já tem, torna-se inevitável. Acho que vai ser uma mudança gradual, vai chegar um momento que, talvez por tradição, ainda se mantenha, em respeito a alguns consumidores mais antigos, a versão papel. Mas isso vai diminuir ao longo do tempo e a outra vai crescer. Vai chegar um momento que, operacionalmente, não vai mais compensar ter uma gráfica e manter todo aquele operacional que o jornal impresso demanda. É uma produção industrial que era a única alternativa, na medida que surge a Internet que é mais barata, ela tende a se tornar a opção, mas isso não muda a questão de produção de notícias, apenas a maneira de distribuí-las.
3-) Nós sabemos que muita coisa mudou dentro desses jornais nos últimos anos, a começar pela mudança patronal e pela injeção de capital estrangeiro em parcerias/fusões. Você acha que essa é uma tendência (sinergia)? A “sinergia” da Folha pode explicar o seu melhor desempenho atual frente ao Estado?
Você tem dois movimentos muitos fortes, recentes. Um é a fusão de empresas de um modo geral, agente tem assistido a grandes fusões nos últimos tempos, e isso vai desde siderúrgicas até empresas aéreas, de cerveja, do que você quiser, de qualquer área, todos os ramos estão passando por isso. O Brasil tem uma legislação restritiva ainda, que diz que empresas de comunicação se limitam à cerca de 20% de capital estrangeiro. Isso vem sido discutido, é um limitador que vem segurando muito as companhias desse setor. Aparentemente é um movimento que é difícil de segurar, vai ter muita pressão para se mudar essa legislação no curto prazo, abrindo portas para o capital estrangeiro. O capital circula livremente e vai em busca das melhores alternativas em qualquer parte do mundo, o Brasil é um mercado atraente, e esse capital vai querer entrar aqui. Tem conseqüências evidentemente, essa legislação, não tenho certeza se ela é de origem ainda da época da ditadura militar, mas ela é nacionalista, ela refere-se um pouco aos conteúdos, que vai fazer a cabeça das pessoas e coisa e tal, de certa forma é uma defesa aos valores culturais, da nacionalidade. Mas o mundo está cada vez mais globalizado, a Internet tem muito haver com tudo isso. Você vê a dificuldade de países que têm censura sobre a Internet, isso porque qualquer um, com um aparelho muito simples acaba acessando notícias no mundo todo, e isso é inevitável. Dessa forma, creio que essa legislação dentro em breve deve ser considerada obsoleta e vai se abrir o capital para outras coisas, isso em termos gerais.
Outro detalhe, que se relaciona com os meios de comunicação e a produção de conteúdo, é aquela questão da fusão, da convergência dos meios, aquela idéia de que em muito pouco tempo agente não vai ter uma televisão aqui e um computador ali, vai ser tudo um aparelho só. O celular que vai ser ao mesmo tempo computador e TV, isso gera, para os meios de comunicação, uma disputa muito grande. Quem está na área de telefonia quer entrar na produção de conteúdo, e quem está na produção de conteúdo, quer entrar dentro dessa área dos meios diversos. É uma aposta que muita gente está fazendo, e vai ter muita mudança nesse sentido, com fusões, e o capital vai buscar essas oportunidades, quanto a isso eu não tenho a menor dúvida.
Quanto ao fato da mudança patronal e da postura mais profissional da Folha em relação ao Estado como um indicador do desempenho dessas empresas, eu posso dizer o seguinte. O Estadão sempre foi mais familiar. Quando eu trabalhava na Folha, agente costumava dizer que, pro bem ou pro mal, a Folha só tinha dois herdeiros. O Frias só tinha dois filhos, enquanto no Estadão, que era de uma família mais antiga e tradicional, você tinha vários Mesquitas, uns 10 ou 15 que iam chegando na empresa e que sempre a mantiveram bem familiar, em todas as áreas tem um Mesquita atuando. Isso deve ter retardado essa tendência de mudança mais moderna de gestão, de abrir o capital em relação às empresas familiares, de ter menos ingerência do dono original, ser menos pessoal. Outras empresas também passaram por isso. Aliás, é muito difícil para uma empresa familiar, com esse tipo de gestão, de ela abrir o capital, ela não encontra acionistas dispostos a lidar com as vontades pessoais, com os eventuais caprichos dos donos. Enquanto que se você tem uma previdência que não é, mesmo que acionista, mas não majoritária, mais aberta ao capital, isso favorece, em tese, à uma modernização, as relações no trabalho etc.
4-) Poderia ser uma saída para os jornais que perdem seus leitores, deixarem-se levar pela sinergia globalizada, mas ainda sobrevivendo como marcas locais?
