Prof. Ms. Pedro Luiz de Oliveira Costa Bisneto
Escritor, Pesquisador e Jornalista
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Internet, Jornalismo & Weblog
Os Blogs como Novo Meio de Expressão Jornalística

Don’t get too cocky, no matters how good job you’ve done.
Keep your self small, innocuous: be a little guy, the nerd,
the leper, cheap chicken surfer” – Devil’s talking
[1]

Os blogs são a mais nova força do jornalismo no âmbito das novas mídias - a Internet e os dispositivos conectivos diversos, como celulares, GPS, handhelds etc. - e da grande mídia como um todo. Com base em diversos estudos científicos envolvendo acadêmicos, jornalistas e inúmeros estudiosos da comunicação, o artigo à seguir analisa este fenômeno comunicacional contemporâneo com o intuito de clarificar um pouco o surgimento dessa nova forma de publicização de informações via World Wide Web.

Segundo o professor da School of Journalism (EUA) Rosental Calmon Alves, o blog é a mais nova modalidade de jornalismo online, embora ainda existam muitos jornalistas e acadêmicos que relutem em aceitar essa idéia. Calmon Alves revela o porquê dessa relutância e expõe a sua análise sobre a questão:

Os jornalistas inicialmente viam com desdém os blogs, mas foram aos poucos entendendo que se tratava de um fenômeno importante, estreitamente ligado às transformações impostas pelo jornalismo digital. Jornalistas e empresas jornalísticas precisam entender que o blog é apenas um instrumento. Com essa ferramenta nasceu, de baixo para cima, a partir dos cidadãos comuns, uma nova linguagem, uma formatação narrativa que pode muito bem servir para o jornalismo. Assim, em vez de ficarem empacados na inútil discussão para determinar se blog é ou não é jornalismo, muitos jornalistas e jornais adotaram seus próprios blogs, levando para eles os mesmos valores que aplicam nas formas tradicionais de jornalismo. Uma das vantagens que encontraram neste novo formato foi o diálogo com os leitores (Alves, 2006:100).

Se entendermos as iniciativas que surgem do lado do internauta, como os blogs, e que ganham relevância para o jornalismo, vemos que as inovações dessa habilitação estão surgindo de fora das instituições, portanto não são inovações do jornalismo, e sim dos internautas (e/ou empresas de tecnologia). Sendo ou não inovações do jornalismo, sem dúvida, o blog e outras ferramentas são inovações para o jornalismo – assim como a invenção da prensa gráfica possibilitou novas práticas para o incipiente jornalismo em sua época. “Os blogs e todos esses sistemas novos podem parecer frágeis, pouco confiáveis e pouco sérios. Mas eles são uma demonstração de criatividade e inovação que está acontecendo fora do âmbito do jornalismo tradicional” (Alves, 2007:101). Para Calmon Alves, a lição dos blogs tem que ser entendida como a prática de um jornalismo mais comunitário, mais participativo, e cita vários exemplos de sites e comunidades informativas[2] que estão inovando dentro deste conceito. E mais, estão ganhando uma relevância cada vez maior dentro da opinião pública.

Um "assentamento virtual"

Essa nova prática estaria ligada ao conceito de “virtual settlement” [3], que, de acordo com a mestra em Comunicação e Novas Tecnologias Juliana Lúcia Escobar (UERJ):

É entendido como um lugar simbólico situado no ciberespaço que teria a função de territorialidade necessária para a constituição de laços comunitários entre os indivíduos. É um delimitador de fronteiras simbólicas e não concretas. Funciona como o suporte para a verdadeira comunidade virtual e é imprescindível para que esta se forme. No entanto, a mera existência de um virtual settlement não garante o estabelecimento de uma comunidade virtual. Uma sala de bate-papo, por exemplo, é um virtual settlement mas somente dará origem a uma verdadeira comunidade virtual se as pessoas de fato utilizarem este lugar no ciberespaço para a criação e manutenção de laços e relações sociais. Comunidades virtuais surgem a partir dos usos que as pessoas fazem de um determinado virtual settlement (Escobar, 2007:11 citando Quentin Jones).

Dessa forma, a Internet – ambiente altamente conectivo – facilita esse tipo engajamento comunitário onde poderíamos encaixar o fenômeno dos blogs. O blog é a ferramenta comum dos indivíduos; a blogosfera, é a comunidade dos blogs, composta de laços simbólicos cujas conexões vão além das simples ferramentas disponíveis que facilitam a interatividade/conectividade. Existem laços que vão sendo construídos pelos indivíduos, incluindo o jornalista, que dão um novo fluxo para a informação dentro do ciberespaço, seja qual for a natureza dessas informações. Nesse sentido, poderíamos afirmar que o jornalismo na web – palco do indivíduo – se relaciona com este através de um tipo de virtual settlement expresso pelo surgimento da blogosfera (entre outras formas de agrupamento virtual). Entendemos que essa comunidade, a blogosfera, é um espaço virtual altamente interconectado que também conecta diversos outros virtual settlements, ela não tem um ponto de encontro, uma única URL (ou poucas), ela representa os laços que vão se formando entre diversas comunidades, instituições e indivíduos, entre blogs, blogrolls e diversas formas interconectivas. Esses laços, que compõem o fluxo informativo dos blogs, é algo que se apresenta de forma pouco compreensível, de difícil mensura. Dentro daquela idéia da igreja liberal, poderíamos dizer que o fluxo dos blogs e blogrolls seguem a pregação que diz que “Deus escreve certo por linhas tortas”, onde podemos entender que eles nunca apontam para os mesmos caminhos, caminhos esses que, além de divinamente liberais, também podem levar aos mais traiçoeiros precipícios como na mitológica descrição do Inferno de Dante Alighieri.

Quem entende o blog como a melhor solução, até então surgida, para a prática do jornalismo online é a professora e mestra em Jornalismo Mariana Della Dea Tavernari (USP), que afirma: “A remediação do conteúdo jornalístico só atinge sua potencialidade ótima com o surgimento dos diários virtuais, que favorece a troca de informações de modo bilateral e interativo” (Tavernari, 2007:5). Embora aponte o blog como a melhor remediação para o tratamento de conteúdo jornalístico dentro da interatividade da web, ela não o enxerga como a cura, pois a grande massa de conteúdo jornalístico que circula nessa esfera “é proveniente de sites, agências de notícias e portais. Por outro lado, muitos jornais sofrem influência das características dos diários virtuais jornalísticos, que se tornam uma rica fonte de pautas para os jornalistas” (Tavernari, 2007:5). Dessa forma, a blogosfera pode ser vista como uma nova esfera por onde se distribui o jornalismo, que faz ecoar uma série de informações por suas associações, mas que não concorre com os grandes portais e jornais online na produção de informações (ou conteúdo), além de servi-los com pautas e fontes. Mas é claro que a informação que corre nesta esfera sofre modificações que são inerentes às características hipermidiáticas desse novo espaço virtual.

Tavernari discorre sobre algumas das características da informação que perpassa por essa nova esfera comunicativa. Ela diz que “um dos principais elementos da mídia tradicional que não se mantiveram nos diários virtuais é a figura do gatekeeper (...). Durante anos, o gatekeeper tem sido uma das figuras mais poderosas dos meios de comunicação, delineando tendências e controlando o fluxo de informação” (Tavernari, 2007:8).

Uma das características do blog é a sua pessoalidade, a sua relação direta com o publisher, este não está hierarquicamente abaixo de ninguém, de forma que pode publicar, linkar e comentar aquilo que quer, ou não quer. Mas como um blogueiro também não pode falar de tudo, nem ser um índice para tudo, ele acaba sendo o seu próprio gatekeeper, escolhendo os assuntos que aborda em seu blog, estabelecendo conexões com um ou com outro, automediando suas relações. Com a Internet e seus mecanismos, como o blog, as barreiras à informação se dissolvem; assim, os gatekeepers se afastam das instituições e convergem para o indivíduo; este seleciona as informações e os serviços que quer, e as conexões que deseja estabelecer. Tavernari afirma que as funções do gatekeeper são as funções do blogueiro: “A etapa de filtragem de informações e captações e a figura do gatekeeper, especializado na função, inexistem no diário virtual, pois estas tarefas são exercidas diretamente pelo seu autor” (Tavernari, 2007:9). Muitas das funções do jornalismo são, assim, funções do indivíduo dentro da nova mídia.

O interessante desse processo desempenhado pelo blogueiro é o novo trato que ele adiciona à informação, fazendo-a fluir pelo espaço cibernético com um proveito mais atrelado às características do novo meio. Tavernari aponta que “o diário virtual é uma das maneiras para diferenciar-se da reprodução não criativa da mídia impressa e aproveitar o máximo que a interconexão geral possibilita aos internautas e uma forma de impedir a dominação do fluxo de informação que controla a opinião pública” (Tavernari, 2007:9). Ou seja, as características do blog são mais eficazes para a dispersão de informação dentro do meio digital, pois são fomentadoras das características dialogais do meio, além de se colocarem como um novo canal não centralizado, que escapa ao controle do establishment, mais uma vez remetendo à relevância que isso ganha dentro da formação da opinião pública.

Apesar de todas essas exposições, Tavernari volta para a discussão se essa nova forma de comunicação, o blog, poderia, de fato, ser considerado uma nova forma de jornalismo. Ela aponta alguns estudos e discorre, se, o cidadão-repórter, que entende como “jornalista-cidadão”[4], embora exerça algumas das mesmas funções de um jornalista diplomado, possa ser considerado um. Ela aponta um estudo de Rebecca Blood[5], que expõe: “Os diários virtuais não são, como dizem alguns, um novo tipo de jornalismo. Mais propriamente, eles suplementam o jornalismo tradicional com avaliações, comentários e, acima de tudo, filtragem da informação produzida mecanicamente pela imprensa” (Tavernari, 2007:12 citando Blood, 2002:23). Sendo assim, o blog estaria à margem da produção jornalística, consistindo-se apenas num meio de sugá-la e complementá-la[6]. O problema é que ao complementar e comentar as informações, o blog não leva em conta as regras do bom jornalismo, pelo simples fato de não ser praticado, pelo menos na grande maioria, por jornalistas. O problema então seria que:

(...) o chamado jornalista-cidadão conta a sua versão dos fatos, de modo subjetivo, sem se ater aos princípios de objetividade pelos quais clamam os jornalistas. Não se compromete com a imparcialidade tida como necessária à ética jornalística (...) este novo jornalismo é visto como um jornalismo opinativo e parcial (Tavernari, 2007:13).

Já esbarramos, neste artigo, na questão na qual o blog estaria dando uma nova força para o jornalismo opinativo. Basta se refletir sobre a pessoalidade do novo meio e a relação direta do blogueiro com a mídia, para evidenciar que um fato está diretamente ligado ao outro. Uma informação que navega pela esfera cibernética ganha a autoria de todos que porventura a encontrem, de forma que vai apresentar essas características descritas: subjetividade, parcialidade e, também, a falta de objetividade. A ausência desses princípios é que faz a esfera do blog ganhar uma nova relevância dentro da opinião pública, pois é um canal aberto a tudo e a todos. Nesse sentido, a Internet e a própria blogosfera se apresentam como um novo e múltiplo meio capaz de exercer sobre a própria mídia o mesmo papel que a mídia desempenha em relação à sociedade: vigília. Um exemplo claro dessa nova característica democratizante da mídia pode ser vista através da atuação do jornalista Luis Nassif. Demitido da revista Veja, montou seu blog na Internet e entrou numa “guerra” contra a revista passando a denunciar os abusos da mesma. Somente em uma rede de plataforma aberta e inclusiva como a Internet, Nassif poderia encontrar espaço para as denúncias que passou a fazer[7]. Vale lembrar que alguns estudiosos questionam a imparcialidade e a objetividade jornalística típica dos mass media. Nesse sentido, a Internet estaria suprindo essa carência da mídia como um todo e, mais uma vez, modificando as estruturas da esfera pública através de um canal aberto a todas as formas de diálogo: do jornalismo balizado em princípios éticos ao discurso radicalizado – espaço para o bom e o mau escritor, do Vossa Excelência, passando pelo você, tu e chegando ao vc e ao u –, incluindo novas formas que precisarão ser estudadas e entendidas (como a próprio fluxo comunicacional dos blogs).

A linguagem dos blogs

O jornalismo opinativo é uma das expressões dos blogs na atualidade, tanto que muitos jornais online transformaram os espaços de seus colunistas em blogs, embora em muitos a única mudança tenha sido apenas no nome do espaço. Tavernari lembra que hoje “jornalistas são contratados por grandes conglomerados jornalísticos para publicar conteúdo em diários virtuais próprios” (Tavernari, 2007:10). Também hoje, instituições e empresas diversas contratam jornalistas/blogueiros para montar e gerenciar blogs oficiais. Muitos blogueiros são patrocinados por portais e jornais online, e um grande número de jornalistas de renome têm site próprio e/ou blog. Devido às características do diálogo dentro desse espaço ser mais pessoal e interativa, vemos que não é só a blogosfera que se abre para a prática de um jornalismo mais opinativo; jornais, portais e instituições diversas também o fazem. Embora a prática do jornalismo opinativo seja comum nos blogs, Tavernari não vê essa modalidade narrativa como a expressão maior dessa esfera, que seria, na verdade, um “elemento introdutor de uma nova narrativa, pessoal e próxima do jornalismo literário” (Tavernari, 2007:14). Independentemente do gênero predominante – ou da ausência de gênero(s) –, a característica maior do blog é a pessoalidade do espaço, talvez o melhor para se comunicar jornalisticamente na web, daí o seu uso cada vez mais crescente, tanto por indivíduos, quanto por jornalistas e instituições. Para o jornalismo na web, neste caso, pode-se afirmar generéricamente que “o weblog é a mensagem”.

Enquanto alguns enxergam os novos tipos de narrativa que aparecem nos blogs como uma afronta às regras do bom jornalismo, no qual o pilar sustentador seria a objetividade e a imparcialidade, um estudo dissertativo da mestra em Comunicação Diana Barbosa (Univ. Federal de Pernambuco) analisa a questão sob um outro foco. Ela entende que as narrativas do blog, embora sejam carregadas pela intervenção do blogueiro na manipulação das informações, atendem uma lacuna deixada pela grande mídia. Na verdade, a narrativa pessoal dos blogs está mais próxima da realidade cotidiana dos internautas do que a da grande mídia, cujo foco está no espetáculo. Apoiando-se num estudo de Muniz Sodré[8], ela questiona que “talvez se deva refletir que não é apenas o blog que se aproxima do jornalismo, mas o jornalismo que adere cada vez mais ao formato que tende para o show, perdendo seu status de interseção entre o fato e a informação ‘pura’” (Barbosa, 2005:45). Dessa forma, a linguagem do blog relaciona-se com o próprio fenômeno de sua popularização, não no preenchimento de uma lacuna deixada pelo estilo de narrativa jornalística, mas sim pela visão que se obtém através da narrativa do mundo que perpassa pela mídia. No blog, essa narrativa não estaria tão afastada da realidade quanto nos tradicionais veículos dos mass media – em muitos casos, o indivíduo se projeta na mídia por não se enxergar dentro dos clichês que ela veicula, assim ele adiciona os seus próprios, ou, ao contrário, ao deparar-se com o fantasioso mundo do mass media, o usuário, despido de táticas lingüísticas, marketeiras e persuasivas, descreve a realidade através de uma percepção muito mais fiel ao que ela é[9]. Levando em conta essa análise, Barbosa conclui que “apesar dos textos dos blogs (...) optarem por um padrão mais opinativo (...), essas características de sua escrita não os distanciaram, por si só, da produção jornalística” (Barbosa, 2005:42). Já o estudo do professor Artur Vasconcellos Araujo (USP-SP) entra nesse mérito expondo que o “discurso da imprensa se afasta da marca do sujeito, e o autor que acrescenta a sua meta-narrativa legitima o discurso jornalístico. O blog faz mesmo que o jornalismo, mas volta-se para as narrativas e os fatos íntimos dos sujeitos” (Araujo, 2006:73). E, depois de uma longa análise do discurso tendo como objeto dois notórios blogs brasileiros[10], ele conclui que “o discurso dos blogs analisados os validam como ferramenta jornalística” (Araujo, 2006:225). Não é a questão do discurso ou do gênero narrativo que inviabiliza a prática de blogging (blogar, criar e mantér um blog) como uma prática jornalística.

O manifesto dos blogueiros

Enquanto muitos argumentam contra ou em prol à tese do blog ser ou não jornalismo, existe também o ponto de vista dos blogueiros. Muitos não aceitam a prática de blogging por parte dos jornalistas, entendendo que blogueiro por natureza não pode possuir vínculos com quaisquer órgãos de mídia ou instituições. Muitos entendem que blogs vinculados a jornais online ou grandes portais compõem um veículo híbrido do jornal impresso com o próprio webjornalismo, em uma apropriação da plataforma do blog para a mesma e velha prática jornalística e seus conhecidos vícios. Um blogueiro empregado sofreria os efeitos coercitivos de seus empregadores, o que seria um atentado à liberdade de expressão pretendida por muitos. Barbosa entende que “a mais visível mudança significativa proporcionada pelos blogs (...) é que o jornalismo deixa de ser praticado por quem ‘escreve’ e passa a ser recriado por quem lê. (...) que reflete não mais o que um grupo de profissionais do jornalismo acredita que as pessoas querem ler, mas o que os próprios leitores gostariam de ter escrito” (Barbosa, 2005:68). Dessa forma, a arte de blogar só teria sentido se praticada por quem não é jornalista profissional, pois ela é a arte que reflete o que o leitor quer escrever, e o jornalista seria incapaz de escrever aquilo que o leitor quer escrever pois escreve aquilo que acha que o leitor quer ler. Já o blogueiro, despreocupado em fazer da notícia o seu ganha-pão, não tem a necessidade de escrever para ser lido, e sim para se expressar através da mídia. Essa análise perde o sentido se levarmos em conta que, na atualidade, muitos blogueiros passam a trabalhar profissionalmente com seus blogs e canalizam suas tarefas baseados em metas de audiência, especialização em assuntos, obtenção de patrocínios[11] e venda de espaço publicitário, assim, da mesma forma que os jornalistas profissionais, passam a pautar suas informações em funções de seus ganhos. É por isso que muitos blogueiros acreditam que quando um “colega” passa a atuar dessa forma, na verdade, deixa de ser blogueiro. O blogueiro de verdade não teria a intenção deliberada de atuar como um veículo de mídia (Barbosa, 2005:71), quando o faz, deixa de ser blogueiro, e se ele não é jornalista, então não se sabe o que é.

Para a blogueira Bruna Calheiros, do blog Smelly Cat[12], a questão jornalística que esbarra em códigos de ética e conduta contrariam a própria essência do blog, e é aí que se define uma das claras diferenças entre blogueiros e jornalistas (ou entre o blog e os veículos tradicionais de jornalismo), pois qualquer tipo regra limitaria o que o blog tem de melhor: a sua liberdade.

Sem entrar no mérito dessa posição em prol de jornalistas ou blogueiros, ela pode ser entendida através da forma como são produzidas e veiculadas as informações por ambos os “lados”. Como se vê atualmente, na grande mídia a notícia vem sendo transformada em um produto mercantil, levando o jornalismo a entrar numa lógica de produção de espetáculos e ideologização de massas. Contra essa lógica instituída, está a emergência dos blogs proveniente dos cidadãos interconectados que passam a produzir dentro de uma forma cuja base está no compartilhamento, na colaboração e na reciprocidade, que produzem sem compromisso com a indústria do espetáculo e o objetivo de atingir e ideologizar as massas. Sendo assim, um blog deixa de ser blog, independentemente se for de um jornalista ou de um cidadão qualquer, quando sai da esfera da peer production, e passa a atender os velhos interesses das mídias de massa tradicionais, transformando-se num vetor cibernético do espetáculo.

Na verdade, não é possível se afirmar que o blog seja libertário ou apenas mais um mecanismo para a prática jornalística espetacular. O blog é apenas uma plataforma de publicação, o seu uso pode atender a diversos tipos de demandas, sendo estas jornalísticas ou quaisquer que sejam. Temos, nos extremos dessa nova esfera comunicativa, diversas iniciativas que nos mostram isso. A blogueira e jornalista Lucia Freitas, do blog Lady Bug Brazil, nos dá um exemplo de uma colega que utiliza a plataforma blog para manter um diálogo intercontinental de cunho beneficente/humanitário que nos dá uma noção dessa dimensão libertária do blog (e da própria Internet): “Tenho uma colega que mora em Seattle e monta cursos de educação à distância para uma ONG na Holanda, para treinar médicos a lidar com a AIDS em Moçambique, e ela utiliza software livre”, conta Freitas. Outro extremo está no exemplo que Araujo cita em seu estudo dissertativo numa referência a uma matéria publicada pelo Observatório da Imprensa[13] que conta como um jornalista inglês chamado Nick Denton (Financial Times), utiliza sua fama, alguns blogs patrocinados e um pequeno investimento em publicidade online (via links patrocinados do Google), para transformar a prática de blogging em uma máquina que rende “vários milhares de dólares por mês” (Araujo, 2006:146). Um exemplo de como e o quanto o blog pode ser utilizado para “a mesma e velha prática jornalística e seus conhecidos vícios” como exposto dois parágrafos acima.

