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Cabrini fala sobre o trabalho do correspondente de guerra.

Francisco Roberto Cabrini, mais conhecido como Cabrini, nasceu dia 3 de outubro de 1960 na cidade de Piracicaba, interior de São Paulo. Talentoso, começou muito cedo na profissão. Aos 17 anos já era repórter da Rede Globo. Hoje, aos 43, com bom humor e respeito mesmo quando algo dá errado, apresenta o telejornal da Rede Bandeirantes, depois de ter ancorado o programa Diário de Guerra, que tratava do conflito travado entre Estados Unidos e Iraque. Especializado em jornalismo investigativo, o repórter foi protagonista de furos que dariam inveja a qualquer um. Como quando localizou em 1993, em Londres, o empresário Paulo César Farias, ex-caixa da campanha de Fernando Collor, que estava foragido da justiça. Cabrini foi correspondente internacional durante oito anos, o que lhe deu a oportunidade de cobrir algumas guerras. Nossa entrevista girou em torno dessa experiência.

Primeiro Momento: Há quanto tempo está na profissão?
Roberto Cabrini: Há 25 anos.

PM: Em quais campos trabalhou dentro da profissão?
Cabrini: Atuei como correspondente durante oito anos no exterior. Metade do tempo em Londres e a outra em Nova York, como enviado especial. Me especializei em matérias investigativas e ganhei vários prêmios atuando nesse ramo do jornalismo, como o prêmio da APCA, a Associação Paulista dos Críticos de Arte.

PM: Antes de se tornar correspondente, o que pensava sobre a profissão?? Você imaginava ou sonhava em um dia se tornar um?
Cabrini: Foi uma coisa evolutiva. Após cobrir a Copa do Mundo da Espanha com 22 anos, senti a necessidade de dar uma dimensão maior ao meu trabalho. Então fui para o exterior, estudei nos Estados Unidos, comecei a fazer reportagens internacionais e minha carreira ganhou uma nova dimensão. Com 32 anos, em 92, fui para Londres, me tornei correspondente, e comecei a cobrir grandes conflitos internacionais. Estreei cobrindo o assassinato do juiz Giovanni Falcone, na Itália, e nunca mais parei. As matérias investigativas têm sido a tônica do meu trabalho.

PM: Como foi o primeiro contato com a guerra?
Cabrini: Minha primeira experiência foi no Curdistão, Iraque. É uma guerra extremamente exigente em termos físicos e psicológicos. Você precisa andar muito, subir montanhas, aprender a cuidar de si próprio. As primeiras explosões te assustam, mas com o tempo você vai se acostumando a elas, ao cenário de constante destruição. Nessas situações você passa a se conhecer melhor.

PM:E o medo? Como você lidava com ele?
Cabrini:O medo é bom, pois ele sinaliza que o perigo está próximo. Mas não pode deixar que você pare de raciocinar, pois pode causar confusões na suas atitudes. Eu percebi que em uma guerra o autocontrole é importantíssimo, pois se sabe que a qualquer momento algo de ruim pode acontecer. Em uma guerra não existe posição segura. Existem riscos maiores ou menores. Mas quando se está completamente comprometido com a sua profissão, você aceita esse desafio.

PM: Qual era a sua principal preocupação?
Cabrini: Eu tento sempre cobrir uma guerra de modo que proteja a população civil e os direitos humanos. Mostrar como a população poderia se ver livre desse flagelo. Pois em uma guerra não há vencedores. Todo mundo perde com ela, e quem perde mais é a população, que na maioria das vezes não tem nada a ver com o que está acontecendo.

PM: Há um grupo de apoio ao jornalista, ou é complicado trabalhar assim?
Cabrini: Você tenta buscar algum tipo de apoio no exército que você está momentaneamente cobrindo, procura uma pessoa que possa lhe dar retaguarda. Mas nunca tem segurança.

PM: Você já passou por alguma situação de risco por conta disso?
Cabrini: Já. Uma vez eu e meu cinegrafista fomos capturados pelos Talibãs, pois estávamos em uma vila que tinha fornecido alimento ao exército inimigo. Nós achamos que iríamos ser executados e nessa hora eu vi que tenho o autocontrole necessário para esses momentos, ao contrário do meu cinegrafista, que entrou em desespero. Conversei com o capitão e expliquei que tínhamos nos perdido, o que não era a verdade, mas no momento foi a explicação mais adequada. Tudo acabou bem e fomos até convidados para um banquete.