Em teoria a marca é muito forte. Você tem que levar em conta que a leitura dos jornais no Brasil nunca foi muito ampla. Na Argentina os jornais têm uma tiragem muito maior em um país com uma população muito menor, isso por conta de perfil de escolaridade, perfil cultural da população. Aqui você ainda tem uma taxa razoável de analfabetos e outros problemas, então, o jornal, mesmo aqueles mais populares, têm tiragens pequenas. Com a entrada dos veículos digitais nessa história, pode ser que ocorra algo muito semelhante ao que aconteceu com os celulares em alguns lugares onde o telefone fixo não tinha chegado, queima-se uma etapa. Eu tenho a impressão que pode crescer a base de leitores e consumidores de notícias no país, mas que isso não passe mais pelo impresso. Como em lugares que o celular chegou e o telefone fixo não, e não vai chegar nunca mais. Ninguém vai investir na construção de uma rede fixa que é custosa enquanto as pessoas já foram atendidas, a demanda já foi suprida. É possível que no Brasil, mesmo com um avanço na escolarização, se queime essa etapa. É claro que existem setores da população, principalmente setores velhos em que o jornal impresso continue sendo uma referência importante e cultural por muito tempo, pelo menos até que as novas gerações cresçam e se tornem os principais consumidores. E quanto à marca, ela pode ser trabalhada e pode fazer essa transição, poderemos ter os jornais Folha de S.Paulo e O Estado de S. Paulo, que já tem as suas versões on-line, eu não sei como eles têm trabalhado isso, não acho que isso vá fazer desaparecer a marca do grupo [o eventual fim das versões impressas].
5-) O cenário da crise dos impressos nos EUA e alguns países da Europa é muito mais intenso e preocupante se o comparados com o brasileiro. Qual fator, na sua visão, influi para essa diferença? A maior inclusão digital americana, a exclusão digital e o analfabetismo no Brasil, não são fatores que influem nessa diferença?
Isso é curioso, de fato a crise lá foi maior, talvez por causa disso. A penetração da Internet lá é muito maior e o crescimento foi mais rápido. Aqui no Brasil está crescendo muito, na América Latina é o primeiro ou está entre os primeiros, mas comparado com os Estados Unidos creio que isso fez diminuir a queda de vendas dos jornais por aqui. Acho que houve até um ganho, se recuperou um pouco das tiragens que vinham despencando. Mas creio que isso foi um soluço no meio de uma tendência que é de queda, vai ser difícil os jornais se manterem como estão. No médio prazo a tendência é cair.
6-) (Em referência ao estudo de Philip Meyer). Como você vê a questão da credibilidade dos jornais na atualidade?
Eu acho que a credibilidade é um fator que está sempre presente. Os veículos costumam afirmar a sua independência, a sua credibilidade. Mas no Brasil temos o exemplo de que, em 2006, todos os veículos impressos, principalmente a Folha, o Estadão e a Veja pegaram pesado contra a reeleição e se deram mal porque a população ignorou. Isso tem haver com a baixa penetração deles também, e tem a questão comercial. Eu lembro que a Folha que tratava as empreiteiras como empreiteiras, no dia em que ela fez um acordo com a Odebrech, que passou a ter um acordo com o jornal impresso – agora não me lembro dos detalhes, mas foi um socorro que ela deu ao jornal nos anos 90 –, no dia seguinte ela deixou de ser chamada de empreiteira e passou a ser construtora. Então esse é um problema que está ligado com a perda, vamos dizer, do risco de perda da capacidade crítica dos jornais em se manterem independentes quando de fato eles dependem do poder econômico. Ao mesmo tempo eu acho que ainda está longe [a perda da credibilidade], a credibilidade dos meios de comunicação ainda é muito alta, inclusive da televisão. Embora tenha essas crises pontuais, eu vejo que a população de forma geral ainda não tem uma formação critica, uma educação critica suficiente para questionar os meios, e tende a achar que se saiu na televisão ou deu no jornal é verdade. Essa é a postura básica da maioria. Isso só muda com o tempo também e depende de como os veículos se comportem, nem sempre eles ajudam. Mas eu acho que a credibilidade deles é maior em relação a tudo o que já fizeram. Nesse ponto eu sou um pouco cético, eu acho mais fácil os jornais perderem público pela questão da mudança dos meios do que pela perda de credibilidade.
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[1] O serviço de banda-larga da Telefônica, Speedy, ficou indisponível na maioria dos municípios do estado de São Paulo entre os dias 2 e 3 julho de 2008.