Barbosa atenta para outra questão que também pode ser relacionada com a questão da ética e das regras ligadas a prática jornalística e/ou blogging, confrontando o que os jornalistas entendem por neutralidade e objetividade, o que não seria algo ausente na blogosfera. Essa, assim como as empresas de mídia, também debate questões éticas, elabora seus próprios códigos[14] de conduta e traça regras para produção de informações com a mesma qualidade e preocupações que os jornalistas levam em conta em seu trabalho. Barbosa aponta que, dentro da produção dos blogs, a neutralidade transparece dentro das milhares de opiniões e comentários nos quais, dos mais radicais aos mais liberais, passando pelos pontos-de-vista mais moderados (a maioria), o próprio internauta é capaz de chegar na informação neutra, imparcial e objetiva. Ou seja, enquanto o jornalista precisa trabalhar a informação para deixá-la “neutra”, na blogosfera (e na Internet como um todo), a imparcialidade e a objetividade são obtidas pelo internauta através de seus próprios filtros da realidade. A objetividade, clamada pelos jornalistas como uma de suas funções ao narrar o cotidiano, equivaleria a uma percepção coletiva dos fatos que, na Internet, seriam narrados pela coletividade e abrangendo os mais diferentes prismas de visão (Barbosa, 2005:43-44). Nesse sentido, os blogs fazem uma apropriação da linguagem jornalística que tem pouco ou nenhum espaço na grande mídia, de forma que os blogueiros atuam como colunistas, críticos e comentaristas dos assuntos do dia-a-dia (Barbosa, 2005:27-28). Barbosa mostra que esse movimento de apropriação jornalística por parte dos blogs vem de uma sociedade que consome as informações de todo um complexo de mídia e que passa a atuar ao lado dela, complementando a realidade “que vê na TV” com suas próprias experiências. Nessa trilha, se a sociedade se apropria do jornalismo, o jornalismo passa a se apropriar dos blogs como um novo meio de distribuição da informação e inserção na comunidade (Barbosa, 2005:34).

Blogueiro, jornalista e publicitário

Um dos problemas dos blogs profissionais, ou seja, com fins lucrativos para seus donos e/ou patrocinadores, que negociam espaços publicitários de suas páginas. está no fato de o blogueiro passar diretamente à lidar com as questões relacionadas à propaganda. De modo que a crítica sobre a quebra do muro que separava a publicidade do jornalismo como um vetor que compromete a ética e a independência do meio, na esfera dos blogs, se torna em algo muito tênue, tal “muro” se torna praticamente inexistente. Talvez, especula-se, se ela já tenha existido em tal ambiente. O jornalista ou blogueiro, não habituado com os fundamentos da propaganda e do marketing, é capaz de cometer deslizes imperdoáveis, como, por exemplo, um visto no Blog do Noblat[15], um dos mais notórios do Brasil. Nos dias subseqüentes à maior tragédia da aviação brasileira, o vôo JJ3054 para Congonhas (que espatifou-se durante o pouso no aeroporto paulistano em julho de 2007), o blog veiculava um post com uma frase de um parente de uma das vítimas do fatal acidente, enquanto na coluna ao lado, um banner rotativo anunciava uma promoção de venda de passagens aéreas[16]. Para o mestre em Comunicação e especialista em Marketing Roberto Jimenes (FIAMFAAM), tal caso trata-se de uma aberração publicitária, o que ele nos explica através do seguinte exemplo:

A Pepsi adiou seis meses a veiculação de um filme publicitário mundial que deveria ser lançado após o natal de 2004 em função do Tsunami que atingiu os países no oceano Índico naquela ocasião. O filme continha cenas de craques do futebol jogando bola na areia e surfistas profissionais se divertindo nas ondas de uma bela praia tropical. Com a tragédia, a Pepsi não podia associar o seu produto à água e, consequentemente, ao mar e as ondas.

Esse é um exemplo de como a tal fronteira entre o interesse econômico advindo do lucro com publicidade e arte de blogar se torna algo muito difuso, fica difícil saber se o blogueiro, principalmente aquele que possui um blog atrelado a um grande veículo, tem controle total sobre o seu espaço. Caberia ao próprio Noblat retirar tal anúncio de seu site? Ou tal erro foi apenas uma distração que assim evidencia o desconhecimento dos princípios de marketing por parte dos responsáveis por este blog? Tal tipo de aberração publicitária, não é exclusividade de um ou de outro, o mecanismo de propaganda online mais difundido da atualidade, da empresa norte-americana Google, faz isso por conta própria, como explica Caio Túlio Costa, é o marketing contextual: “Quem introduziu no mercado foi o Google, com um mecanismo chamado AdSense (...). Esse mecanismo permite a inserção de anúncios elaborados unicamente com frases e palavras que diretamente se referem a conteúdos das páginas existentes na Internet (Costa, 2008:339). E, através dessa lógica, podem perfeitamente cometer o mesmo erro que Noblat, associando uma notícia de um acidente aéreo com venda de passagens aéreas, por exemplo. O caso do Noblat só se torna mais grave pois tal erro foi cometido manualmente, e não por um sistema automatizado cuja semântica é incapaz de diferenciar o jôio do trigo. A questão que fica aqui é: o blogueiro, seja jornalista ou um cidadão qualquer, está preparado para trabalhar com os fundamentos da publicidade em seu site?

O blog é a mensagem

Enquanto jornalistas e blogueiros debatem sobre o que é noticiar ou o que é blogar, o doutor em Comunicação e Cultura Contemporânea Carlos Eduardo Franciscato (UFBA) traz à tona uma consideração que põe uma pedra sobre o assunto. Citando Paul Bradshaw (2007), ele expõe:

A televisão é uma forma de jornalismo? As palavras em uma página são uma forma de jornalismo? Os sons são uma forma de jornalismo? Blogs são uma plataforma. Eles podem conter jornalismo, assim como TV, rádio e publicações impressas podem. Muitos ‘bloggers’ praticam jornalismo, muitos não. Perguntar se o blog é uma forma de jornalismo é confundir forma e conteúdo (em Frasciscato, 2007:9).

Franciscato questiona em seu estudo se o blog e as diversas novas práticas de jornalismo participativo e comunitário que surgem através da Internet – onde ele inclui o open source e a web 2.0 –, “implica em pensar a relação entre jornalismo e cotidiano. As rotinas da vida cotidiana estão repletas de marcadores do tempo presente” (Frasciscato, 2007:10). O fluxo da informação que se constrói na esfera digital, perpassando pelos blogs, trazem um novo incremento para o jornalismo, abrindo um espaço maior e de mais qualidade para o debate cotidiano das informações que se veiculam por toda a mídia, o que é extremamente positivo para todos, segundo pode-se concluir através das seguintes citações de Franciscato:

A incorporação de usuários gera uma melhoria automática no sistema. Dois grandes modelos desta nova plataforma web: os sites de compartilhamento de conteúdo e os blogs (2007:6).

Este modelo de jornalismo participativo permite à grande mídia incorporar uma parte do universo de questões que geram familiaridade ao leitor, as quais estão ficando descobertas pela estruturas jornalísticas cada vez mais reduzidas das redações das empresas (Frasciscato, 2007:10).

A importância dessa nova esfera digital está exatamente na sua forma dialogal; assim, o debate volta sobre a questão dos gêneros narrativos dos blogs. Já ressaltamos que a Internet se abre para qualquer tipo de gênero, mas esse tipo de classificação parece não se aplicar nessa nova esfera, pois sua importância estaria na repercussão das informações, no feedback e no debate.

Nestas formas de jornalismo, o principal bem simbólico de troca que os leitores oferecem é a produção de um discurso (na forma de texto, fotografia, áudio ou vídeo) sobre o cotidiano em que vivem com pretensão de verdade do real. O discurso pode ser factual ao, por exemplo, enviar contribuições a setores informativos dos sites, ou opinativo quando pode-se comentar matérias jornalísticas dos sites (Frasciscato: 2007,12).

O jornalista e blogueiro Tiago Dória[17] é alguém que entende muito bem essa característica dos blogs, a de repercutir informações originárias de outros veículos ou de outros blogueiros, o que é conhecido como “reblogar”: “um dos principais papéis do blog é justamente repercutir o que o blogueiro vê na Internet”. Doria não vê problema no indivíduo gostar de reblogar, mas complementa dizendo que raramente alguém “rebloga” uma informação sem acrescentar nada a ela, um comentário, uma crítica, ou associá-la a outras informações que estão dispersas pela web. Dessa forma, podemos entender o verbo 'reblogar' como um dos mecanismos que o usuário possui no mundo virtual para agir como um coprodutor da informação que consome. Doria crê que a essência do blog, ou do blogueiro que atua como um vetor da informação dentro do espaço cibernético, está na sua capacidade de exercer influência sobre o seu público, “de que adianta ficar se gabando com números? Isso é uma tremenda besteira (...) o The New York Times (...) não é o maior jornal do mundo, mas é o que mais repercute, influencia”. Um profundo estudo do jornalista e estatístico Philip Meyer (Os jornais vão desaparecer?) expõe que o verdadeiro e único bem que um jornal possui é a sua influência sobre a sociedade, sobre o seu público, da mesma forma que Doria nos diz ser este o maior bem que um blogueiro pode possuir. Sendo assim, se um blog se sustenta por sua influência, ele se apresenta como um concorrente aos tradicionais veículos de mídia, sobretudo os jornais impressos, caso eles consigam desempenhar o papel que antes era cumprido majoritariamente por esses veículos, é mais um motivo que explica, hoje, essa súbita onda de blogs que surgem nos grandes sites/portais informativos e os blogs corporativos.

Além de um novo meio para se obter a atenção do internauta, o blog também é uma ferramenta útil para exercer influência sobre ele. A explosão de blogs em portais de impressa além de uma infinidade de blogs corporativos que surgem sem parar, se apresentam como a própria Internet que teve o seu “boom” – a famosa “bolha” da web –, Doria acredita que essa nova “bolha” irá explodir, e dela só sobreviverão os blogs mais fortes, ou seja, aqueles que realmente possuem alguma influência sobre os seus usuários, segundo ele, os blogs já atingiram a sua fase de saturação e “é preciso um refino, vai ficar quem realmente tem relevância”. Se a influência é o maior bem do blog, assim como do próprio jornalismo, então se confirma a expressão de que o “blog é a mensagem”, principalmente quando percebemos que existem blogs mais influentes, que repercutem mais que grandes veículos e portais, pelo menos dentro dos limites da audiência ciberespacial.

Não somente a reflexão acima nos leva a crer que, dentro do mundo informativo digital, o “blog é a mensagem”, um estudo dissertativo no qual a Relações Públicas Carolina Frazon Terra (FAAP-SP) analisa a questão dos blogs corporativos, traz um quadro comparativo entre os meios digitais, eletrônicos, impressos e o blog, por onde pode-se observar que este último se apresenta como o meio ideal para a mensagem dentro da atualidade midiática de forma geral e, que, só não se pode afirmar que extrapola a Internet e ganha a mídia como um todo devido ao problema da exclusão digital (Em Terra, 2006:103), o blog detém praticamente todas as características das demais mídias, algumas em menor escala, outras em maior, potencializadas, e algumas que lhe são praticamente exclusivas. O mais importante, porém, é que, no compito geral, as características do blog favorecem uma relação mais dialogal e interativa dos indivíduos e da coletividade (incluindo corporações e empresas diversas que hoje participam da Internet) com a mídia e a sociedade.

Os atributos do blog

Franciscato apóia-se em um estudo de Deuze (2003)[18] e identifica quatro tipos básicos de jornalismo online, para, assim, analisar em qual o blog se encaixa:

1) principais sites noticiosos, das grandes corporações, que produzem o denominado “jornalismo de referência”[19];
2) sites de indexação e categoria, que auxiliam no estabelecimento de links com outros conteúdos[20];
3) sites de comentários e meta-sites, destinados a atuar na avaliação e acompanhamento da produção jornalística, podendo produzir crítica de mídia[21]; e
4) sites de partilha e discussão, em que os sites jornalísticos facilitariam plataformas para troca de idéias e relatos[22] (em Franciscato, 2007:5).

Os blogs seriam “um tipo de ‘jornalismo individual’ que se localizaria na fronteira entre os sites de indexação e os de comentário” (em Franciscato, 2007:5). Mas o que assistimos hoje é o blog avançando sobre esses quatro tipos de modalidades de jornalismo online, ou sendo um instrumento utilizado por todas, inclusive na produção de conteúdo de internautas dentro de grandes portais e sites noticiosos, e também no uso cada vez maior de blogs por jornalistas dentro desses sites. O que se evidencia é que, cada vez mais, a presença do indivíduo se coloca próxima dos veículos noticiosos através da Internet. Essa convergência do usuário sobre a mídia, e do blog sobre o jornalismo é, para Franciscato, uma nova dimensão para a experiência temporal cotidiana do jornalismo, que reforça a mensagem dentro da opinião pública. Utilizando-se de uma plataforma que tem por característica a pessoalidade – o blog –, as instituições também tentam se colocar como um indivíduo, ou através de indivíduos (jornalistas), para, assim, dialogar com o internauta dentro da grande rede. É um caminho para as empresas jornalísticas inserirem-se dentro da esfera dos indivíduos, aprendendo com eles e criando novos laços dentro do ciberespaço.

Enquanto Franciscato busca entender o blog dentro das categorias de webjornalismo, Araujo busca definir quais são as características fundamentais do jornalismo e, assim, analisar se o blog pode ser entendido como um novo meio jornalístico. Baseando-se num estudo do alemão Otto Groth[23], ele aponta seis características inerentes ao jornal: periodicidade, publicidade (aparição pública), diversidade de conteúdo, interesse geral, atualidade e produção profissional (Araujo, 2006:29). Depois ele conclui que “se um blog contemplar as características supracitadas, ele poderá ser considerado jornalístico” (Araujo, 2006:31). Em seu estudo, Araujo analisa diversos blogs e, embora encontre essas características mencionadas em alguns deles, são raros os que possuem todas elas. Das seis características, a falta de diversidade de conteúdo é a lacuna mais comum dos blogs. Dessa forma o “blog não é jornal porque é especializado, e o jornal precisa ter vários assuntos”. Mas cabe aqui uma ressalva. Se, dentro de uma análise individual, a maioria dos blogs não apresenta diversidade de conteúdo, o conjunto deles apresenta. A diversidade dos blogs se faz na navegação pelas informações que compõem a blogosfera, nos blogrolls e no próprio fluxo informativo que encampa também os blogs, além de infindáveis mecanismos. Nessa análise, se fossemos pensar em diversidade levando em conta toda produção e informação que é veiculada na blogosfera, teríamos de repensar o próprio conceito de diversidade aplicado ao jornalismo.

Outro atributo intrínseco do jornalismo típico do mass media que também pode ser encontrado nos blogs, é a lembrança que faz o professor de jornalismo digital Dr. Walter Teixeira Lima Junior (Facasper-SP), é a relevância social[24]. Aqui mais uma vez a pluralidade dos blogs é quem faz às vezes para este atributo, já que, se um único ou poucos blogs podem não possuir tal relevância, seu conjunto, a blogosfera, pode.

Além de possuir uma ampla diversidade, a blogosfera exemplifica como as diversas individualidades conectadas à mídia podem contribuir para a construção de novas e importantes mensagens coletivas, ela “marca tanto uma dimensão de laços de comunidade entre os participantes quanto uma construção coletiva de referências cruzadas. Há uma visível experiência temporal de enunciação pública nos blogs” (Franciscato, 2007:12). Tanto nos parece que, de fato, existe essa enunciação pública, no quanto se vê as mais diversas instituições, midiáticas ou não, entrando para o mundo dos blogs. Mais do que mensagens coletivas, a blogosfera seria uma nova camada comunicativa onde “cada blog apresenta links para outros diários formando, assim, uma imensa rede de pessoas publicando idéias”. (Terra: 2006, 156 citando Pinto, José Marcos. Blogs! Seja um editor na era digital. São Paulo: Érica, 2002:15). Ou seja, a relevância do blog não pode ser entendida através de sua expressão individual, e sim coletiva, nesse sentido, podemos entender a importância do blog por este ser um vetor para a inteligência coletiva, e não apenas como um instrumento simples e individual de publicação online.

O blog contaminando a mídia

Um estudo da doutoranda em Ciência da Informação Joana Ziller (UFMG) aponta para o número crescente de blogs dentro dos portais brasileiros. Entre 2005 e 2006, ela observou que:
Enquanto nas análises de 2005 praticamente não foram encontrados blogs, o aproveitamento do recurso foi detectado com freqüência em 2006. No G1 (da Globo), 4,5% das páginas ligadas ao portal eram blogs. O recurso também foi detectado no UOL (do Grupo Folha) em 0,4% das notícias com link no portal. Não foram apurados blogs ligados ao portal Terra (Ziller, 2007:12).

Para Zinner, tal crescimento é um reflexo da expressão jornalística do indivíduo na web que “remete à multiplicidade específica da hipermídia. Multiplicidade de emissores, de trajetos, de opiniões. Sob o formato, cabe tanto ao ‘proprietário’ do blog publicar informações e opiniões quanto ao visitante concordar, discordar, reclamar, rebater o que foi publicado” (Zinner, 2007:12). Citando o estudo de Artur Vasconcellos Araújo (2006), Zinner ressalta que:

(...) a gratuidade e acessibilidade do serviço e a facilidade do uso terminaram por fazer do blog uma metáfora no ciberespaço, do Hyde Park londrino, jardim público especialmente famoso por seu speaker corner, tribuna onde anônimos e famosos, dos mais diferentes credos, tomam a palavra e ressaltam suas idéias (Araújo, 2006:43).

Mais do que evocar novamente o blog como um espaço para o jornalismo opinativo, enfatizando uma de suas facetas mais radicais, o jornalismo de tribuna, evidenciando o diálogo aberto do meio, é interessante a associação do blog à uma metáfora. O nome blog ou weblog, dessa forma, remete a todas essas características do meio, a facilidade, o acesso, a liberdade de expressão e exposição à mídia e a conectividade. Talvez o que estivesse em falta era um nome menos burocrático para um espaço informativo com essas características, que são as da própria Internet. Assim, a palavra weblog veio identificar esse local peculiar no ciberespaço. Se se fala em jornalismo comunitário, participativo, inclusivo, open source, ou qualquer outra prática de nomenclatura instituto-acadêmica, poucas pessoas fazem idéia do que se trata. Blog, no entanto, todos já sabem identificar o que é, pois muitas dessas pessoas já tiveram contato ou mesmo possuem um.

Zinner enfatiza que a frase acima também evidencia o caráter jornalístico do blog, pois este “não é apenas feito por adolescentes ávidos por tornar pública sua intimidade. Os blogs se transformaram em espaço privilegiado para os jornalistas, mediadores profissionais de informação” (Zinner, 2007:12), e que tal espaço também deve ser considerado como produtor de conteúdo e informações de extrema importância.

Maria Barbosa, em seu estudo sobre blogs e jornalismo, além de vários outros estudiosos desse fenômeno, enxerga a utilização cada vez maior dessa plataforma por parte das instituições como uma “tentativa de usar uma linguagem mais descontraída e coloquial, quebrando um pouco a formalidade jornalística” (Barbosa, 2005:46) e, dessa forma, se aproximar e reforçar os seus laços com os leitores, os internautas, inclusive, em uma forma de alcançar novos públicos. Em outras palavras, se o internauta está se comunicando via blog, as instituições correm atrás dele com o mesmo mecanismo, utilizando a mesma forma de linguagem utilizada por ele. A questão é: será isso mesmo? Alguns fatos percebidos em nossa análise nos levam a esse questionamento, e todos se relacionam com uma palavra: link. Sabemos que o blog nasceu e cresceu dentro de uma comunidade hacker que estabelecia vínculos entre si e entre informações que partilhavam. Sabemos também que, com o surgimento das plataformas gratuitas e automatizadas, os blogs ganharam um novo recurso, a possibilidade de se partilhar posts através de links. Sabemos mais, que o Google, maior mecanismo de busca da atualidade, baseia seus critérios de busca no link, não só classificando-os em seus bancos de dados e diretórios, mas classificando os sites pelos links que levam até eles. Assim, um site cuja URL aparece em vários outros sites, conforme o número de links que apontem para esse sites, acarretará num destaque maior para tal URL em uma busca através do seu mecanismo, entenda-se: aparecerá mais próximo do topo da lista dos sites encontrados – e fala-se que se não se aparece até a décima página de resultados do Google, não se existe no ciberespaço[25]. Muitos dizem que a blogosfera ganha destaque na Internet justamente por esse fator, como a blogueira Lucia Freitas: “Os blogs aparecem em destaque no Google não porque são bons, mas sim porque fazem parte de uma rede de blogs linkados, links que vêm de diversos lugares”. Por se tratar de uma comunidade altamente conectada, muitos blogs acabam se destacando nas buscas através de sistemas baseados em links. Esse aspecto seria até desleal, pois grandes sites provedores de conteúdo não conseguiriam competir com uma esfera altamente conectada como a dos blogs.