PM: Como você procurava as fontes? Como sabia quais eram seguras e quais não?
Cabrini: Todos os países têm a sua versão da guerra e cabe ao jornalista ouvir todos os lados para poder tirar conclusões verdadeiras. É preciso ouvir o maior numero possível de lados envolvidos. A verdade total de uma guerra talvez você nunca tenha, mas é preciso buscá-la por mais difícil que seja.

PM: Você já passou por situações de perigo por confiar em fontes inseguras?
Cabrini: Perigos você sempre passa. Como as minas terrestres.... Mas nunca sofri nenhum risco por perguntar algo a quem não devia.

PM: Havia muita pressão por parte das chefias para que você tivesse sempre novas informações?
Cabrini: Não, não havia essa pressão. Mas, por exemplo, uma vez eu e minha equipe ficamos presos no caminho do Curdistão, pois os conflitos tomaram a fronteira e perdemos o contato com a base no Brasil. Fomos dados como perdidos de guerra. Mas são coisas que acontecem.

PM: O que não pode ser divulgado? E o que se é obrigado a divulgar?
Cabrini: Todo mundo quer divulgar coisas que são importantes para o seu regime. A manipulação da verdade é algo constante em uma guerra.

PM: A imprensa também tenta manipular essa verdade ?
Cabrini: Não. Há jornalistas e jornalistas. Alguns se deixam manipular e outros, não. Não se pode generalizar. A palavra credibilidade é muito valiosa em nosso meio.

PM: Qual guerra foi mais marcante?
Cabrini: Houve duas. No Curdistão, quando uma cidade foi devastada pelas armas químicas, foi uma experiência muito marcante. Ela foi devastada e até hoje não se recuperou. E em Cabul, no Afeganistão, quando a cidade estava sendo bombardeada. Você tem um sentimento de impotência diante da situação. Aquele bombardeio fantástico de luzes que parecem um show e na verdade estão matando diversas pessoas e fazendo o mal. As duas foram extremamente marcantes.

PM: Há alguma história em especial?
Cabrini: Histórias são muitas. A maioria delas marcou pelas dificuldades que eu enfrentei. Quando eu estava na montanha passava muito frio, muita fome. Convivia com a morte lado a lado e com o sofrimento das famílias que perderam alguém. Um dia, andando no sul do Afeganistão, peguei carona com um comboio Talibã. E o único lugar que poderíamos ser transportados era ao lado de vários caixões .Nós aceitamos a carona, pois era imprescindível. De repente a tampa de um dos caixões se abriu e o combatente pegou um fuzil e bateu o prego. São imagens inusitadas. Mas também se vê imagens de solidariedade. Uma vez, depois de passar muita fome, um combatente curdo, que até desconfiava da nossa presença, nos deu um tomate. Foi algo que eu nunca esqueci. Isso muda a sua concepção de vida e te enriquece como jornalista, se você conseguir sobreviver.

PM: O que você levou disso tudo para a sua vida e, principalmente, para o trabalho?
Cabrini: Profunda humildade em relação à vida.

PM: E no seu trabalho, o que isso te ajudou?
Cabrini: Quando você assiste a uma guerra pela televisão e lê sobre elas nos jornais, pelo que é divulgado pelos canais internacionais, como a CNN, é muito distante do que é a verdadeira guerra. A gente pensa que assistindo às redes internacionais estamos informados. Isso não é uma verdade. Pois recentemente, enquanto o mundo todo estava direcionado à guerra do Iraque, uma guerra estava acontecendo na África e ninguém estava dando importância. Nós temos fragmentos da realidade e pensamos que ela é completa. Isso é um engano.

PM: Quando comenta-se que alguém quer enfrentar a tarefa de ser correspondente, sempre se questiona se seria melhor não haver guerra. Se lhe perguntassem isso, o que você responderia?
Cabrini: Seria muito melhor se não houvesse guerras. Se um jornalista chegar ao ponto de torcer para que aconteça uma guerra, ele estará com algum distúrbio. Mas se ela existe, ela precisa ser coberta, exibida, refletida. Até como uma denúncia, como um alerta.