À guisa de conclusão

Assim, chegamos ao nosso questionamento: a inserção de empresas na blogosfera, sejam elas de mídia ou não, tem como intenção uma proximidade maior com o internauta e suas produção na web, ou estaria atrelada ao interesse de se inserir dentro dessa malha de links em uma forma de valorizar o seu produto, dando-lhe maior visibilidade no espaço cibernético? Freitas expõe que, em contrapartida ao valor da informação aferido pelos mass media, na Internet “o segredo está em compartilhar as informações e produções através do link, o valor está no indivíduo conectado”. Ela mesma clarifica que a “mídia está de olho no blog”, sendo assim, ela estaria de olho no valor que o link dá às informações como uma forma de destacar os seus próprios produtos. Isso explicaria por que, apesar de tantos questionamentos a respeito do uso jornalístico dos blogs, a mídia estaria se inserindo dentro dessa esfera. Segundo análise de Diana Barbosa, que engloba vários blogs ligados a portais informativos de grandes jornais brasileiros (2005:46-54), o uso dos blogs por estas instituições vai fomentar os assuntos pautados pela própria empresa e, segundo nossa análise, essa valorização trazida pelo blog continua através do link com outros blogs. Aqui caberia o ditado “fale bem ou fale mal, mas fale de mim”, mas com uma diferença, “fale bem ou fale mal, mas crie um link pra mim”. Independentemente de qualquer conclusão, lembremos que Philip Meyer, grande estudioso da questão da influência jornalística, chama a atenção para a escassez de atenção que os grandes veículos sofrem na Internet ou mesmo fora dela, especialmente os jornais online e os impressos. A tática de inserção dentro de uma esfera que vem ganhando notoriedade no ciberespaço, a blogosfera, pode ser vista como busca de um novo caminho para chamar a atenção do internauta.

Notas:

[1] Em The Devil’s Advocate (1997), fala do ator norte-americano Al Pacino: “Não fique muito convencido, não importa quão bom tenha sido o seu trabalho. Mantenha-se pequeno, inócuo: seja um carinha qualquer, o CDF, o leproso, surfistinha barato” (T.A.).
[2] Entre os quais destacam-se o site sul-coreano OhMyNews, o Wikinews.org e a própria blogosfera.
[3] Estabelecimento/ assentamento/ engajamento/ criação de lacres, acordo.
[4] Para nós, jornalista-cidadão é um jornalista que pratica jornalismo-cidadão, prática reconhecida pelo jornalismo e que independe do meio. Prática em que o cidadão tem papel ativo na construção da notícia junto ao jornalista. É evidente que a Internet e o blog são ferramentas que também vêm sendo usadas para a prática do jornalismo-cidadão, tanto por jornalistas como pelo “cidadão-repórter” (conforme a definição do estudioso Caio Túlio Costa - 2008). O cidadão-repórter pode ser um jornalista, engenheiro, médico, estudante ou qualquer um que utilize os novos meios em prol da cidadania. Também nos parece inútil a discussão do fato do blogueiro ser considerado ou não jornalista. Jornalista é aquele portador de carteira profissional de jornalista (Mtb), reconhecida pelos órgãos responsáveis, o que não impede o indivíduo não portador da carteira profissional de jornalista atuar da mesma forma que aquele que detém tal carteira. Segundo a jornalista e blogueira Lucia Freitas, ex-funcionária do Estadão, esses grandes veículos atrelam essa questão justamente a este registro, o Mtb: “Os grandes jornais ainda enxergam a questão do jornalista como sendo este o portador do Mtb, como se o blogueiro não checasse as suas informações, eles ainda não aprenderam a dinâmica da Internet, mesmo com seus grandes jornalistas usando os blogs, incluindo muitos que fazem blogs há mais de dez anos” (veja o post “Entrevista Lucia Freitas”).
[5] The Weblog Handbook: Practical Advice on Creating and Maintaining Your Blog. Perseus Publishing: 2002.
[6] Para quantificar essa “marginalidade” do blog, Tavernari aponta um “estudo publicado no jornal The Guardian, em julho de 2006, segundo o qual de cada cem usuários, apenas um quer produzir algo, dez irão interagir com este conteúdo, comentando-o e outros 89 irão apenas visualizá-lo (tradução da autora). Esses dados provam a importância da audiência na Internet e ilustram a dinâmica da produção noticiosa em diários virtuais: poucos são os que realmente se propõem a desenvolver mecanismos jornalísticos de criação da notícia” (Tavernari, 2007:14). Só resta saber o que esse “um” produzia antes do advento da web e com quem os outros dez interagiam.
[7] Aqui vale mencionar um estudo de Noam Chomsky e Edward S. Herman sobre “os filtros da mídia”, no qual eles demonstram que a mídia só crítica a própria mídia até um certo limite, o que inclui veículos que são concorrentes entre si. Inclusive, tal crítica da mídia sobre a própria mídia obedece a mecanismos que visam manter a credibilidade e a imagem de imparcialidade dos meios. Maiores detalhes em: “The Propaganda Model”, em http://en.wikipedia.org/wiki/Propaganda_model, 16/09/2008. As denúncias de Luis Nassif demonstram que tais limites e filtros vistos nos veículos do mainstream media são mais tênues no ciberespaço.
[8] Reinventando a cultura: a comunicação e seus produtos. Petrópolis-RJ: Vozes, 1996.
[9] Barbosa exemplifica isso através do intelectual bahiano e seu blog. Na grande mídia o bahiano só tem espaço se o assunto for “as relações etno-musicais” ou o “clima excessivamente festivo da Bahia” (Barbosa, 2005:24-25).
[10] No Mínimo Weblog e Bloi - o blog do Observatório da Imprensa.
[11] Como, por exemplo, o blog Garotas que Dizem Ni (http://garotasquedizemni.ig.com.br/, 29/09/2008) que, segundo uma das três autoras (que se apresentam através dos codinomes Clara McFly, Flá Wonka e Vivi Griswold), não tem “a pretensão de fazer um site noticioso”. Porém, o sucesso de audiência do blog valeu um contrato de ganho fixo com o portal iG, conforme noticiado pela revista Imprensa nº 238 na matéria “Igual, mas diferente” de setembro de 2008. A matéria indica que os blogs são, hoje, uma excelente ferramenta de marketing não mais ignorada pelas relações públicas e assessorias de imprensa, tanto das empresas de mídia quanto de qualquer corporação, é o “post institucionalizado”, conhecido como blog corporativo. É um novo canal que se mostra eficiente em detrimento dos canais mais tradicionais de comunicação entre as empresas e seus clientes e a mídia e seus interlocutores.
[12] http://smellycat.com.br/, 27/09/2008. Conforme noticiado pela revista Imprensa nº 238 na matéria “Igual, mas diferente” de setembro de 2008.
[13] Em http://query.nytimes.com/gst/fullpage.html?res
=9F04E1D91138F934A25752C1A9659C8B63, 09/10/2008.
[14] Dois exemplos relacionados a códigos de ética e aos ideais, não só de blogueiros, mas de hackers e internautas de um modo geral, está no Manifesto Cluertrain (http://www.cluetrain.com/portuguese/, 20/09/2008), que é assinado por diversos autores, incluindo vários membros da, assim chamada, “elite tecnocrática” das novas mídias, e propõe 95 teses sobre as novas relações, inclusive comerciais, dentro do ciberespaço. Outro exemplo é destaque na matéria “Igual, mas diferente” da revista Imprensa nº 238 (Agosto de 2008), que indica um outro manifesto, Freelando pro Diabo (http://freelandoprodiabo.com/, 24/09/2008), onde blogueiros brasileiros discutem códigos de ética e condutas para o exercício da arte de blogar, o texto expõe o slogan do site, “Não sou blogueiro de aluguel” e afirma que os ideais do manifesto giram em torno da idéia que: “antes de ser mídia ou veículo, blog é opinião registrada de quem tem voz ativa e diz o que pensa”.
[15] http://oglobo.globo.com/pais/noblat/, 24/07/2007.
[16] Veja imagem em anexo.
[17] Em matéria publicada no caderno Link do Jornal da Tarde, intitulada “Os blogs já estão saturados”, de 10/07/2008.
[18] Mark Deuze. The web and its journalisms: considering the consequences of different types of newsmedia online. New media & society. Vol 5(2). London: Sage, 2003, p. 203-230.
[19] Aqui se encaixariam os sites da Folha Online e Estadão.com.br por exemplo.
[20] Aqui poderiam figurar o portal UOL ou mesmo mecanismos como o Google News e iGoogle.
[21] Para este tipo de classificação de site noticioso, poderíamos citar os blogs e o site Observatório da Imprensa.
[22] Aqui poderíamos exemplificar com o site Limão do Grupo Estado e o site sul-coreano OhMyNews.
[23] Die Zeitung. V. I. Berlin: J. Bensheimer, 1928.
[24] Como esposto em palestra na Faculdade Cásper Líbero (SP) realizada em 03/05/2007.
[25] Segundo palavras do tecnocrata e sociólogo Sérgio Amadeu da Silveira (Facasper-SP) em palestra na Faculdade Cásper Líbero (SP) realizada em 03/05/2007.

Referências Bibliográficas:

ARAUJO, Artur Vasconcellos. Weblog e jornalismo: os casos de no mínimo weblog e observatório da imprensa. Dissertação de Mestrado: Universidade de São Paulo - Ciências da Comunicação. São Paulo, s/d.
BARBOSA, Diana Maria de Moura. A Imprensa na era do weblog. 1v. 104p. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Pernambuco – Comunicação. Recife, 01/08/2005.
COSTA, Caio Túlio. Moral provisória. Ética e jornalismo: da gênese à nova mídia. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo – Ciências da Comunicação. São Paulo, 2008.
COSTA BISNETO, Pedro Luiz de Oliveira. Internet, Jornalismo e Weblog: a Nova Mensagem. Estudos Contemporâneos de Novas Tendências Comunicacionais Digitais. Dissertação de Mestrado. São Paulo: Faculdade Cásper Líbero, 2008.
ESCOBAR, Juliana Lúcia. Blogs e interação mútua: uma visão contextualizada. Intercom: Santos, Ago/set 2007.
FRANCISCATO, Carlos Eduardo. A participação dos leitores na construção de experiências temporais no jornalismo online. Intercom: Santos, Ago/set 2007.
Jornalismo sitiado. Curadores: Eugênio Bucci e Sidnei Basile. LogOn: São Paulo, 2007.
LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999.
_________. O que é virtual? São Paulo: Editora 34, 1996.
MEYER, Philip. Os jornais podem desaparecer? São Paulo: Contexto, 2007.
TAVERNARI, Mariana Della Dea. Entre a utopia e o ceticismo: as potencialidades dos diários virtuais no mercado de comunicação nacional. Intercom: Santos, Ago/set 2007.
TERRA, Carolina Frazon. Blogs corporativos: modismo ou tendência? São Caetano do Sul: Difusão, 2008.
The Devil’s Advocate. Diretor: Taylor Hackford. EUA: WGA, 1997.
WARD, Mike. Jornalismo on-line. São Paulo: Rocca, 2006.
ZILLER, Joana. Tradução Intersemiótica no Jornalismo de Portal: estudo comparativo sobre o aproveitamento de potencialidades da hipermídia em 2005 e 2006. Intercom: Santos, Ago/set 2007.


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Comunicação
A Fórmula de McLuhan
Na relação das teorias de Pierre Lévy e Jean Baudrillard, a Internet e o Jornalismo
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Marshall McLuhan

Em função de diversos estudiosos fazerem uso da fórmula de Marshall McLuhan, “o meio é a mensagem”, para embasarem suas teorias, dentre eles, os filósofos franceses Pierre Lévy e Jean Baudrillard, que explicam, respectivamente, a mensagem e não-mensagem da Internet com base nesta fórmula - devido a tal importância - recorremos à clássica obra Os meios de comunicação como extensões do homem objetivando um entendimento mais profundo desta fórmula. Logo na introdução do livro o autor comenta sobre a sua famosa frase:

“‘O meio é a mensagem’ significa, em termos da era eletrônica, que já se criou um ambiente totalmente novo. O ‘conteúdo’ deste novo ambiente é o velho ambiente mecanizado da era industrial. O novo ambiente está reprocessando o cinema. Pois o conteúdo da TV é o cinema” (McLuhan, 1964:11).

Uma reflexão sobre o fato de a TV reprocessar o cinema, as diversas outras mídias que reprocessam suas predecessoras e também reprocessam as demais mídias com as quais interagem, nos remete à reflexão de a Internet igualmente reprocessar a TV e as demais mídias, algo que se pode relacionar com ambas as teorias de Jean Baudrillard e Pierre Lévy. É fácil compreender, que a Internet, ao mesmo tempo em que se expande, absorve os elementos das velhas mídias. Encontramos na web desde os velhos jornais impressos reproduzidos digitalmente até as novas iniciativas peculiares do webjornalismo que estão reprocessando o tradicional jornalismo: a superioridade do hipertexto sobre o texto, do suporte dinâmico sobre o estático, a desterritorialização do texto e a desintermediação do jornalista, entre outras características mil. Exemplos que se encontra na Internet hoje em dia nos mostram isto na prática, em ferramentas como: podcast, RSS e TV peer to peer, para citar apenas alguns exemplos básicos, são fórmulas que, respectivamente, reprocessam o texto jornalístico, o áudio e a própria TV. O texto jornalístico que utiliza a palavra escrita; o áudio que é o elemento fundamental do rádio; e a TV que utiliza a imagem, que por sua vez é uma característica do cinema, e utiliza também o áudio, característica do rádio; agora são todos elementos reprocessados pela Internet, fato que, segundo McLuhan, é uma característica da evolução dos meios: “Toda tecnologia nova cria um ambiente que é logo considerado corrupto e degradante. Todavia o novo transforma o seu predecessor em forma de arte” (McLuhan, 1964:12).

A palavra reprocessar pode nos levar a duas interpretações, a primeira é a que acabamos de comentar, e a segunda seria o fato de ela também fazer uso do que já era processado, remodelando-o ao novo meio, a mesma mensagem replicada em novos meios. Afinal, a mensagem busca o seu formato de acordo com o meio, conforme se entende pela fórmula de McLuhan, mas, na construção de sua peculiar forma de transmitir a mensagem, cada novo meio que surge utiliza-se dos, e também fortifica os, demais meios existentes.

“O ‘conteúdo’ de um meio é como a ‘bola’ de carne que o assaltante leva consigo para distrair o cão de guarda da mente. O efeito de um meio se torna mais forte e intenso justamente porque o seu ‘conteúdo’ é um outro meio” (McLuhan, 1964:33). Nenhum meio existe sem depender do outro: “(...) nenhum meio tem sua existência ou significado por si só, estando na dependência na constante interrelação com os outros meios” (McLuhan, 1964:42).

Assim, grande parte do conteúdo da Internet é o conteúdo de outros meios, como exemplificamos, o jornal, o rádio e a TV. Esta reflexão de McLuhan vai ao encontro do que expõe a comunicóloga Beth Saad (USP-SP) em relação ao cenário midiático atual, quando ela afirma que “as novas mídias não surgem de forma espontânea e independente, mas, sim, de uma metamorfose[1] das velhas mídias, que, por sua vez, não morrem, mas evoluem e se adaptam às transformações” (Saad, 2003:56), o que a autora entende como conceitos de “coevolução e coexistência das comunicações” (Saad, 2003:56).

McLuhan ainda nos fala das extensões do homem, a mídia como extensão comunicacional com seus diversos meios. Ele mostra que a inteligência coletiva – da mesma forma que o entendido por Pierre Lévy como a expressão peculiar da Internet como meio comunicacional – é fator presente no mundo da tecnologia elétrica, como expressa o autor, e também atualmente, quando pensamos na informação que, além de elétrica, é também binária:

Estamos nos aproximando da fase final das extensões do homem: a simulação tecnológica da consciência, pela qual o processo criativo do conhecimento se estenderá coletiva e corporativamente a toda a sociedade humana, tal como já se fez com nossos sentidos e nossos nervos através dos diversos meios e veículos. Se a projeção da consciência – já antiga aspiração dos anunciantes para produtos específicos – será ou não uma “boa coisa”, é uma questão aberta às mais variadas soluções (McLuhan, 1964:17).

McLuhan fala que o processo criativo do conhecimento se expandirá coletivamente, tanto para as corporações quanto para a sociedade e seus indivíduos. Ora, essa nova consciência coletiva nada mais é do que uma outra interpretação da definição de inteligência coletiva, no entendimento que passa pela centralidade dos estudos de Pierre Lévy. Business Inteligence, apenas para citar um exemplo, é um conceito corporativo tecnológico que está modificando a forma das corporações trabalharem, uma forma de expressão da inteligência coletiva, a coletividade elétrica e binária, no mundo empresarial. A cibercultura é a expressão da sociedade com seus indivíduos conectados frente à inteligência coletiva que advém das novas mídias digitais interativas deste mundo eletro-binário. Como se vê, a citação de McLuhan mostra que já estamos vivendo a atualidade da “fase final das extensões do homem” e, dessa forma, estamos assistindo a novas expressões da inteligência coletiva que surgem e vão modificando a nossa vida dia após dia.

Em capítulo de sua obra, intitulado não por acaso de “O meio é a mensagem”, temos a explicação do que significa essa fórmula pelas palavras do próprio McLuhan. A primeira citação da fórmula aparece logo na primeira frase do capítulo: “Numa cultura como a nossa, há muito acostumada a dividir e estilhaçar as coisas como meio de controlá-las, não deixa, às vezes, de ser um tanto chocante lembrar que, para efeitos práticos e operacionais, o meio é a mensagem” (McLuhan, 1964:21). Mas enfim, qual é esse efeito prático? Em relação à Internet e os demais meios, qual seria esse efeito? Como citamos no início deste texto, é a vez de Jean Baudrillard, em posse da fórmula de McLuhan, afirmar que a Internet implode com todos os meios. McLuhan antecipa a fala do francês quando diz que “a aceleração da velocidade da forma mecânica para a forma elétrica instantânea faz reverter a explosão em implosão” (McLuhan, 1964:53). Essa implosão pode ser entendida também na fala de McLuhan sobre a fragmentação: “A reestruturação da associação e do trabalho humanos foi moldada pela técnica de fragmentação, que constitui a essência tecnológica da máquina” (McLuhan, 1964:21). Os novos meios eletrônicos, baseados em máquinas computacionais, implodem os demais meios, levando-os à fragmentação. Estes , dentre eles o velho jornal, precisam buscar as suas peculiares formas de veicular a mensagem, deixando de se alimentar apenas dos outros meios, buscando o que seria, como sugere McLuhan em passagem anterior, a sua “arte”. Ao mesmo tempo, a binarização que advém da Internet e dos novos meios eletrônicos digitais absorve toda aquela mensagem e a reprocessa; ou seja, a Internet transmite as mensagens que eram do jornal, do rádio e da TV com novas características, as próprias do novo meio, a interatividade de um meio comunicacional todos-todos[2] que, voltando ao nosso exemplo, levaria à um jornalismo mais compartilhado, comunitário, um jornalismo não mais necessariamente totalizado apenas por grandes instituições, mas feito também por aqueles que com elas interagem, e também entre si, a produção própria dos individuos conectados[3]. Nesse caso, a implosão da comunicação questionada por Baudrillard estaria relacionada ao fato de as velhas mídias se modificarem em função da Internet ser uma mídia que expressa a inteligência coletiva, a universalidade, como bem colocam tanto McLuhan quanto Lévy, características que aumentam ainda mais as extensões comunicacionais do homem, estendem o jornalismo à uma parte maior da humanidade, assim como todo o mundo comunicacional. A Internet, ao mesmo tempo em que fragmenta as demais mídias, recria a própria mídia à partir desses fragmentos e projeta-os dentro do universal, do universo comunicacional e da própria sociedade . Não é preciso fazer um profundo estudo para perceber que a Internet permite inúmeras novas modalidades de prática jornalística, e tal maleabilidade do novo meio traz consigo uma ampla gama de novos sites noticiosos, portais informativos especializados nos mais diversos assuntos e modalidades informativas, uma fragmentação que pode ser entendida pelo que foi exposto nas palavras acima de McLuhan, pela questão da desintermediação e da desterritorialização apontada por Lévy e, finalmente, pela “implosão” comunicacional denunciada por Baudrillard.

Enfim, McLuhan desvenda parte de sua fórmula: “‘O meio é a mensagem’, porque é o meio que configura e controla a proporção e a forma das ações e associações humanas” (McLuhan, 1964:23). A importância do meio, como entendemos, está no fato deste configurar a mensagem por ele emitida: o impacto e a abrangência da mensagem sobre os receptores dependerá, assim, do meio utilizado[4]. O meio configura a mensagem entre emissores e receptores, como intermediadores de ações e associações do Homem. Sendo assim, percebemos que a Internet – com as suas novas características interativas – tem a capacidade de aumentar radicalmente essa extensão comunicativa do Homem, permitindo novas associações que irão gerar, e já o fazem em diferentes graus, novas ações. Essas novas ações passam pela nova cultura midiática, a cibercultura, e também pela extensão de velhas culturas da mídia, como o jornal, o rádio e a TV. Ainda, com o indivíduo conectado, pensando-se nas novas possíves configurações do meio, vemos a imprevisibilidade de se saber tudo que ainda se poderá se fazer com toda essa nova onda de elitrificação binarizada que se vive na atualidade, dentro e fora da mídia, isto indica que, na atualidade, se vive uma mudança sem precedentes na história.

McLuhan ainda relaciona a sua própria fórmula com o movimento cubista. Segundo o autor, é o movimento artístico cubista que delata a existência de sua fórmula:

Ao propiciar a apreensão total instantânea, o cubismo como que de repente anunciou que o meio é a mensagem. Não se torna, pois, evidente que, a partir do momento que o seqüencial cede ao simultâneo, ingressamos no mundo da estrutura e da configuração? (...) Os segmentos especializados da atenção deslocaram-se para o campo total e é por isso que agora podemos dizer, da maneira a mais natural possível: ‘O meio é a mensagem’ (McLuhan, 1964:27).

Além de delatar o cubismo como uma expressão artística que possui as características dos novos meios digitais interativos, a passagem acima também delata os embasamentos das teorias de Pierre Lévy. Nesta passagem, McLuhan fala da substituição do seqüencial pelo simultâneo e do deslocamento das atenções para o total, elementos que embasam o universal sem totalidade, um dos pontos-chave das teorias de Lévy em relação à Internet que, podemos dizer, são reveladas por McLuhan nesta associação de sua fórmula com o cubismo. Neste caso, a Internet seria uma expressão midiática, na forma de um novo meio, correspondente ao mundo da estrutura e da configuração. E, justamente por sua estrutura comunicacional ser aberta à comunicação universal sob diferentes configurações, vai permitir o deslocamento da atenção de seus usuários para o todo, e esse todo seria, então, uma das bases do universal não-totalitário, do universo midiático não-totalitário. Um dos elementos que, segundo a análise das teorias do francês, poderiam libertar o mundo comunicacional da rigidez dos antigos meios. Porém, não podemos abrir mão do fato desses novos meios se apropriarem das características dos velhos meios, e a ênfase que o próprio McLuhan dá ao fato das novas configurações midiáticas estarem abertas tanto às novas expressões da coletividade, quanto às novas possibilidades de exploração desse novo mundo universalizado pelas velhas fórmulas do “antigo” mundo midiático (na verdade, não é antigo, pois ainda coexiste com o novo).

A instantaneidade e simultaneidade mencionadas por McLuhan são fatores que remetem à mídia do “mundo elétrico” apontado pelo autor, em que a comunicação, ao eletrificar-se, ganha as características de velocidade da luz, refere-se à toda era contemporânea da comunicação, quando esta é mediada também por diversos aparatos eletrificados – dos eletrodomésticos até, na atualidade, os computadores – o rádio e a TV em conjunto com várias tecnologias eletrônicas que vão até o satélite e, hoje, também através das redes computacionais, carregando mensagens de forma instantânea e simultânea. Esses dois fatores que McLuhan relaciona à sua fórmula, instantaneidade e simultaneidade, são característicos da comunicação que ganhou força a partir da era da rádio-transmissão e que perduram até hoje com uma capacidade maior de conectividade, ganhando ainda mais força através das redes inteligentes de comunicação que quebram a seqüencialidade. Esta, dentro de um contexto midiático menos rígido como a Internet, pode ser entendida como um obstáculo à Comunicação – a própria rigidez desses meios antigos.

Após se relacionar e refletir com o suporte dos pensamentos desses três estudiosos, McLuhan, Lévy e Baudrillard, se clarifica queo que se vê, é o alvorecer de um meio que é quem ditará as novas expressões, as novas mensagens, as novas configurações e relações midiáticas, com todas as características peculiares que possui, englobando, inclusive, as que pertencem às mídias tradicionais, dentro da atualidade comunicacional e do futuro das sociedades.

Notas:

[1] Beth Saad faz referência aos estudos de Roger Fidler que são parte da obra Mediamorphosis: understanding new media, ainda sem tradução no Brasil.
[2] Um meio desintermediado e não-hierárquico (ou, ao menos, menos hierárquico), e, também, na relação com a passagem anterior de McLuhan, fragmentado.
[3] Este entendimento corresponde à definição do estudioso norte-americano Yochai Benfler do conceito conhecido como peer production, a produção entre os "pares conectados", os internautas.
[4] Exatamente por isso que a Internet, da mesma forma que promove uma "revolução na mídia", é um meio cuja mensagem ainda não é tão forte quanto as tradicionais do mainstream media (rádio, TV e impressos), sobretudo a TV.

Referências Bibliográficas:

BAUDRILLARD, J. O sistema de objetos. São Paulo: Perspectiva, 2000.
BAUDRILLARD, J. Simulacros e simulação. Lisboa: Relógio D’água, 1997.
BAUDRILLARD, J. Tela total. Porto Alegre: Sulina, 2003.
BENKLER, Yochai e LESSIG, Lawrence. Esfera pública conectada e a produção do Commons, http://wikipos.facasper.com.br//, 14/06/2007.
BENKLER, Yochai. The wealth of networks: how social production transforms markets and freedom. New Haven and London: Yale University Press, 2006.
COSTA BISNETO, Pedro Luiz de Oliveira. Internet, Jornalismo e Weblog: a Nova Mensagem. Estudos Contemporâneos de Novas Tendências Comunicacionais Digitais. Dissertação de Mestrado. São Paulo: Faculdade Cásper Líbero, 2008.
FIDLER, Roger. Mediamorphosis: understanding new media. Pine Forge Press, 1997.
LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999.
LÉVY, Pierre. O que é virtual? São Paulo: Editora 34, 1996.
MCLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação como extensões do homem – (Understanding mídia). São Paulo. Editora Cultrix. 1964.
SAAD, Beth. Estratégias para a mídia digital. São Paulo: SENAC, 2003.


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Artigo
Paris Ring, Présentacion
La Nuit de Boxe: Pierre Lévy X Jean Baudrillard
Avec l'arbitrage de Marshall McLuhan

Introdução

Este trabalho visa analisar os estudos relativos a Internet de dois teóricos e escritores franceses, Pierre Lévy e Jean Baudrillard. Analisaremos a visão da Internet de ambos escritores, visão esta que muitas vezes se mostram opostas e conflitantes. Apesar do título deste trabalho insinuar um embate, ou como explicita, uma verdadeira “luta de boxe” entre esses dois teóricos, o objetivo realmente não é confrontar os dois de forma que um deles vença a “luta”, e sim entender a visão que ambos possuem do ciberespaço, a Internet e a World Wide Web. Este trabalho não tem como objetivo confrontar esses teóricos, e sim entender a visão e as teorias de cada um, estas por sua vez, aparentam ser conflitantes por si mesmas. Não são os dois teóricos que se combatem, e sim, suas teorias.

Embora este trabalho não seja de fato uma luta de boxe entre Lévy e Baudrillard, imaginemos que de fato se tratasse de uma luta de boxe, apenas a título de contextualização da posição deste que vos escreve diante desses dois teóricos. Imaginemos um ringue de boxe onde de um lado, no córner azul, está Pierre Lévy, no córner oposto, de cor vermelha, está Jean Baudrillard. Naturalmente, se trata de uma luta entre pesos pesados, categoria máxima do esporte. Neste combate, torço para Lévy, adversário que considero mais otimista e com ideais mais humanísticos, enquanto Baudrillard me parece mais realista (‘hiper’-realista) e, muitas vezes, mais negativista. Apesar da minha torcida, tenho ciência do forte adversário que é Baudrillard, inclusive o considero favorito à vitória. Um nocaute de Baudrillard sobre Lévy logo nos primeiros assaltos dessa luta não me deixaria surpreso, e sim triste com a derrota deste “lutador” de quem sou “fã” há bastante tempo. Imaginemos que nesta luta os punhos de cada pugilista sejam suas palavras e o ringue de combate seja o ciberespaço, o mundo “virtual”, mundo esse cuja visão de tais filósofos é a própria razão de sua divergência, a razão desse combate. Este ringue, o ciberespaço, como é o próprio de si mesmo, é gigantesco, de abrangência planetária. Uma luta num ringue de tal magnitude seria interminável, com incontáveis rounds, então, para não alongar demais o combate, julgaremos nesta luta apenas alguns tópicos, relacionados ao próprio ciberespaço, e mais um elemento.

Nesta luta de boxe entre Lévy e Baudrillard no ciberespaço, nesta “briga” na Internet pela Internet, colocarei mais um elemento, o jornalismo. Assim como esta “luta de boxe” confronta as idéias de dois filósofos, o meu projeto de pesquisa à presente Instituição estuda e “confronta” o jornalismo impresso com o webjornalismo, o jornal analógico e o jornal virtual. Assim, buscaremos dentro das teorias de Lévy e Baudrillard, embasamentos que possam fundamentar o novo contexto do jornalismo com o surgimento da Internet, o novo contexto do webjornalismo. Este sim é o verdadeiro objetivo dessa “luta”.

Pierre Lévy, o virtual, o ciberespaço e a inteligência coletiva

Pierre Lévy define o virtual não como uma possibilidade, algo que ainda não aconteceu mas que potencialmente já se faz presente. Lévy define o virtual como um processo inverso a outro processo que ele chama de atualização, como conta em seu livro, “O que é virtual?”: “A atualização aparece então como a solução de um problema, uma solução que não estava contida previamente no enunciado. A atualização é criação, invenção de uma forma a partir de uma configuração dinâmica de forças e de finalidades” (1996, 16). A atualização então, é um processo de criação, onde idéias, teorias são atualizadas e assim levadas a realizações concretas. Sendo a virtualização o processo inverso da atualização, poderíamos entender como um processo de onde o real, o concreto, passa ao conjunto das possibilidades. Porém não é exatamente isso que Lévy nos expõe sobre a virtualização e, para ficar clara sua posição, ele a exemplifica: “Virtualizar uma entidade qualquer consiste em descobrir uma questão geral à qual ela se relaciona, em fazer mutar a entidade em direção a essa interrogação e em definir a atualidade de partida como resposta a uma questão particular” (1996, 18). Portanto, para Lévy, uma entidade ou qualquer outra representatividade no mundo virtual se entende como uma entidade em contínuo processo de mutação. Fica-nos claro entender então que o virtual é o que surge de um processo de virtualização. A virtualização remota o inventivo de uma solução a uma problemática. O atual, a solução particular de um problema no aqui agora, se virtualiza, e se torna existente.

A Internet é, então, o “mundo virtual”, pois neste mundo nada é definitivamente concreto, as páginas e os sítios na Web estão sempre em processo de atualização, principalmente por serem construídos por milhares de operários que neste espaço interagem. Outro fator que nos diz que tal mundo é “virtual”, é o simples fato de que quando interagimos com ele, seja através da navegação por páginas Web, ou por outro protocolo qualquer de comunicação disposto na rede, estarmos interagindo com representações gráficas e numéricas da informação e não diretamente com a informação armazenada nos diferentes computadores da rede, pois esta informação é binária, matemática. Nós interagimos com a atualização de informações binárias que adquirem formas de palavras, gráficos, sons e imagens. No processo inverso, enviamos as nossas informações com comandos reais, um endereço de um sitio que digitamos, um clique com o mouse em um hipertexto etc, porém a informação que parte à rede é binária, portanto virtualizada, uma representação numérica de uma linguagem real e identificável pelo homem, daí a Internet ser o mundo virtual.

O ciberespaço, cuja nomenclatura não é uma criação de Lévy, refere-se ao espaço virtual criado pelas redes computacionais interconectadas pelo mundo através da Internet. A atividade das pessoas neste ciberespaço, sejam elas físicas ou jurídicas, compõe o que Lévy chama de cibercultura. Como fator essencial da cibercultura, dado que esta é composta por milhares de pessoas e sempre em continuo processo de virtualização, nasce a inteligência coletiva. Partindo do pressuposto que cada indivíduo humano deste planeta é possuidor de inteligência, Lévy define:

“Cada indivíduo humano possui um cérebro particular, que se desenvolveu, a grosso modo, sobre o mesmo modelo que o dos outros membros de sua espécie. Pela biologia, nossas inteligências são individuais e semelhantes (embora não idênticas). Pela cultura, em troca, nossa inteligência é altamente variável e coletiva. Com efeito, a dimensão social da inteligência está intimamente ligada às linguagens, às técnicas e às instituições, notoriamente diferentes conforme os lugares e as épocas” (1996, 99).

Dado que a inteligência coletiva é fruto da cultura, da interação entre os homens, uma integração comunicacional entre esses indivíduos, através de uma rede global, eleva à potência máxima a inteligência humana, daí a elevação da inteligência coletiva que Lévy nos fala através do mundo virtual. A expressão dessa inteligência coletiva é o que Lévy chama de cibercultura, a cultura que provém das peculiaridades interativas e coletivas do ciberespaço.

Texto e hipertexto

Como meu projeto de pesquisa visa entender a diferença entre o jornal impresso e o jornal virtual, ou o webjornal. Encontramos nas teorias de Pierre Lévy algumas colocações que dizem respeito as diferenças entre texto e hipertexto, dado que texto é a linguagem básica dos jornais impressos e, o hipertexto, a linguagem básica dos webjornais.

Segundo Lévy, o advento da escrita eleva o conhecimento e inteligência humana, mas a escrita depende não só das palavras e sim de representações destas sobre um suporte, de modo que fiquem dispostas continuamente no tempo-espaço, sejam perpetuadas, daí a sua superioridade sobre a comunicação feita de forma apenas oral:

“Com a escrita, e mais com o alfabeto e a imprensa, os modos de conhecimento teóricos e hermêuticos passaram portanto a prevalecer sobre os saberes narrativos e rituais das sociedades orais. A exigência de uma verdade universal, objetiva e crítica só pode se impor numa ecologia cognitiva largamente estruturada pela escrita, ou, mais exatamente, pela escrita sobre o suporte estático” (1996, 38).

Porém, no mundo virtual, a escrita não se faz sobre um suporte estático e sim dinâmico, sobre isso Lévy coloca:

“Pois o texto contemporâneo alimentando correspondências on-line e conferências eletrônicas, correndo em redes, fluido, desterritorializado, mergulhado no oceano do ciberespaço, esse texto dinâmico reconstitui, mas de outro modo e numa escala infinitamente superior, a copresença da mensagem e de seu contexto vivo que caracteriza a comunicação oral. De novo, os critérios mudam. Reaproximam-se daqueles do diálogo ou conversação: pertinência em função do momento, dos leitores e dos lugares virtuais” (1996, 39).

Fica claro então que o texto que flui na Internet em uma escala muito maior que o texto sobre um suporte estático, pois na Internet ele passa de um simples texto a um texto dinâmico e sempre reconstituído, já que está dentro do palco da inteligência coletiva que é a inteligência construída pelo coletivo da Internet. Porém além do texto em si, Lévy nos fala a respeito do próprio ato de ler:

“Na verdade é somente na tela, ou em outros dispositivos interativos, que o leitor encontra a nova plasticidade do texto ou da imagem, uma vez que, como já disse, o texto em papel (ou o filme em película) forçosamente já está realizado por completo. A tela informática é uma nova ‘máquina de ler’, o lugar onde uma reserva de informação possível vem se realizar por seleção, aqui e agora, para um leitor particular. Toda leitura em computador é uma edição, uma montagem singular” (1996, 41).

Então, fica evidente que além do texto ser mais fluído e dinâmico quando compartilhado numa rede interativa, o próprio leitor também se torna mais dinâmico, pois o leitor entra em uma máquina de leitura, onde ele programa o que ler, o que compartilhar, o leitor é que faz a montagem e a seleção do conteúdo que lhe convém. Assim, sobre a leitura e o suporte digital, Lévy complementa:

“Enfim, o suporte digital permite novos tipos de leituras (e de escritas) coletivas. Um continuum variado se estende assim entre a leitura individual de um texto preciso e a navegação em vastas redes digitais no interior das quais um grande número de pessoas anota, aumenta, conecta os textos uns aos outros por meio de ligações hipertextuais (...). Se ler consiste em selecionar, em esquematizar, em construir uma rede de remissões internas ao texto, em associar a outros dados, em integrar as palavras e as imagens a uma memória pessoal em reconstrução permanente, então os dispositivos hipertextuais constituem de fato uma espécie de objetivação, de exteriorização, de virtualização dos processos de leitura” (1996, 43).

O que fica claro nesta passagem que o hipertexto, texto composto de vários textos diretamente conectados, somado ao hábito de ler através de hipermídias, estendem o ato de ler para um horizonte maior, que compreende a dinâmica da inteligência coletiva. E sobre essa “superioridade” do hipertexto sobre o texto no suporte estático, é o que Lévy nos fala:

“(...) o suporte digital apresenta uma diferença considerável em relação aos hipertextos anteriores à informática: a pesquisa dos índices, o uso dos instrumentos de orientação, de passagem de um nó para outro, fazem-se com rapidez da ordem de segundos. (...) a digitalização permite associar na mesma mídia e mixar finamente os sons, as imagens animadas e os textos” (1996, 44).

Então não só o texto em hipermídia estende a leitura humana, ele a faz de maneira mais rápida e eficiente, e agrega ao texto novos elementos, igualmente dinâmicos, como imagens e sons, e todos podem ser combinados de maneira adequada, agregando novas informações, dinamizando a leitura, a informação e o conhecimento. E mais, disposto numa rede global, como a Internet, o texto e o hipertexto perdem suas fronteiras, como diz Lévy:

“Os dispositivos hipertextuais nas redes digitais desterritorializam o texto. Fizeram emergir um texto sem fronteiras nítidas, sem interioridade definível. Não há mais um texto, assim como não há uma água e uma areia, mas apenas água e areia. O texto é posto em movimento, envolvido em fluxo, vetorizado, metafórico. Assim está mais próximo do pensamento, ou da imagem que hoje temos deste. Perdendo sua afinidade com as idéias imutáveis que supostamente dominaram o mundo sensível, o texto torna-se análogo ao universo de processos ao qual se mistura” (1996, 48).

O hipertexto, na Internet, é - diferentemente do texto estático, limitado a um papel, um livro, a uma biblioteca ou um acervo de jornal - parte de um grande mar, composto de todas as redes e informações nele dispostos. No ponto de vista de um jornal diário, poderíamos entender que este se limita as suas páginas, a sua presente edição, enquanto na Internet, o webjornal se estende em conexões que trazem informações e conhecimentos que jamais poderiam ser dispostos em uma ou mais edições de um texto limitado, enquanto na Internet ele está dentro desse mar de informações. Em suma, o webjornal também pode ser considerado desterritorializado, ao passo que o jornal diário fica limitado em si mesmo, no seu número de páginas e, em termos de abrangência, limitado ao seu campo de distribuição e número de impressões.

O ciberespaço e o novo mercado

A Internet não traz novas mudanças apenas no ato de ler, no suporte do texto e o hipertexto, na desterritorialização que advém da Web, vai muito além, ela altera e cria novos mercados, vejamos o que nos fala Pierre Lévy a respeito disto:

“O ciberespaço abre de fato um mercado novo, só que se trata menos de uma onda de consumo por vir que da emergência de um espaço de transação qualitativamente diferente, no qual os papéis respectivos dos consumidores, dos produtores e dos intermediários se transformam profundamente.

O mercado on-line não conhece as distâncias geográficas. Todos seus pontos estão em princípio igualmente ‘próximos’ uns dos outros para o comprador potencial” (1996, 61).

Quando se fala em “novo mercado da Internet”, não podemos excluir os jornais, que através de suas versões digitais se fazem presentes na grande rede, e sem falar também nos webjornais que têm veiculação exclusiva pela Web e/ou foram criados na Internet. Se a Internet coloca todos consumidores em uma mesma loja, mesmo que em presença virtual, o ciberespaço nos traz uma banca de jornais única, onde podemos encontrar todos os jornais nela dispostas, uma banca de jornais sem limitações geográficas. Porém, Lévy não fala apenas em questões geográficas, mas também da relação entre produtores, consumidores e intermediários dentro desse novo mercado:

“Com os produtores primários e os requerentes podem entrar diretamente em contato uns com os outros, toda uma classe de profissionais corre doravante o risco de ser vista como intermediários, parasitas da informação (jornalistas, editores, professores, médicos, advogados, funcionários médios) ou da transação (comerciantes, banqueiros, agentes financeiros diversos) e tem seus papéis ameaçados. Esse fenômeno é chamado de ‘desintermediação’” (1996, 62).

Como vemos, a profissão de jornalista é diretamente citada como sendo este um intermediário entre o público e a informação. Neste caso, a desintermediação coloca em risco a profissão do jornalista, e explica em parte o porquê do sucesso dos blogs na Internet, pois estes são feitos não só por jornalistas, mas diversos tipos de usuários que utilizam a rede para informar, dar opinião e escrever sobre assuntos diversos, o blogueiro é o jornalista “desintermediado”, que faz notícia e gera informações diretamente ao público, sem a intermediação da editoria de um jornal. É o consumidor aqui que faz a notícia, e é sobre isso que Lévy coloca:

“O consumidor não apenas se torna coprodutor da informação que consome, mas é também produtor cooperativo dos “mundos virtuais” nos quais evolui, bem como agente de visibilidade do mercado para os quais se exploram os vestígios de seus atos no ciberespaço. Os produtos e serviços mais valorizados no novo mercado são interativos, o que significa, em termos econômicos, que a produção de valor agregado se desloca para o lado do consumidor, ou melhor, que convém substituir a noção de consumo pela coprodução de mercadorias ou serviços interativos” (1996, 63).

Ora, o internauta não só é parte do “jogo” de criação da informação, mas sim, parte do valor dos serviços oferecidos. Em se tratando de webjornais, o Internauta tem seu valor e valoriza o produto através da participação ativa na construção da informação que se faz através de ferramentas que possibilitem a sua interação com a notícia e a informação. E, numa afirmação que podemos relacionar diretamente com o papel dos jornais como um produtor de informação com a questão desse novo mercado e a virtualização do texto, onde Lévy coloca: “(...) a virtualização do texto nos faz assistir a indistinção crescente dos papeis do leitor e do autor, também a virtualização do mercado põe em cena a mistura dos gêneros entre consumidor e a produção” (1996, 63).

Aqui não cabe mais o sistema de onde a informação parte de um centro e se irradia para o público, o público também é parte do movimento, da onda de criação das informações, e essa mudança de papel, dessa nova interatividade em relação às mídias tradicionais, é o que fala Lévy na seguinte passagem:

“O ‘produtos’ habitual (professor, editor, jornalista, produtor televisivo) luta assim para não se ver relegado ao papel de simples fornecedor de matéria-prima. De onde a batalha, do lado dos ‘produtores de conteúdos’, para reinstaurar tanto quanto possível, no novo espaço de interatividade, o papel que eles ocupavam no sistema unilateral das mídias ou na forma rígida das instituições hierárquicas” (1996, 64).

E sobre o papel dos profissionais no espaço da Interatividade, é o que Lévy nos fala também em sua obra “Cibercultura”:

“Numerosas posições de poder e diversos ‘trabalhos’ encontram-se ameaçados. Mas se souberem reinventar sua função para transformarem-se em animadores dos processos de inteligência coletiva, os indivíduos e os grupos que desempenham os papéis de intermediários podem passar a ter um papel na nova civilização, ainda mais importante que o anterior. Em contrapartida, caso se enrijeçam sobre as antigas identidades, é quase certo que ficarão em situação difícil” (1999, 231).

Fica claro que dentro de um espaço interativo, que conecta os usuários diretamente, as iniciativas têm de ser igualmente interativas, não se limitando a empurrar o conteúdo em direção ao internauta, mas trazendo-o este para si, para fazer parte da criação deste conteúdo. E isso se faz não somente colocando informações numa página da Web, não se faz apenas reproduzindo no meio virtual as mesmas informações dispostas por meios analógicos, como o jornal diário impresso e sua reprodução na web, se faz através da construção de plataformas que tragam interatividade aos usuários, participando da criação da notícia, com espaço para debates, conferências etc. Espaços que não só permitam ao jornalista propagar a sua informação, mas, além disso, aproximar este do público e também, aproximar o público das fontes onde os jornalistas buscam as informações, em suma, no mundo digital, o papel do jornalista não é puro e simplesmente o de informar, mas sim de fomentar a informação. Sobre esse novo papel dos “intermediadores” e das mídias digitais, é o que complementa Lévy:

“As tecnologias de comunicação de suporte digital (...) conhecem neste fim de século XX mutações massivas e radicais (...). Como um dos principais efeitos da transformação em curso, aparece um novo dispositivo de comunicação de coletividades desterritorializadas muito vastas que chamaremos ‘comunicação todos-todos’. É possível experimentar isso na Internet, nos chats (BBS), nas conferências ou fóruns eletrônicos, nos sistemas para o trabalho ou aprendizagem cooperativos, nos groupwares, nos mundos virtuais e nas árvores de conhecimento. Com efeito, o ciberespaço em via de constituição autoriza uma comunicação não mediática em grande escala que (...) representa um avanço decisivo rumo a formas novas e mais evoluídas de inteligência coletiva” (1996, 112).

Com isso, fica objetivado que num mundo virtual, de interação mútua entre pessoas dispersas por todo globo terrestre, as formas de comunicação, de informação e de notícia não podem apenas privilegiar a informação pura e simples, mas devem trazê-las para um novo contexto, um contexto de produção coletiva, que beneficie o coletivo, o todo, e que integralmente faça parte da criação de uma nova consciência, uma inteligência coletiva. E não nos basta pensarmos isto como uma hipótese futura, trata-se de fomentar e criar iniciativas que privilegiem a inteligência coletiva a partir de já, pois, apesar de incipiente, o mundo virtual já é uma mídia, uma rede de grande abrangência mundial e em expansão ainda, não só em sua abrangência física, mas com o crescimento e o surgimento de novas formas de comunicação, novas tecnologias, novas interatividades, e assim tenderá a ser cada vez mais, como prevê o próprio Lévy, e ele nos conta em sua obra, “Cibercultura”: “A perspectiva da digitalização geral das informações provavelmente tornará o ciberespaço o principal canal de comunicação e suporte de memória da humanidade a partir do início do próximo século” (1999, 93).

Fica claro que dentro deste novo cenário, neste novo mercado, o jornalismo deve privilegiar as iniciativas coletivas e a interatividade, pois fica evidente que a desterritorialização da notícia e da informação é um processo em andamento que tende a crescer na mesma medida em que o ciberespaço cresce.

Jean Baudrillard e o hiper-real

Enquanto Pierre Lévy enfoca mais com a questão do “mundo virtual”, Jean Baudrillard mostra uma preocupação maior pelo o que ele chama de “hiper-real”, a questão da virtualidade é algo secundário para Baudrillard, apenas uma questão que está inserida dentro de toda a mídia, e apenas contribui para expandir ainda mais o fenômeno do hiper-real, fenômeno este que advém de um mundo midiático que propaga apenas simulacros do mundo real, como o próprio Baudrillard define em seu estudo, “Simulacros e Simulações”: “Hoje (...). A simulação já não é a simulação de um território, de um ser referencial, de uma substância. É a geração pelos modelos de um real sem origem nem realidade (...). É agora o mapa que precede o território...” (1997, 8). E complementa: “os simuladores actuais tentam fazer coincidir o real, todo real (...). Este imaginário da representação (...) desaparece na simulação – cuja operação é nuclear e genética e já não especular e discursiva” (1997, 8). E enfim, chega ao “hiper-real”:

“O real é produzido a partir de células miniaturizadas, de matrizes e de memórias, de modelos de comando – e pode ser produzido um número indefinido de vezes a partir daí. Já não tem de ser racional, pois já não se compara com nenhuma instância, ideal ou negativa. É apenas operacional. Na verdade, já não é o real, pois já não está envolto em nenhum imaginário. É um hiper-real, produto de síntese irradiando modelos combinatórios num hiperespaço sem atmosfera” (1997, 8).

Vemos nesta citação, que embora Baudrillard não tenha feito menção direta à Internet, nem a nenhum meio específico, indiretamente o fez quando se utiliza de termos como matrizes, memórias, modelos combinatórios e hiperespaço. Termos que estão diretamente ligados com a Internet, os meios digitais e os computadores, afinal o mundo virtual se constrói em memórias de computadores, de tecnologia binária, utilizando funções matemáticas, como matrizes e modelos numéricos. A palavra hiperespaço podemos dizer que é a referência a todo espaço midiático incluindo-se como principal componente o ciberespaço, a Internet como grande propagadora da informação digital, dos modelos combinatórios. Baudrillard, porém, não tem intenção de esconder seu raciocínio perante a Internet e as novas mídias digitais, ele o explicita quando se refere à linguagem binária, a linguagem “mãe” da comunicação digital: “(...) pior: com a ressurreição artificial nos sistemas de signos (...), na medida em que se oferece a todos os sistemas de equivalência, a todas as posições binárias” (1997, 9). Baudrillard dirige a sua teoria do hiper-real a todas redes informativas, o advento da “grande rede” da Internet aparece como o “clímax” final do hiper-real.

Mas, como já foi enfatizado, Baudrillard não limita a sua teoria do hiper-real à Internet, pelo contrário, ele coloca que a comunicação virtual - a qual se refere utilizando variados termos, aplicados inclusive, a multiplicidade da própria comunicação virtual - leva ás últimas conseqüências os fatores negativos que já vinham sendo desenvolvidos com a TV, o rádio, o cinema etc. Essas conseqüências se resumem no mundo de simulacros que vivemos e que criam o hiper-real. Esse mundo hiper-real acaba por esvaziar o real. A vida é vivida antecipadamente pelo mundo virtual, pela propaganda, pela novela. Todos esses simulacros, essas informações hiper-reais, levam a “um universo em que existe cada vez mais informação e cada vez menos sentido” (1997, 103). E para explicar esse fenômeno que Baudrillard classifica como “implosão” da comunicação, ele traça e tenta explicar algumas hipóteses, numa delas ele propõe que: “(...) a informação não tem nada a ver com o significado” (1997, 103), e depois explica: “Por detrás desta encenação exacerbada da comunicação, os mass media, a informação em forcing prosseguem uma desestruturação do real (...) os mass media são produtores não da socialização mas do seu contrário, da implosão social das massas” (1997, 106). Para entender essa “implosão” da mídia, Baudrillard busca explicações na fórmula de Marshall McLuhan, “Medium is message”, e diz:

“O seu sentido é de que todos os conteúdos do sentido são absorvidos na única forma dominante do medium. Só o medium constitui acontecimento - (...) os conteúdos, conformados ou subversivos. (...) e aí que conduz ao seu limite externo a fórmula de McLuhan – não há apenas a implosão da mensagem no medium, há no próprio movimento implosão do próprio medium no real. (...) onde até a definição e a acção distinta do medium não são assinaláveis. (...) A fórmula de McLuhan Medium is message, que é a fórmula-chave da era da simulação (...) o emissor é o receptor – circularidade de todos os pólos” (1997, 107).

E enfim, complementa seu raciocínio: “Medium is message não significa apenas o fim da mensagem mas também o fim do medium. Já não há (...) instância mediadora de uma realidade para outra, de um estado do real para outro. Nem os sentidos nem a forma. É esse o significado rigoroso da implosão” (1997, 108).

A implosão dos meios pode ser entendida ao surgimento de um novo meio, a Internet. Utilizando-se da linguagem binária e de sua ampla conexão de rede, a Internet somada as linguagens digitais, tem o potencial de transmitir tudo que antes nos era servido por mídias separadas, texto, fotografia, sons, imagens em movimento, tudo pode ser digitalizado e veiculado pela grande rede. E mais, a Internet permite o contato direto entre todos que dela partilham, permite que qualquer um possa veicular informações pela rede, explicitado na fala de Baudrillard quando ele coloca que o emissor é o receptor. O fato então, de termos um meio que pode veicular outros meios e inverter papéis de emissão e recepção, significa enfim, a própria implosão do meio.

Portanto, observando esses dois aspectos trazidos por Baudrillard, primeiro colocando o fim da mensagem, a mídia não mais é um canal para a realidade, ela nos mostra o hiper-real[1]. Em seguida, a implosão dos meios, a Internet e as tecnologias digitais e de rede fundem todos os meios levando-os à implosão. Em ambas explanações fica sempre clara a ênfase dessas novas tecnologias como protagonistas finais na peça do hiper-real, e fica clara que a idéia final, onde os meios e as mensagens implodem, que a responsável por este fim é a Internet, o estopim final da grande implosão. Daí associarmos as idéias de Baudrillard como sendo a Internet “o fim da comunicação”.

Internet é o fim da comunicação

Se na obra “Simulacros e Simulação”, Baudrillard expõe a sua teoria do hiper-real onde se conclui que ela leva ao fim da comunicação. Na obra “Tela total” – uma coletânea de artigos e ensaios jornalísticos do autor – ele faz menção direta ao assunto com diversas referências críticas à Internet, que remetem ao exato título deste capítulo, como por exemplo:

“(...) a extensão incondicional do virtual (que não inclui somente as novas imagens ou a simulação a distância, mas todo o cyberespaço da geofinança (Ignácio Ramonet) e o da multimídia e das auto-estradas da informação) determina a desertificação sem precedentes do espaço real e de tudo o que nos cerca. Isto valerá para as auto-estradas da informação e também para as de circulação. Anulação da paisagem, desertificação do território, abolição das distinções reais” (2003, 24).

Dentro deste contexto de critica a Internet, Baudrillard vale-se sempre da expressão “auto-estrada da informação”, numa óbvia referência à Internet e sua crescente velocidade de propagação, no aumento da capacidade de dados que seus usuários têm numa escala cada vez maior, uma referência às atuais e futuras redes broadband[2]. Junto com esse aumento na capacidade de transmissão e manipulação de dados nas redes mundiais, Baudrillard comenta sobre uma enxurrada de informações que também é outro fator responsável pelo mundo hiper-realista que vivemos:

“Toda essa interrogação sobre o virtual torna-se hoje ainda mais delicada e mais complexa por causa do extraordinário blefe que a cerca. O excesso de informação, o forcing publicitário e tecnológico; a mídia, o deslumbramento ou o pânico – tudo concorre para uma espécie de alucinação coletiva do virtual e de seus efeitos. Windows 95, Internet, as auto-estradas da informação, tudo isso é já e cada vez mais consumido por antecipação, no discurso e no fantasma. Talvez seja uma maneira de curto-circuitar os seus efeitos fazendo-os transbordar na imaginação? Mas disso não estamos seguros. O blefe e a intoxicação não fazem eles mesmos parte do virtual? Nada sabemos disso” (2003, 75).

A enxurrada de informações advinda com a Internet, essa “alucinação coletiva”, nem Baudrillard consegue explicar quais serão seus efeitos, assim como eu, ele termina o parágrafo com um ponto de interrogação: o que será que vem depois da implosão comunicacional, da implosão do sentido e dos meios? São dúvidas que por hora pairam no ar.

Porém, Baudrillard dá umas pistas e atribui à enxurrada de informações, uma série de fatores ligados ás questões interativas da Internet, na inversão de papéis, ou pelo menos na igualação dos papéis de atores e público, algo que explica como a Internet leva as pessoas ao pânico ou deslumbramento coletivo:

“Vídeo, tela interativa, Internet, realidade virtual: a interatividade nos ameaça de toda parte. Por tudo, mistura-se o que era separado; por tudo, a distância é abolida, entre os sexos, entre os pólos opostos, entre palco e platéia, entre os protagonistas da ação, entre sujeito e objeto, entre o real e seu duplo. Essa confusão dos termos e essa colisão dos pólos fazem com que em mais nenhum lugar haja a possibilidade do juízo de valor: nem em arte, nem em moral, nem em política. Pela abolição da distância do ‘pathos da distância’, tudo se torna irrefutável” (2003, 145).

Além do aspecto da interatividade da Internet como rede que interliga todos seus usuários, outro aspecto que põe dúvidas em Baudrillard, é como fica a questão do meio interativo que separa os usuários da convivência física em relações agora mediadas por redes interativas, a questão da separação do artista com a obra[3]:

“O espectador só se torna ator quando há estrita separação entre palco e platéia. Tudo, porém, concorre na atualidade, para a abolição desse corte: a imersão do espectador torna-se convival, interativa. Apogeu ou fim do espectador? Quando todos se convertem em atores, não há mais ação, fim da representação. Morte do espectador. Fim da ilusão estética” (2003, 146).

Essa questão da interatividade mediada pelo computador e as redes mundiais, passa pela questão do texto, que, sendo digital, deixa de ser texto:

“Dá-se o mesmo com o texto, qualquer texto virtual (Internet, Wordprocessor), trabalhado com imagens de síntese, sem mais nada haver com a transcendência do olhar ou da escrita. De qualquer maneira desde o momento em que estamos diante da tela, não percebemos o texto enquanto texto, mas como imagem” (2003, 146).

E que dizer então do hipertexto? Apenas conexões entre textos que não são sequer mais textos, e sim imagens de textos.

Para completar a sua crítica à Internet e colocá-la como o fim da comunicação, Baudrillard fala a respeito da fragmentação e nulidade dos conteúdos da Web e a dificuldade para se encontrar uma informação na mesma:

“Há no ciberespaço a possibilidade de realmente descobrir alguma coisa? Internet apenas simula um espaço de liberdade e de descoberta. Não oferece, em verdade, mais do que um espaço fragmentado, mas convencional, onde o operador interage com elementos conhecidos, sites estabelecidos, códigos instituídos. Nada existe para além desses parâmetros de busca. Toda pergunta encontra-se atrelada a uma resposta pré-estabelecida. Encarnamos, ao mesmo tempo, a interrogação automática e a resposta automática da máquina. Codificadores e decodificadores – nosso próprio terminal, nosso próprio correspondente. Eis o êxtase da comunicação” (2003, 148).

Baudrillard não deixa dúvidas que a Internet é um meio onde a mensagem também perde o seu significado. O “êxtase da comunicação”, o seu auge, com toda a tecnologia que nos cerca, seria o fim da mesma, pois é o fim do diálogo entre os homens, é o diálogo homem-máquina e vice-versa. O diálogo é todo intermediado por códigos e recursos que são oferecidos aos usuários, os usuários interagem sim, mas em espaços e com recursos determinados por terceiros, que seriam os sítios conhecidos, os códigos instituídos. A Internet então, representa o fim da comunicação exatamente por isso, pois é um meio mediador da comunicação, mesmo que todos possam se conectar, eles o fazem através de modelos pré-estabelecidos e não diretamente como parece ser.

Lévy versus Baudrillard

Como vimos até aqui, Pierre Lévy vê a Internet como uma rede propagadora de uma nova cultura, a cibercultura, cujo motor principal é a inteligência coletiva, a inteligência que se faz pela somatória e expressão de uma rede comunicacional todos-todos, ou seja, uma rede que conecta as pessoas mundo afora. Do outro lado da moeda, Jean Baudrillard vê a Internet como um meio comunicacional que tem o potencial maior para dar vazão ao fenômeno de propagação de simulacros, elevando ao grau máximo o fenômeno que já era causado pelas mídias tradicionais, o hiper-real. O hiper-real, uma vez na Internet, devido as características desse novo meio, leva ao fim do próprio meio. Enquanto a mídia em geral acaba com o significado da mensagem, a Internet vai além e implode os próprios meios.

Até aqui pudemos observar que as teorias de Lévy e Baudrillard entram em conflito por si só, são antagônicas. De um lado Lévy vislumbra, de forma otimista e positivista, o surgimento de uma nova consciência coletiva, do outro lado, Baudrillard, mais realista, vê o surgimento da Internet como o fim da comunicação. Porém o antagonismo de ambos teóricos vai além do que suas teorias dizem, ambos trazem diversos exemplos reais que demonstram suas teorias, exemplos que mostram como tais teorias se desenrolam em fatos no mundo real, ou como se dão os fatos que embasam suas teorias. Dentro desses fatos, podemos também observar a visão antagônica de ambos filósofos, mesmo que estejam falando de fatos distintos aparentemente sem relação entre suas teorias, como veremos no exemplo a seguir.

Dentro de sua teoria do hiper-real, Baudrillard traz como exemplo determinante para o mundo hiper-real que vivemos, o hipermercado. Vejamos o que ele diz a respeito:

“O hipermercado é já, para além da fábrica e das instituições tradicionais do capital, o modelo de toda a forma futura de socialização controlada: retotalização num espaço-tempo homogêneo de todas a funções dispersas do corpo e da vida social (trabalho, tempos livres, alimentação, higiene, transporte, media, cultura); retranscrição de todos os fluxos contraditórios em termos de circuitos integrados; espaço tempo de toda uma simulação operacional da vida social, de toda uma estrutura de habitat e de tráfego” (1997, 99).

Apesar de estar colocando o hipermercado como um instrumento do hiper-real, apesar de falar de um objeto concreto, fica claro que a referência ao hipermercado também coincide com as teorias de Baudrillard em relação a Internet, ele mesmo coloca isso: “O hipermercado é inseparável (...) do terminal de computador” (1997, 98). Assim como o hipermercado representa “o modelo de toda a forma futura de socialização controlada”, a Internet, como vimos, embora seja um espaço de todos seus usuários, também é um espaço controlado por “instituições tradicionais do capital” (embora existam uma série de instituições que tenham surgido após o advento e crescimento da Internet e que hoje são mega-empresas que contribuem na construção do ciberespaço) e que traz modelos de comunicação, modelos de socialização virtual para seus usuários. Assim como o hipermercado traz para um espaço único “todas a funções dispersas do corpo e da vida social”, a Internet traz para uma mídia única, todas as funções que eram própria de mídias individuais (som=rádio, imagem=TV, filme=cinema etc), e também é capaz de reproduzir qualquer espécie de conteúdo e informação utilizando-se da linguagem binária. Como diz Baudrillard que o hipermercado é “retranscrição de todos os fluxos contraditórios em termos de circuitos integrados”, o mesmo podemos dizer da Internet, que veicula todos os tipos de conteúdos numa rede interligada e que fisicamente é composta por circuitos integrados, por microchips elétricos. E, quando Baudrillard coloca que “espaço tempo de toda uma simulação operacional da vida social”, também podemos associar esse fato típico dos hipermercados à Internet. Afinal, a Internet se não é capaz de reproduzir objetos concretos em sua mídia digital, é capaz de reproduzir qualquer modelo de informação, traduzindo-a para a linguagem binária, se um objeto concreto tridimensional não pode ser reproduzido na Internet ou qualquer mídia digital, suas medidas físicas podem, criando-se um modelo virtual do mesmo, uma simulação virtual. Outra lógica que acontece no mundo virtual e que pode ser relacionada com as colocações de Baudrillard sobre o hipermercado, é a mudança no espaço-tempo. A Internet, sem dúvida, muda a relação espaço-tempo dos seus usuários, trazendo todo um universo disperso mundo afora, para um espaço único digital interativo, como mesmo disse Baudrillard, é um novo espaço, um novo habitat e de tráfego. Sim, um novo espaço de tráfego de dados binários, e como diria Lévy, um novo habitat de onde transborda a cibercultura e a inteligência coletiva.

A exemplificação do hiper-real com o hipermercado não pára por aí, além do que já foi colocado, Baudrillard nos diz que o hipermercado muda a relação física entre as pessoas, das cidades e do campo, funcionando como uma espécie de astro solar com planetas girando em sua volta, é também o espaço da aglomeração:

“Modelo de antecipação dirigida, o hipermercado (sobretudo nos Estados Unidos) preexiste à aglomeração; é ele que provoca a aglomeração enquanto que o mercado tradicional estava no coração de uma cidade, local onde a cidade e o campo vinham conviver em conjunto. O hipermercado é a expressão de todo um modo de vida do qual desaparecem não apenas o campo mas também a cidade, para dar lugar à <>” (1997, 99).

Então o hipermercado, centro unificado do consumo, traz a sua volta, toda a cidade e também o campo, onde as pessoas se aglomeram no ato do consumo. O que ocorre em relação aos hipermercados, podemos também atribuir aos shopping centers, outros centros de aglomeração e consumo. Enquanto Baudrillard coloca o hipermercado como uma expressão real do hiper-real, fica a pergunta: como ficam esses grandes centros de consumo com o advento da telecompra, a compra através da Internet? Segundo o que vimos nas teorias de Pierre Lévy, o hipermercado e os shopping centers podem ser classificados como intermediadores do consumo. Desse modo com o avanço do uso da Internet para a telecompra, teríamos a desterritorialização da compra. Os consumidores podem, através da Internet, fazer a compra diretamente dos produtores, sem passar pela intermediação dos hipermercados ou shopping centers. É claro que neste momento isto se trata apenas de uma hipótese pois os hipermercados e shoppings centers são ainda os grandes conglomerados de consumo, mas hoje a Internet já é uma ferramenta comum, se não para a compra em si, pelo menos para a pesquisa de produtos e de preços, fato esse que podemos dizer que contribui para diminuir a aglomeração em torno desses centros de consumo.

Nesta pequena passagem, onde o hipermercado ilustra as teorias de Baudrillard sobre o hiper-real e a sua direta relação com o mundo digital e as redes interativas, fica evidente o oposicionismo das teorias de Lévy e Baudrillard. Enquanto Baudrillard vê o hipermercado como um exemplo físico do mundo hiper-real, Lévy nos traz em suas teorias uma visão mais humanista, onde a desterritorialização e a desintermediação trazem benefícios para os consumidores. Enquanto Baudrillard coloca o hipermercado como centro de aglomeração e ainda o associa à Internet, Lévy vê a Internet como uma ferramenta capaz de levar ao caminho inverso: enquanto o hipermercado faz um movimento de sucção, trazendo a sociedade (cidade, campo) ao seu entorno, a Internet faz o caminho inverso, desterritorializa a compra. Essa pode ser a diferença crucial na visão sobre a Internet de ambos autores, enquanto Baudrillard a coloca como o fim da comunicação, Lévy a vê como o início de um processo que deverá mudar para melhor a sociedade.

É nessa diferença básica que consiste a verdadeira “batalha” entre Lévy e Baudrillard. Enquanto Baudrillard traz os aspectos negativos do mundo digital dentro da sua teoria do mundo hiper-real, colocando-a como “o fim da comunicação”, Lévy vai mais adiante, analisa e responde diretamente aos críticos desse novo meio. Ao contrário do que alguns possam pensar, Pierre Lévy não é um sonhador e sim, como nos bem coloca o jornalista Maurício F. Pinto, um otimista:

“Pierre Lévy é um otimista, no bom sentido. É um otimista que tenta vislumbrar no mundo atual, mesmo com todas as suas desigualdades e descaminhos, possibilidades para um desenvolvimento, para uma ‘evolução’ daquilo que ele chama de ‘inteligência coletiva’. Seria difícil para Lévy falar disto algum tempo atrás: o ‘motor’ da sua teoria são as redes computacionais de informação – o que ele batizou, desde cedo, como sendo a base para a cibercultura, um novo patamar de relacionamento humano, num espaço virtualizado, mediatizado pela Internet” (http://www.nova-e.inf.br/exclusivas/pierrelevy.htm, 15/08/2001).

Não sendo um sonhador, e sim um otimista, Lévy vislumbra uma série de problemas na construção e expansão do ciberespaço, porém, ao contrário de Baudrillard que vislumbra tais problemas como a confirmação e o estopim final de suas teorias do hiper-real, Lévy busca soluções e alternativas para que a Internet não seja apenas um meio reprodutor de conteúdos, e sim o ambiente da inteligência coletiva. Em sua obra “Cibercultura”, Lévy levanta uma série de problemas que vêm à tona com o impacto da Internet sobre as mídias tradicionais, na relação entre as pessoas e em toda a sociedade. O próprio Lévy diz: “A inteligência coletiva constitui mais um campo de problemas do que uma solução” (1999, 131).

O primeiro problema que Lévy comenta é sobre a questão da interatividade da Internet: “A interatividade assinala muito mais um problema, a necessidade de um novo trabalho de observação, de concepção e de avaliação dos modos de comunicação, do que uma característica simples e unívoca atribuível a um sistema específico” (1999, 82). Esse problema se deve, segundo Lévy, ao tratamento das novas mídias interativas dentro de modelos comunicacionais tradicionais, ele invoca uma renovação nas teorias comunicacionais para que essas levem em conta a particularidade de cada meio, incluindo os novos meios digitais interativos: “Cada dispositivo de comunicação diz respeito a uma análise pormenorizada, que por sua vez remete à necessidade de uma teoria da comunicação renovada, ou ao menos a uma cartografia fina dos modos de comunicação” (1999, 82). Vemos então que Lévy levanta o problema mas, sem se curvar a ele, busca a alternativa para soluciona o mesmo.

Quando Baudrillard invoca a Internet como o estopim do fim do significado na comunicação, Lévy apenas vê tal problema como algo que aparece ao lado da expressão da cibercultura, onde o mesmo meio que traz a reprodução do hiper-real encontrado em toda a mídia e a nova expressão cultural própria dele mesmo, a cibercultura:

“O ciberespaço se constrói em sistema de sistemas, mas, por esse mesmo fato, é também o sistema do caos. Encarnação máxima da transparência técnica, acolhe, por seu crescimento incontido, todas as opacidades do sentido. Desenha e redesenha várias vezes a figura de um labirinto móvel, em expansão, sem plano possível, universal (...). Essa universalidade desprovida de significado central, esse sistema da desordem, essa transparência labiríntica, chamo-a de ‘universal sem totalidade’. Constitui a essência paradoxal da cibercultura” (1999, 111).

Sendo um sistema universal, o ciberespaço se constrói sem a mediação de uma instituição central, daí Lévy colocá-lo como um sistema “sem totalidade”. Um sistema desses então, acolhe tanto a reprodução e os modelos midiáticos tradicionais com suas mensagens (ou não-mensagens) hiper-reais, quanto as novas expressões da cibercultura e da inteligência coletiva. E assim tem que ser num espaço universal sem totalidade, aberto a todas as formas de comunicação e expressão.

Como vimos, Baudrillard fez uso da fórmula de McLuhan para colocar que, dentro do hiper-real, não é só a mensagem que perde o significado, mas também o próprio meio. Já Lévy, quando fala da universalidade da Internet, vê na fórmula de McLuhan, a fórmula que coloca a cibercultura como a expressão desse novo meio:

“(...) o significado último da rede ou valor contido na cibercultura é precisamente a universalidade. Essa mídia tende à interconexão geral das informações, da máquina e dos homens. E portanto, se, como afirmava McLuhan, ‘a mídia é a mensagem’, a mensagem dessa mídia é o universal, ou a sistematicidade transparente e ilimitada. Acrescentemos que esse traço corresponde efetivamente aos projetos de seus criadores e às expectativas de seus usuários” (1999, 113).

Em suma, embora Lévy veja a Internet como meio de expressão da cibercultura, ele ainda o faz de forma um pouco potencial quando diz que “esse traço corresponde efetivamente aos projetos de seus criadores e às expectativas de seus usuários”, traço esse que pode não corresponder ás reproduções hiper-reais veiculadas nesta nova mídia, como nos mostra Baudrillard, e vai em desencontro ao que idealizaram os criadores da Internet. Mas sem dúvida, a análise da fórmula de McLuhan de ambos teóricos demonstra claramente a visão antagônica entre eles. Enquanto o primeiro enxerga esse meio como a expressão da universalidade, o segundo a vê como a implosão da comunicação. Como vimos, na passagem anterior, a Internet é um veículo comunicacional que se dá a todas as facetas comunicacionais. Se com o passar do tempo esse veiculo implodirá de vez a comunicação e os seus significados, ou será a plataforma da inteligência coletiva, do universal, só o futuro dirá. A minha opinião pessoal é que a Internet sempre se dará as duas possibilidades.

Como vimos em passagem anterior, Baudrillard comenta sobre o excesso de informação, o forcing publicitário que paira sobre o mundo virtual, e deixa uma pergunta no ar: “O blefe e a intoxicação não fazem eles mesmos parte do virtual? Nada sabemos disso” (2003, 75). É o que parece responder positivamente Pierre Lévy:

“Sem fechamento dinâmico ou estrutural (...), ela incha, se move e se transforma permanentemente (...). Suas inúmeras fontes, suas turbulências, sua irresistível ascensão oferecem uma surpreendente imagem da inundação de informação contemporânea. Cada reserva de memória, cada grupo, cada indivíduo, cada objeto pode tornar-se emissor e contribuir para a enchente (...). O dilúvio de informações. Para melhor ou pior, esse dilúvio não será seguido por nenhuma vazante. Devemos portanto nos acostumar com essa profusão e desordem” (1999, 160).

Fica fácil entender essa inundação de informações como parte própria do meio que é a Internet, como mesmo coloca Lévy, tal fenômeno faz parte da peculiaridade deste meio e do que a própria cibercultura representa: “A cibercultura, por outro lado, mostra precisamente que existe uma outra forma de instaurar a presença virtual da humanidade em si mesma (o universal) que não seja por meio da identidade do sentido (a totalidade)” (1999, 120). Ou seja, neste aspecto, Baudrillard tem razão quando se refere a “intoxicação da informação”, pois este fenômeno é próprio de um meio comunicacional não totalitário, não controlado por um órgão central, que tem abrangência planetária e conecta todos com todos, ou seja, é universal.

A crítica do hiper-real de Baudrillard passa em parte pelo que ele diz ser um “consumo por antecipação”, onde as pessoas vivem não a realidade em si, mas sim o hiper-real que a mídia nos traz. É “o mapa que precede o território”, e coloca a Internet como o grande modelo comunicacional que permite a hiper-realidade alcançar graus ilimitados, levando a comunicação ao seu próprio fim, o fim total do sentido comunicacional. As novas tecnologias interativas, de fato, permitem cada vez mais a vivência do “real”, através de diversos modelos comunicacionais que vão desde o programa que media um Chat on-line até um modelo de completo de realidade virtual, como encontrado em diversos jogos interativos em rede. Se existe um consumo por antecipação, sem dúvida a Internet é o caminho perfeito para tal. Pela Internet, o mundo hiper-real de Baudrillard ganha dimensões universais, como mesmo define Lévy a respeito da característica universal deste meio. Porém Lévy não vê a Internet como algo que substitui o real, algo que leve as pessoas a abandonar o real e viver apenas dentro de um mundo hiper-real. Pelo contrário, no livro “Cibercultura”, Lévy dedica a parte final do livro apenas a responder algumas críticas comuns e problemas a cerca da Internet, e é onde ele nos diz que o virtual não substitui o real. Colocando o virtual como um rompimento do “aqui-agora” da comunicação, Lévy diz: “A linguagem, primeira realidade virtual a nos transportar para fora do aqui e agora, longe das sensações imediatas, potência de mentira e de verdade, por acaso nos fez perder a realidade ou, ao contrário, nos abriu novos planos de existência” (1999, 219). A Internet não rompe ou substitui o mundo real, mas como mídia, se vale de todos os modos comunicacionais, sendo então, tanto como palco para a reprodução do hiper-real - própria das sociedades centradas na mídia - quanto palco para as comunicações que expressam a própria finalidade do meio, a cibercultura.

Assim como não substitui o real, o virtual também não substitui as velhas mídias, mas sem dúvida, exerce influência sobre elas:

“Nem os dispositivos de comunicação, nem os modos de conhecimentos, nem os gêneros característicos da cibercultura irão pura e simplesmente substituir os modos e gêneros anteriores. Irão antes, por um lado, influenciá-los e, forcá-los a encontrar o seu ‘nicho’ específico dentro de uma nova ecologia cognitiva” (1999, 218).

Isso pode ser relacionado com diversas mudanças que ocorrem nos meios tradicionais de mídia, incluindo os jornais diários de massa impressos, que apresentam queda em suas tiragens desde o surgimento da Internet e buscam novos modelos e alternativas, se valendo inclusive da própria Internet, para não correrem o risco de ficar de fora do negócio da informação e do próprio jornalismo.

A Internet não é o meio do hiper-real

O antagonismo de Lévy à Baudrillard constitui-se de um embate ideológico que marca longa data, Lévy menciona a questão do hiper-real denunciada por Baudrillard já em 1996 logo na introdução de sua obra “O que é virtual?”: “Deve-se temer uma desrealização geral? Uma espécie de desaparecimento universal, como sugere Jean Baudrillard?” (1996, 11). Como pudemos observar na análise das obras de Lévy, entende-se que este acredita que não.

Por fim, na obra “Cibercultura”, publicada cerca de três anos após o livro citado no parágrafo anterior, em capítulo reservado para responder as críticas e problemas comuns atribuídos à Internet, Lévy faz menção direta a Baudrillard quando responde à críticos que vêm a nova mídia como um instrumento de totalização de magnatas das grandes indústrias comunicacionais ou até mesmo como um instrumento de dominação militar, econômica e cultural norte-americana ou de qualquer outra potência mundial:

“Esse fato simples aniquila as análises sombrias desenvolvidas por Arthur Kroker e outros, que tomam a ficção científica como real e só oferecem ao público imitações mal feitas de Baudrillard[4]. Ora, infelizmente o próprio Baudrillard imita o radicalismo situacionista, sem possuir a inteligência fria, clara e objetiva de Guy Debord, nem o sopro quase místico de Vanheigem. Os situacionistas denunciam o espetáculo, ou seja, o tipo de relações entre os homens cristalizado pelas mídias: há centros que difundem mensagens para receptores isolados uns dos outros e mantidos em um estado de incapacidade de resposta. No espetáculo, a única participação possível é o imaginário. Ora o ciberespaço propõe um estilo de comunicação não-midiática por construção, já que é comunitário, transversal e recíproco” (1999, 224).

E enfim, Lévy atribui os problemas denunciados por Baudrillard às velhas mídias: “É a televisão, e não o virtual, que estabelece a impossibilidade de agir e o sentimento de irrealidade resultante” (1999, 224). Com isso, Lévy demonstra claramente que o hiper-real é produto das velhas mídias, sobretudo a televisão. Porém, se entendermos a Internet como uma mídia que, além da cibercultura, reproduz também as mídias tradicionais, veremos que a crítica de Baudrillard tem fundamento, afinal trata-se de mais um espaço que serve de palco para o hiper-real, embora fique claro que isto se trata de uma reprodução digital de um fenômeno característico das velhas mídias e não o fator condutor primordial da Internet, fator que de fato é, segundo Lévy, a cibercultura.

McLuhan, o meio e a mensagem

Como vimos, ambos filósofos, Lévy e Baudrillard, fizeram uso da fórmula de Marshall McLuhan, “o meio é a mensagem”. Recorremos então, à clássica obra do autor “Os meios de comunicação como extensões do homem” – em sua terceira edição em inglês de 1964 – onde logo na introdução o autor vai comentar sobre a sua fórmula: “‘O meio é a mensagem’ significa, em termos da era eletrônica, que já se criou um ambiente totalmente novo. O ‘conteúdo’ deste novo ambiente é o velho ambiente mecanizado da era industrial. O novo ambiente está reprocessando o cinema. Pois o conteúdo da TV é o cinema” (1964, 11). Uma reflexão sobre o fato da TV reprocessar o cinema, as diversas outras mídias que reprocessam suas predecessoras e também reprocessam as demais mídias com que interagem, nos remete ao fato da Internet igualmente reprocessar a TV e as demais mídias, algo que pode-se relacionar com ambas as teorias de Baudrillard e Lévy. É fácil compreender pelo que estudamos até aqui, que a Internet, ao mesmo tempo que se expande, absorve os elementos de todas as velhas mídias, encontramos na Web tanto os velhos jornais impressos reproduzidos digitalmente, assim como as novas iniciativas peculiares do webjornalismo, que está reprocessando o velho jornalismo, algo que aparece nas teorias de Lévy quando ele fala da superioridade do hipertexto sobre o texto, do suporte dinâmico sobre o suporte estático, da desterritorialização do texto e da desintermediação do jornalista, como estudamos. Exemplos atuais do que encontramos na Internet hoje em dia nos mostram isto na prática em ferramentas tais como: podcast, RSS e TV peer to peer[5], para citar apenas alguns exemplos básicos, são fórmulas que reprocessam o texto jornalístico, o áudio e a própria TV respectivamente. O texto jornalístico que utiliza a palavra escrita, o áudio que é o elemento fundamental do Rádio, e a TV que utiliza a imagem, que por sua vez é uma característica do Cinema, e utiliza também o áudio, característica do Rádio, agora são todos elementos reprocessados pela Internet, fato que segundo McLuhan, é uma característica da evolução dos meios: “Toda tecnologia nova cria um ambiente que é logo considerado corrupto e degradante. Todavia o novo transforma o seu predecessor em forma de arte” (1964, 12).

A palavra reprocessar pode nos levar à duas interpretações, a primeira é a que acabamos de comentar, e a segunda seria o fato dela também fazer uso do que já era processado, remodelando-o ao novo meio, a mesma mensagem replicada em novos meios. Afinal a mensagem busca o seu formato de acordo com o meio, conforme entendemos pela fórmula de McLuhan, mas na construção de sua peculiar forma de passar a mensagem, cada meio que surge utiliza-se e também fortifica os demais meios existentes: “O ‘conteúdo’ de um meio é como a ‘bola’ de carne que assaltante leva consigo para distrair o cão de guarda da mente. O efeito de um meio se torna mais forte e intenso justamente porque o seu ‘conteúdo’ é um outro meio” (1964, 33), nenhum meio também existe sem depender do outro: “(...) nenhum meio tem sua existência ou significado por si só, estando na dependência na constante inter-relação com os outros meios” (1964, 42). Assim, grande parte do conteúdo da Internet é o conteúdo de outros meios, como exemplificamos, o jornal, o rádio e a TV. Dessa forma todo aquele mundo hiper-real denunciado por Baudrillard é parte também do conteúdo da Internet, esta então, os está reprocessando e, dadas as características interativas do novo meio, está replicando também na Internet os simulacros que já existiam na mundo midiático da TV e dos outros meios, dando-os nova forma e fortificando-os. Assim a Internet é, no mínimo, mais uma mídia que replica os simulacros das velhas mídias.

Uma citação ainda no prefácio de sua famosa obra, McLuhan nos fala das extensões do homem, a mídia como extensão comunicacional com seus diversos meios, onde ele mostra que tanto a inteligência coletiva – defendida por Lévy como sendo a expressão peculiar do meio comunicacional que é a Internet – quanto o hiper-real denunciado por Baudrillard, são fatores que estarão presentes no mundo da tecnologia elétrica, ainda mais quando pensamos na informação que além de elétrica agora é também binária (a linguagem-chave que carrega a tradução de todas as outras linguagens):

“Estamos nos aproximando da fase final das extensões do homem: a simulação tecnológica da consciência, pela qual o processo criativo do conhecimento se estenderá coletiva e corporativamente a toda a sociedade humana, tal como já se fez com nossos sentidos e nossos nervos através dos diversos meios e veículos. Se a projeção da consciência – já antiga aspiração dos anunciantes para produtos específicos – será ou não uma ‘boa coisa’, é uma questão aberta às mais variadas soluções” (1964, 17).

A simulação tecnológica da consciência, que se multiplica com as características tecno-interativas da Internet e das redes digitais, é algo que Baudrillard nos mostra como sendo um dos fatores fundamentais para a criação dos simulacros, é um fator que, como mesmo disse McLuhan, é uma aspiração dos anunciantes, dos publicitários que criam através da mídia, o mundo hiper-real da sociedade de consumo capitalista. Ao mesmo tempo, McLuhan fala que o processo criativo do conhecimento se expandirá coletivamente, tanto para as corporações quanto para a sociedade e seus indivíduos. Ora essa nova consciência coletiva nada mais é do que uma referência direta à inteligência coletiva que emerge com a Internet e os diversos novos meios eletrônicos como nos contou Lévy. Business Inteligence, por exemplo, é um conceito corporativo tecnológico que está modificando a forma das corporações trabalharem, buscando o foco de atuação naquilo que a empresa tem de melhor[6], uma forma de expressão da inteligência coletiva, a coletividade elétrica e binária, no mundo empresarial. A cibercultura é a expressão da sociedade com seus indivíduos conectados frente à inteligência coletiva que advém das novas mídias digitais interativas deste mundo eletro-binário. Como vimos, a citação de McLuhan mostra que já estamos vivendo a atualidade da fase final das extensões do homem, e nesta fase as expressões da inteligência coletiva e dos simulacros estão presentes e ainda abertas para soluções.

Finalmente, no primeiro capítulo de sua obra, intitulado não por acaso de “O meio é a mensagem”, temos a explicação do que significa essa fórmula pelas palavras do próprio autor. A primeira citação da fórmula aparece logo na primeira frase do capítulo: “Numa cultura como a nossa, há muito acostumada a dividir e estilhaçar as coisas como meio de controlá-las, não deixa, às vezes, de ser um tanto chocante lembrar que, para efeitos práticos e operacionais, o meio é a mensagem” (1964, 21). Mas enfim, qual é esse efeito prático? Em relação à Internet e os demais meios, qual seria esse efeito? Como vimos, Baudrillard coloca que a Internet implode com todos os meios (ver página 13), levando ao fim da comunicação, ao fim do significado, há um mundo onde teremos o predomínio de simulacros apenas. McLuhan ratifica a fala de Baudrillard quando coloca que: “A aceleração da velocidade da forma mecânica para a forma elétrica instantânea faz reverter a explosão em implosão[7]” (1964, 53). Essa implosão pode ser entendida também quando McLuhan fala da fragmentação: “A reestruturação da associação e do trabalho humanos foi moldada pela técnica de fragmentação, que constitui a essência tecnológica da máquina” (1964, 21). Os novos meios eletrônicos, baseados em máquinas computacionais, implodem os demais meios levando-os à fragmentação, eles precisam buscar as suas peculiares formas de passar a mensagem, deixando de se alimentar apenas dos outros meios, buscando o que seria, como nos disse McLuhan em passagem anterior, a sua “arte”. Ao mesmo tempo, a binarização que advém da Internet e dos novos meios eletrônicos digitais, absorve toda aquela mensagem e a reprocessa, ou seja, a Internet transmite as mensagens que eram do jornal, do rádio e da TV com novas características, que são as características próprias do novo meio. Nesse caso, a implosão da comunicação questionada por Baudrillard estaria relacionada ao fato das velhas mídias se modificarem em função da Internet, e esta, por sua vez, com características de interatividade e coletividade, uma mídia que expressa a inteligência coletiva, a universalidade, como bem colocam tanto McLuhan quanto Lévy (para este último a universalidade é a própria mensagem do meio Internet), características que aumentam ainda mais as extensões comunicacionais do homem, e ainda, sendo essa coletividade uma maneira de aproximar comunicação do homem à projeção de sua consciência, utilizando-se inclusive de simulações tecnológicas para universalizá-la, o cenário resultante será a propagação do simulacro dentro dessa inteligência coletiva. Além da expansão comunicacional através da inteligência coletiva, teremos a expansão dos simulacros, os simulacros da mídia, dos indivíduos, das corporações e por fim, o simulacro coletivo, a universalização do simulacro. Poderia ser este então, o fim da comunicação como profetiza Baudrillard, o colapso total da mensagem, sendo a Internet assim, o “meio do colapso”. A Internet, ao mesmo tempo que fragmenta as demais mídias, recria a própria mídia a partir desses fragmentos e projeta-os dentro do universal. Mas, como vimos, McLuhan sugere que este é um campo ainda aberto à soluções, tanto à coletividade e ao hiper-real, quanto ao imprevisível. De qualquer forma, o raciocínio acima nos remete ao fato de ambas as interpretações da fórmula de McLuhan, por Lévy e Baudrillard, estarem, cada uma com o seu prisma próprio de visão, corretas. E mais, podemos dizer que a fórmula de McLuhan é um ponto onde as duas teorias se encontram, ela não somente serve para embasar as teorias de ambos filósofos, como bem mostra a correlação de uma à outra, como elas coexistem no mundo eletro-binário o qual nos revela o canadense.

Enfim, McLuhan desvenda parte de sua fórmula: “‘O meio é a mensagem’, porque é o meio que configura e controla a proporção e a forma das ações e associações humanas” (1964, 23). Esta fórmula enfim, é algo que vai guiar toda a pesquisa em relação aos meios comunicacionais e também o estudo do impacto social de cada um, em suma, é uma chave que abre a porta para os estudos dentro do amplo mundo da comunicação. Conforme aponta uma estudiosa do autor:

“Partindo desta tese central[8], McLuhan vai desencadear uma dupla operação: 1) estudar a evolução dos meios comunicativos usados pelos homens ao longo da sua História e, 2) identificar as características específicas de cada um desses diferentes meios de comunicação. São estes dois vectores de investigação que estão na raíz das suas duas obras fundamentais, a saber: Understanding Media, de 1964, na qual procura determinar as propriedades diferenciadores de cada um dos meios de comunicação e The Gutenberg Galaxy de 1962 – a sua obra mais importante – na qual procede à análise da evolução mediática, a seu ver determinante das transformações da cultura humana” (POMBO: 1994, 41).

A importância do meio, como entendemos, está no fato deste configurar a mensagem por ele emitida, o impacto e a abrangência da mensagem sobre os receptores dependerá assim, do meio utilizado – uma forma de medir a importância de cada meio, seria relacioná-lo com custo publicitário que ele carrega, poderia dizer Baudrillard, ao equacionarmos suas teorias do hiper-real com outras suas relativas ao mundo publicitário[9] – o meio configura a mensagem entre emissores e receptores, como intermediadores de ações e associações do Homem. Sendo assim, percebemos que a Internet com as suas características, amplia radicalmente essa extensão comunicativa do Homem, permitindo novas associações que irão gerar, e já o fazem em diferentes graus, novas ações. Essas novas ações passam, como vimos, pela nova cultura midiática, a cibercultura, e também pela extensão de velhas culturas da mídia, como o Jornal, o Rádio e a TV, e assim, a extensão do mundo hiper-real que delas advém e já se faz presente nas novas mídias.

Outra referência de McLuhan à sua própria fórmula, a relaciona com o movimento cubista. Segundo o autor, é o movimento artístico cubista que delata a existência de sua fórmula:

“Ao propiciar a apreensão total instantânea, o cubismo como que de repente anunciou que o meio é a mensagem. Não se torna, pois, evidente que, a partir do momento que o seqüencial cede ao simultâneo, ingressamos no mundo da estrutura e da configuração? (...) Os segmentos especializados da atenção deslocaram-se para o campo total e é por isso que agora podemos dizer, da maneira a mais natural possível: ‘O meio é a mensagem’” (1964, 27).

Além de delatar o cubismo como uma expressão artística que possui as características dos novos meios digitais interativos, a passagem acima também delata os embasamentos das teorias de Lévy. Nesta passagem, McLuhan fala da substituição do seqüencial pelo simultâneo e do deslocamento das atenções para o total, elementos que embasam o universal sem totalidade, um dos elementos-chave das teorias de Lévy em relação à Internet que são comentadas por McLuhan nesta associação de sua fórmula com o cubismo. Neste caso, a Internet seria uma expressão midiática, na forma de um novo meio, correspondente ao mundo da estrutura e da configuração e, justamente por sua estrutura comunicacional permitir a comunicação universal sob diferentes configurações, vai permitir o deslocamento da atenção de seus usuários para o todo, e esse todo seria então, o universal não-total comentado por Lévy (ver página 20). Um dos elementos que, segundo a análise das teorias de Lévy, poderiam libertar o mundo comunicacional da rigidez dos antigos meios, criando assim uma alternativa para o mundo hiper-real denunciado por Baudrillard e atribuído às velhas mídias por Lévy. Porém não podemos abrir mão do fato dos novos meios se apropriarem das características dos velhos meios como vimos, e a ênfase que o próprio McLuhan dá ao fato das novas configurações midiáticas estarem abertas tanto às novas expressões da coletividade, quanto às novas possibilidades de exploração desse novo mundo universalizado pelas velhas fórmulas do “antigo” mundo midiático (que não é totalmente antigo, pois ainda coexiste com o novo), o que inclui o hiper-real e seus simulacros.

A instantaneidade e simultaneidade mencionadas por McLuhan, são fatores que remetem à mídia do “mundo elétrico” apontado pelo autor, onde a comunicação, ao eletrificar-se, ganha as características de velocidade da própria luz, refere-se à toda era contemporânea da comunicação, onde esta é mediada também por diversos aparatos eletrificados – os eletrodomésticos[10] – o rádio e a TV em conjunto com várias tecnologias eletrônicas que vão até o satélite, e hoje também através das redes computacionais, carregando mensagens de forma instantânea e simultânea onde, identifica Baudrillard, jaz o instrumento de massificação dos simulacros. Esses dois fatores que McLuhan relaciona à sua fórmula, instantaneidade e simultaneidade, são característicos da comunicação que ganhou força a partir da era da radiotransmissão e que perduram, agora com uma capacidade maior de conectividade, ganhando então, ainda mais força através das redes inteligentes de comunicação que quebram com seqüencialidade[11], a própria rigidez desses meios antigos. Esse novo meio é quem ditará as novas expressões, as novas mensagens, com todas as características midiáticas que possui, englobando inclusive, as características que pertencem às mídias tradicionais.

Considerações Finais

Neste ensaio teórico, vimos que as visões de Pierre Lévy e Jean Baudrillard relativas a Internet são completamente antagônicas, apesar disso, uma coisa fica clara: o impacto da Internet sobre a sociedade e sobre as mídias tradicionais é um fato, seja como o veículo vetor do hiper-real, seja como veiculo que leva às novas iniciativas interativas, um novo palco de inteligência coletiva. De qualquer forma, a Internet amplia a capacidade comunicacional do homem, como evidencia os estudos de McLuhan, de forma que aumenta também, a capacidade do homem em utilizá-la como meio propagador de simulacros. Aumentando a capacidade de conectar os homens e trazendo uma série de funções interativas, a Internet também amplia a capacidade de transmitir informações e conhecimentos, trazendo através dessas conexões interativas, uma capacidade maior de inteligência humana, a inteligência coletiva.

A análise preliminar da fórmula de McLuhan “o meio é a mensagem”, nos mostrou que ela serve à ambas as teorias de Lévy e Baudrillard, é uma chave tanto para compreendermos as novas iniciativas do ciberespaço – a inteligência coletiva e a cibercultura – quanto o hiper-real.


E o jornalismo?

Como foi proposto, dentro desta análise das teorias de Lévy e Baudrillard, colocamos mais um elemento, o jornalismo. Como vimos, Lévy trouxe várias teorias que colocam em cheque o velho modelo de jornalismo impresso de massa. Teorias de grande valia para entendermos o novo contexto do jornalismo com o advento da Internet. Já Baudrillard não trouxe diretamente nenhum conceito que pudesse servir de embasamento para um estudo comparativo entre os jornais impresso e digital. A sua teoria do hiper-real, no entanto, pode servir para explicar em parte a crise dos jornais impressos se partirmos do pressuposto que o jornal impresso, inserido dentro de um contexto midiático hiper-realista, pode justamente estar em crise devido ao fato do leitor buscar novas alternativas de fuga ao hiper-real dentro da Internet pois, além do hiper-real, ela traz novas alternativas relativas ao mundo da informação e da notícia que vão além do que nos traz o estático jornal diário impresso.

Ainda existem outras passagens do livro “Cibercultura” de Pierre Lévy que serão de extrema valia para a minha dissertação que não entraram neste estudo, que relacionam a Internet e o jornalismo, como por exemplo quando Lévy fala dos seguintes tópicos: programas que buscam notícias, os gophers e knowbots (p. 106), mais detalhes sobre a comunicação todos com todos (p. 167), a reprodução do jornal na Web (p. 188), e a Internet como mídia alternativa ao mass media e o jornalismo (p. 203). Existem ainda outros tópicos da mesma obra que concernem ao jornalismo mas não entraram neste estudo, e sim em outro deste mesmo autor que relaciona a Internet com a Esfera Pública[12].

E, como pode ser observado através da bibliografia deste trabalho, a relação deste com o jornalismo ainda não se esgota, novas leituras serão realizadas na busca da compreensão teórica do contexto do jornalismo impresso de massa diante do webjornalismo. Um estudo mais profundo e a leitura de outras obras de Pierre Lévy e Jean Baudrillard e outros autores que estudam o webjornalismo e a Internet ainda podem enriquecer muito as questões levantadas neste trabalho.

Nocaute de Lévy sobre Baudrillard

E, finalmente, dentro da proposta de uma “luta de boxe” entre Pierre Lévy e Jean Baudrillard, depois de todo levantamento teórico ligado a Internet de ambos filósofos, e a neutralidade da arbitragem de Marshall McLuhan, vimos que Lévy rebate muitas das questões levantadas por Baudrillard, como um boxeador que se esquiva do golpe de seu oponente e contra-golpeia em seguida. No final do confronto de ambas teorias levantadas, Lévy dá uma resposta direta para Baudrillard, tirando o hiper-real como a expressão principal da Internet. Entendemos essa resposta direta de Lévy para Baudrillard como um perfeito e potente soco, um direto perfeito, que levou Baudrillard ao nocaute. No embate entre esses dois teóricos, onde o palco e a razão do enfrentamento de ambos foi a Internet e, seus punhos as suas palavras, a vitória foi de Pierre Lévy por nocaute no 7º assalto.

Notas:
[1] Onde dentro deste “hiper-real” podemos incluir toda a teoria sobre a “Indústria Cultural” de Adorno e Horkhamer. N. do A.
[2] Banda-larga.
[3] Aqui podemos colocar as teorias de Walter Benjamin sobre a questão da perda da “aura” da criação artística em função das técnicas de reprodução que, com o advento do digital e as grandes redes interativas, aumentam ainda mais. N. do A.
[4] O grifo é meu.
[5] Podcast é uma ferramenta que permite compartilhar arquivos de áudio pela Internet, muito usada por sites de notícias, webrádios e blogs. RSS é uma ferramenta que permite buscar notícias de vários sites que disponibilizam esse serviço, sob demanda e atualizadas em tempo-real. TV peer to peer é uma forma de se fazer televisão compartilhada pela Internet.
[6] O que pode ser a chave para a criação de “corporações ocas”, como nos mostra a pesquisadora Noami Klein, em seus estudos sobre marcas corporativas: “Marcas Globais e o Poder Corporativo” in MORAES: 2003, 173-186.
[7] Um meio novo que se expande, aumentando as extensões do Homem, acaba levando os meios antigos à implosão: eles não buscam mais o todo por isso agora quem o faz é o novo meio, eles passam então a olhar para dentro, crescendo para dentro, seria como o processo de fissão nuclear, levaria a uma implosão que fragmenta ainda mais o núcleo e se irradia à periferia, onde está o novo meio. N. do A.
[8] “O meio é a mensagem”.
[9] Estudo intitulado “A publicidade” in BAUDRILLARD: 2000, 173-191.
[10] À venda naquele hiper-mercado aglomerado como nos contou Baudrillard. N. do A.
[11] Um obstáculo à comunicação, e ao simulacro também. N. do A.
[12] Trabalho intitulado “A Internet e a Esfera Pública”, estudo relacionado à matéria “Mídia, Política e Opinião Pública”, ministrada pelo Prof. Dr. Marcelo Coutinho do curso de mestrado da Faculdade Cásper Líbero.

Bibliografia:
BAUDRILLARD
, J. Simulacros e simulação. Lisboa: Relógio D’água, 1997.
BAUDRILLARD, J. Tela total. Porto Alegre: Sulina, 2003.
LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999.
LÉVY, Pierre. O que é virtual? São Paulo: Editora 34, 1996.
MCLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação como extensões do homem – (Understanding media). Tradução: Décio Pignatari. São Paulo. Editora Cultrix, 1964.
POMBO, Olga. O meio é a mensagem in 1º Caderno de História e Filosofia da Educação, (pp. 40-50). Lisboa: Ed. Departamento de Educação da Faculdade de Ciências de Lisboa, 1994.

Bibliografia Complementar:
ADORNO, T. e HORKHEIMER, M. Dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.
BENJAMIN, Walter. A obra de arte na época de suas técnicas de reprodução in Temas Escolhidos. São Paulo: Abril, 1975.
BAUDRILLARD, J. O sistema dos objetos. São Paulo: Perspectiva, 2000.
COSTA, Caio Túlio. Por que a nova mídia é revolucionária in Revista Líbero nº 18. São Paulo: Líbero, Dezembro 2006, p. 19-30.
COSTELLA, Antonio F. Comunicação – Do grito ao satélite. Campos do Jordão-SP: Mantiqueira, 2001.
FERRARI, Pollyana. Jornalismo digital. São Paulo: Contexto, 2004.
MORAES, Dênis de (org). Por uma outra comunicação. Rio de Janeiro: Record, 2003.
PINHO, J. B. Jornalismo na Internet. São Paulo: Summus, 2003.

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Artigo
A Esfera Pública Conectada

O tecnocrata e sociólogo Prof. Dr. Sérgio Amadeu da Silveira (USP), em palestra na Faculdade Cásper Líbero[1], fez uma excelente explanação sobre os estudos do norte-americano Yochai Benkler (2006:212-272), e aponta para o surgimento de uma nova esfera pública através da Internet, a qual ele chama - conforme o conceito do americano - de “esfera pública conectada”.

Benkler parte do paradigma de que o ambiente de redes interativas, ou seja, a Internet, gera uma economia baseada em fluxos organizacionais e isso caracteriza a comunicação da própria rede. Essa característica das redes, diz Benkler, alteram a esfera pública. Benkler defende que a rede é usada para se construir uma esfera pública com praticas radicalmente diferentes das encontradas nos mass media. Existe um potencial maior de criação de esfera pública na Internet do que nos tradicionais veículos que compõem os mass media (rádio, TV e jornais), pois a Internet tem um potencial mais democrático devido ao fato de ela ser compartilhada e, assim, gerar a peer production. Diferentes camadas em diversos níveis de conversações e conexões podem gerar diferentes graus de eficiência e efeitos, que por sua vez trazem novos horizontes para uma esfera pública através da Internet.

Sobre os elementos fundamentais da diferença entre a informação econômica em rede e os meios de comunicação de massa, o professor de ética jornalística Caio Túlio Costa (USP) faz considerações em referência ao estudo de Benkler, demonstrando quais são as bases da economia de fluxos organizacionais em rede, que se compõe de dois elementos:

O primeiro elemento é a mudança da comunicação unidirecional, voltada ao sujeito final, para uma arquitetura de conexões multidirecionais distribuída entre os inúmeros nós no ambiente da informação em rede. O segundo elemento é praticamente a abolição dos custos como barreira para se comunicar, ultrapassando fronteiras. Juntas essas duas características teriam alterado fundamentalmente a capacidade dos indivíduos no sentido de atuarem sozinhos ou com outros, de serem participantes da esfera pública (...) em oposição aos passivos leitores, ouvintes ou telespectadores (Costa, 2008:290-291).

Ou seja, a peer production é resultado da democratização da mídia, com a abertura de canais múltiplos de comunicação de fácil inserção para os indivíduos. Para exemplificar sua teoria, Yochai Benkler mostra como isso ocorre através de dois cases.

A-) Boicote a Sinclair

Em 2004, durante o processo eleitoral norte-americano, quando George W. Bush foi reeleito presidente da nação, o dono da Sinclair – uma rede de televisão estadunidense – juntou os seus editores para fazer um documentário sobre o adversário de Bush na campanha, o senador democrata John Kerry. O documentário visava enfocar de forma pejorativa e prejudicial a participação do candidato na guerra do Vietnã, com o intuito óbvio de manchar sua imagem e favorecer Bush. A informação de tal documentário vazou da redação da televisão e causou indignação entre diversas pessoas, dentre elas alguns jovens e blogueiros. Esses blogueiros, de forma não articulada, fizeram a notícia circular pela Internet e também criaram um site, o Boycott Sinclair[2]. Esta iniciativa se voltou para os anunciantes de rede Sinclair, pedindo que esses retirassem seus anúncios. Tal articulação gerou uma queda de receita da rede televisiva e a sua conseqüente desvalorização na bolsa de valores. Foi pedida também a cassação da concessão de transmissão da Sinclair. Em função disso, a Sinclair teve que retroagir e não veicular o documentário ante os prejuízos que teve e o furor do público. O caso mostra como o uso da Internet, através da disseminação de uma informação, gerou uma ação reativa do público e o conseqüente estrangulamento econômico de uma empresa. Esse exemplo também mostra como o novo meio serve, inclusive, como um mediador dos demais meios.

B-) O Sistema Eletrônico da Diebold

A Diebold [3] é uma empresa de softwares embarcados em máquinas (ATM machines) que cuidava das urnas eletrônicas nas eleições californianas. Uma blogueira defensora da transparência na condução de negócios públicos, o que incluía eleições, conseguiu, através da Internet, baixar documentos da Diebold. A massa de documentos continha muitas informações, incluindo diversos documentos criptografados. A blogueira, então, distribuiu os documentos por e-mail para diversas pessoas, pedindo que elas a ajudassem a descobrir do que se tratavam, já que ela não conseguiria sozinha fazer tal análise. A análise dos documentos por diversas pessoas levou à montagem de provas que colocavam em cheque o sistema eletrônico da Diebold. Além disso, um hacker conseguiu baixar dos servidores da Diebold um conjunto de e-mails da empresa com diversos fatos comprometedores e os publicou num site. A Diebold, baseando-se na lei de proteção ao copyright, reivindicou a posse de tais e-mails e conseguiu a retirada do site da web. Porém o hacker distribuiu os e-mails por diversos computadores através da Internet, utilizando-se de uma plataforma Bit Torrent. As pessoas tiveram acesso a tais e-mails e, somando as provas montadas através dos documentos obtidos, terminou por descredenciar a empresa e suas urnas nas eleições da Califórnia. Aqui temos um exemplo de compartilhamento do conhecimento e da informação, fruto de uma ação investigativa com conseqüências diretas sobre uma empresa privada, com reflexos dentro de um processo eleitoral, que só foi possível pela existência de uma rede interativa e compartilhada como é a Internet. É também um exemplo claro de como se dá a atuação da inteligência coletiva num contexto político dentro da web.

Nesses dois casos, vemos que o público desvenda uma manipulação política e vai em busca das providências cabíveis. O público é quem acessa a informação e a dissemina ao próprio público, não um jornal ou qualquer outro tipo de veículo de mídia, um fato novo dentro do contexto de esfera pública e que demonstra a potencialidade, a força da peer production e da própria inteligência coletiva. Demonstra também como se constrói a força dos indivíduos na rede, onde, mesmo separados fisicamente, podem atuar em conjunto.

Na sua análise da Internet dentro deste conceito de esfera pública, Benkler destaca alguns fatos relevantes. Em primeiro lugar, ele diz que o poder dos proprietários dos veículos de mass media é realmente um fato; em relação a isso, a Internet é um veículo que pode exercer um contrapoder. Em suma, os mass media têm relação direta com o fim da esfera pública. Nessa relação de poder e contrapoder fica claro que, enquanto os mass media matam a esfera pública, a Internet a resgata. Outro fato que Benkler destaca em relação à Internet e a esfera pública é que a esfera conectada é diversa do conceito que até então temos de esfera pública, ela permite diversos modos de articulação por grupos distintos e separados geograficamente em processos não coordenados. A Internet, em oposição aos mass media, trabalha com o conceito do “see for youself”[4], fundamental para a criação de uma opinião pública não manipulada, capaz assim de decidir os seus rumos com informações confiáveis e verificáveis, o que leva diretamente ao conceito exposto por Eugênio Bucci (2007), segundo o qual na Internet é mais fácil se chegar na informação ou ao obstáculo que nos separa dela (e, neste caso, um bom hacker pode transpor esse obstáculo, como vimos no case acima). A Internet aproxima o usuário das fontes e permite a interação e o compartilhamento das informações entre eles. Esse também é um aspecto que o professor Caio Túlio Costa enxerga em sua análise sob o foco ético das questões relativas às novas mídias; com amparo nas teorias de Benkler, enfatiza que: “A nova condição do indivíduo pode ser uma plataforma para cultivar uma cultura mais crítica e autoreflexiva, aprofundar a participação democrática e trazer melhoras no desenvolvimento humano em nível mundial” (Costa, 2008:330).

Por fim, Benkler fala sobre os efeitos da esfera pública conectada nas sociedades neoliberais. Em primeiro lugar, tal esfera, que se forma a partir da Internet, permite a emergência de novos atores não-comercias dentro do cenário da mídia (como a blogosfera e as redes de compartilhamento nesses cases citados), e o engajamento nas atividades mediatizadas pela Internet é muito maior em relação ao do observador passivo dos veículos de mass media, fatos que, como vimos, vão ao encontro das reflexões de Caio Túlio Costa.

Convergência

Costa vai além, dentro das questões que concernem à esfera pública conectada, ele tece reflexões e traz exemplos de como a convergência muda o contexto dessa esfera. E mais, expande o poder mediático da Internet através dos gadgets que também compõem a grande rede como, por exemplo, os aparelhos celulares: “Nova mídia não significa apenas Internet, evidentemente. E sim, todas as novas formas atuais e futuras de comunicação baseadas em desenvolvimento tecnológico” (Costa, 2008:335), e enfatiza a capacidade comunicacional desse singelo aparelho, “(...) o celular alimenta informações na rede, recebe-as, emite-as, fotografa, grava vídeo, é emissor e receptor de informações de toda a espécie” (Costa, 2008:336). Enfim, faz considerações sobre esse novo aparato tecnológico e cita dois grandes exemplos de como ele pode disseminar informações relevantes dentro da esfera pública:

A questão tecnológica é para ser levada a sério. Ela permitiu (...) a movimentação dos espanhóis no sentido de mudar os rumos de uma eleição usando aparelhos celulares, e-mails e mensageiros instantâneos, para convocar os compatriotas a ir às urnas e derrotar o governo que havia distribuído informação falsa sobre os responsáveis pelo atentado aos trens em Madri em 2005 que matou 191 pessoas (Costa, 2008:291).

Como vemos, a somatória dos gadgets e da Internet trouxe uma nova luz à esfera pública no exemplo citado acima. Além do caso madrileno, Costa também lembra de como os celulares foram fundamentais para a instalação do terror quando, em 2006, o PCC – Primeiro Comando da Capital –, uma organização criminosa, parou a cidade que não pára, a “zettalópole” de São Paulo. Esse caso, embora tenha outras implicações que extrapolam a questão da esfera pública, é um exemplo de como as novas mídias são capazes de trazer informação relevante para os usuários, sejam estas idôneas ou não (que é o teor da reflexão de Costa). O caso do PCC é, para o professor de Mídia e Política Marcelo Oliveira Coutinho Lima (Facasper)[5], um grande exemplo do valor das informações que circulam através das novas mídias para os seus usuários. Nesse caso, a população de São Paulo confiou no que circulou pela Internet, pelo e-mail e pelo celular, e não nos informes oficiais veiculados no mainstream media.

O outro exemplo de Caio Túlio Costa sobre a atuação das novas mídias na esfera pública, em nova referência aos aparelhos celulares, é o seguinte:

No limite, ajudou a depor um chefe de Estado nas Filipinas, em 2001. Howard Rheingold conta como Joseph Estrada, presidente das Filipinas, foi o primeiro chefe de Estado em toda a história a perder o poder por conta das manifestações organizadas por meio desse novo meio de comunicação. Na ocasião, mais de um milhão de moradores da capital Manila, mobilizados e coordenados por uma onda de mensagens de texto, afrontaram o regime com manifestações pacíficas. Dezenas de milhares de filipinos convergiram para a avenida Epifanio de Los Santos, conhecida como “Edsa”, uma hora após a primeira mensagem de texto ter sido lançada: GO 2 EDSA WEAR BLACK, ou “VÁ PARA EDSA USE PRETO”. Durante quatro dias, milhares de cidadãos apareceram vestidos de preto na avenida. O presidente caiu (Costa, 2008:226 citando Rheingold, 2002:157-158).

Mais uma vez, temos um exemplo de uma esfera pública amparada em novas tecnologias, capaz de, não só veiculares informações, mas de trazer coesão suficiente aos seus usuários de forma a conduzir um movimento forte o suficiente para alterar a cena política de uma determinada comunidade, o que chega a incluir, em alguns casos, um país inteiro.

Objeções

As primeiras objeções que colocamos relacionam-se aos exemplos de esfera pública dentro dos conceitos do estudioso alemão Jürgen Habermas - a maior autoridade sobre o assunto. Um dos exemplos clássicos de esfera pública se formou dentro do contexto histórico da Revolução Francesa e se formam na Revolução Inglesa, como destaca os estudos do alemão. Diversos estudiosos vão contra a tese de Habermas e afirmam que não existia esfera pública em torno da Revolução Francesa, e sim uma “manipulação da opinião pública” ou uma “propaganda política”. Dentre os estudiosos que defendem essa idéia, está a jornalista revolucionária francesa Camille Desmoulins (1760-1794) que, segundo colocações na obra de Briggs e Burke (2006), introduziu tal idéia ainda naquela época: “(...) Camille Desmoulins (...), por exemplo, comparou ‘a propagação do patriotismo’ com a do cristianismo, enquanto os monarquistas no exílio denunciavam a ‘propaganda’ da Revolução” (Briggs e Burke, 2006:105). E, segundo Briggs e Burke, tal colocação se refere a “(...) mobilização consciente da mídia com objetivo de mudar atitudes pode ser descrita como propaganda” (Briggs e Burke, 2006:105).

Outro estudioso que vai contra a idéia de imprensa de opinião que fez parte da esfera pública francesa no século XVIII, é o jornalista Eugênio Bucci[6]. Embora não fale em “manipulação da opinião pública”, Bucci contraria o conceito de jornalismo de opinião e exemplifica sua idéia através da Revolução Francesa. Ele afirma que o modelo jornalístico praticado no início do século XVIII era um veículo de propaganda das idéias iluministas, e o jornalismo deve ser um veículo isento de informação para que o público chegue às suas próprias conclusões.

Já o estudioso Venício Lima[7] expõe que o próprio Habermas admite que o modelo de esfera pública que ele estudou só pode ser entendido dentro do contexto da sociedade inglesa do século XVIII, e não pode ser aplicado para o atual contexto da mídia. Segundo Lima, nada do que ocorria no século XVIII pode ser aplicado no papel atual da imprensa, sobretudo no Brasil. Tal colocação vai diretamente a busca na Internet de uma esfera pública dentro dos moldes traçados por Habermas. Apesar disso, nada impede de se ousar e tentar contrariar tais figuras notórias. Além do mais, pelo que se observa nos estudos da esfera pública conectada de Yochai Benkler, a Internet é uma mídia que tem características muito distintas dos mass media, e por isso ela tem capacidade de resgatar a esfera pública, e se não o faz dentro do modelo de Habermas, poderá fazê-lo ao menos dentro dos ideais. Porém, concordamos com Lima que o modelo de Habermas não poderia ser aplicado à mídia no Brasil, e nem mesmo as colocações de Benkler sobre a esfera pública conectada pois, como vimos, tais estudos do estadunidense se fizeram em cima do cenário da sociedade norte-americana, que possui um modelo de mídia diferente do nosso, onde a liberdade de expressão é o pilar mais forte que a sustenta.

Hoje Habermas baseia-se em outro modelo para estudar o entorno da esfera pública, modelo que não é seu, e sim do estudioso Bernhard Peters, citado em artigo da professora doutora em Comunicação Social Ângela Cristina Salgueiro Marques (UFMG), que analisa os meios de comunicação e a esfera pública no contexto contemporâneo. Assim descreve Marques o modelo utilizado por Habermas:

(...) o qual organiza os atores políticos e sociais em um eixo composto de um centro e vários anéis periféricos. No centro estariam os complexos institutos formais, como parlamentos, cortes, agências administrativas responsáveis pelas decisões legislativas e judiciárias (...) etc. (...). Próximas ao núcleo administrativo estariam esferas autonomamente organizadas, mas intrinsecamente ligadas ao governo (universidades, câmaras, associações beneficentes, fundações etc.). E, em um terceiro nível, estariam as associações sociais politicamente orientadas para a formação da opinião (...) grupos de interesses, instituições culturais, grupos de ativistas ambientais, igrejas etc. (Marques, 2008:25).

Apesar disso, Marques demonstra em seu artigo que, mesmo enxergando-se a esfera pública a partir de um diferente modelo, os questionamentos a respeito do fim da mesma como espaço donde erige a opinião pública, ainda são pertinentes no contexto atual apesar da sociedade organizar-se de forma diferente neste momento. Ela diz que: “Não obstante, é preciso ressaltar que suas críticas feitas permanecem atuais no que diz respeito ao modo como a produção da informação jornalística é limitada por diversos tipos de constrangimentos externos e internos” (Marques, 2008:24). Esses “constrangimentos” passam por todas questões as quais, tanto Habermas (2008:9-22) quanto Marques, destacam em seus estudos atuais relativos à esfera pública, o que leva em conta uma longa análise sobre a ético dos meios de comunicação. Questões que falam de uma opinião pública que não é exatamente pública, pois esta opinião, dentro do modelo acima descrito, parte majoritariamente do centro à periferia, ao passo que o correto seria o inverso.

O historiador e Ph.D Mark Poster (New York University) também entende que o conceito de esfera pública de Habermas não seria aplicável à Internet. Ele expõe[8]:

Para Habermas, a esfera pública é um espaço homogêneo de sujeitos personificados em relações simétricas, perseguindo consenso através da crítica de argumentos e a apresentação de afirmações válidas. Esse modelo, eu afirmo, é sistematicamente negado nas arenas da política eletrônica. Nós estamos aconselhando então que o conceito de esfera pública de Habermas, que classifica a Internet como um domínio político, seja abandonado.

O estudo de Poster diz que aqueles espaços públicos de antigamente que usamos como referência de esfera pública, da ágora grega aos inflamados salons franceses da Revolução, foram todos tomados pela mídia, iniciando-se pelos jornais impressos e chegando às mídias eletrônicas de massa, o rádio e a TV. Da mesma forma, a Internet e toda a sua tecnologia viriam a continuar esse processo. E, se nesse processo a mídia transformada em espaço público tornou-se o espaço da vida privada, a Internet o amplia, pois ela permite a transposição da vida privada do indivíduo para o espaço público cibernético. A Internet beneficiaria uma democratização em relação à vida privada, mas não modificaria substancialmente o cenário público. Ele afirma que “alguém precisa admitir que o mero fato de comunicar, sob as condições da nova tecnologia, não cancela as marcas das relações de poder constituídas sob as condições face-a-face, impressas e intercambiadas por meios eletrônicos de transmissão”. A objeção é válida, tanto que os meios eletrônicos tradicionais se fazem ecoar também na Internet, além de manterem seu peso fora dela, mas o estudo de Poster não leva em consideração uma série de fatos e novas iniciativas que vêm ocorrendo através da web. Portanto, se não podemos afirmar que de fato existe uma esfera pública na Internet, talvez se possa conjecturar a mudança que acontece no espaço público quando, além da mídia, o indivíduo têm o seu espaço privado tornado público através dos novos meios. A publicização do indivíduo poderia, em algum momento ou de alguma forma, contaminar o espaço público. Alguns dos exemplos vistos levam a esse entendimento.

Outras objeções sobre este estudo recaem sobre o conceito de esfera pública conectada de Yochai Benkler, e é o próprio quem traz à tona tais objeções. São basicamente cinco obstáculos que ele faz em relação à Internet e à esfera pública conectada. Vejamos quais são.

1-) A Torre de Babel

Benkler parte do fato de a esfera pública conectada ser mais democrática, ou seja, a Internet é uma mídia que, ao contrário dos veículos dos mass media, de onde a mensagem é irradiada de um (ou poucos) para todos (ou muitos), na grande rede a comunicação é de todos para todos. Se temos uma mídia onde todos são emissores e receptores, como a Internet o é, esta pode criar um efeito que Benkler, assim, intitula de “A Torre de Babel”: onde existe muita gente falando, ninguém consegue se ouvir. Muitos sites, muitos blogs etc., geram uma dispersão na informação, o que vai contra a idéia de esfera pública, pois esta precisa de “locais de encontro”, caso contrário ninguém se entende. Nesse caso, fica claro que quem tem mais capital é quem vai ter mais capacidade de ser ouvido, o que confirmaria as afirmações de Mark Poster que vimos anteriormente. Além disso, vários grupos falando e trocando idéias entre si criam uma tendência extremista e não um diálogo saudável e ponderável, o que mataria a esfera pública – o que nos leva às afirmações de Pierre Lévy (1999), que expõe a Internet como a esfera do conflito. Por outro lado, a Torre de Babel pode gerar debates via Internet que jamais ocorreriam em outro lugar, um simples e-mail, por exemplo, pode mobilizar milhões de pessoas (e com custos ínfimos).

2-) Centralização e Concentração – Monopólio dos Códigos

Outro obstáculo que pode acabar com a esfera pública conectada é, por ironia, um fator que está na contramão do efeito da Torre de Babel: a centralização e a concentração das atenções na Internet por meio de “pontos comuns de encontro”. Milhares de pessoas utilizam os mesmos serviços, sites e ferramentas de comunicação, tais como Google, Youtube, MSN etc., que se tornam, assim, locais de concentração. Nesse caso, quem controla tais ferramentas/sites, controla a comunicação. Isso se agrava quando as pessoas passam só a dar atenção aos “top sites”; dessa forma estaríamos replicando na Internet o mesmo modelo dos mass media. Tal fato é uma característica da própria Internet[9], onde as pessoas querem participar dos espaços que têm mais pessoas conectadas e que permitem maior troca de informações, pois têm entre si protocolos comuns de comunicação. Nesse caso, quem controla tais protocolos, pode controlar a Internet exercendo monopólio sobre esses protocolos. Existe também o risco de surgirem monopólios sobre a própria infraestrutura da rede e, sob esse tipo de monopolização, o preço de acesso e provimento de informação na Internet pode subir e inviabilizar a Internet como rede de acesso de baixo custo e democrática.

Quem chama a atenção com veemência para a questão dos códigos é o estudioso norte-americano Lawrence Lessig[10]. Ele parte do conceito habermasiano de que a esfera pública surge das relações entre as pessoas privadas e da premissa de que a Internet será o principal veículo de mídia no futuro. Lessig afirma que, neste caso, serão os intermediários da rede que irão mediatizar o diálogo na Internet. Esses intermediários serão as pessoas/empresas que terão o domínio técnico dos protocolos, códigos e softwares utilizados na rede. Lessig enfatiza que as pessoas comuns não sabem nada a respeito e nem têm interesse em conhecer tais protocolos e, sem conhecer tais protocolos, ficam de fora de qualquer discussão que englobe o próprio veículo de comunicação, ou seja, as pessoas não sabem lidar com os problemas técnicos e de infraestrutura de rede que podem atrapalhar o diálogo e a própria esfera pública conectada. No futuro, então, a discussão da esfera pública não partirá das relações na esfera privada, e sim de uma esfera à qual as pessoas comuns não têm acesso, a esfera dos técnicos e programadores da grande rede e das grandes empresas/corporações de tecnologia.

O escritor Nicholas Carr[11] é um estudioso das novas mídias que teme esse movimento centralizador da Internet, ele expõe que “enquanto a net pode ser um sistema de comunicação descentralizado, sua operação realmente promove a centralização do poder”. Carr exemplifica sua posição através da hegemonia da empresa Google e referindo-se às palavras de executivos da Sun Microsystens e Yahoo!, que prevêem que a infra-estrutura da Internet estará centralizada na mão de meia-dúzia de corporações dentro dos próximos anos. O problema da centralização não pára por aí, a situação se agrava quando pensamos que ele está diretamente relacionado à concentração das empresas que também se observa nos setores de mídia e telecomunicação, de forma que esses movimentos centralizadores estão diretamente relacionados. Questiona-se se estas poucas corporações as quais Carr se refere, serão aquelas mesmas desses outros setores que também vão se fundindo aos poucos. E se assim for, então se vislumbra o mundo das Comunicações como um único “monstro” de cinco ou seis cabeças diferentes, talvez sete, como uma espécie de “Prostituta da Babilônia[12] binário-midiática”?

Maria Fernanda Cicillini lembra que essa também é uma das preocupações de Pierre Lévy. Ela “explica que a configuração de uma sociedade e cultura e suas relações com as técnicas não podem ser pautadas como uma oposição maniqueísta, cujas técnicas seriam agentes externos, estranhos a toda significação humana” (Cicillini, 2007:3). Em relação aos códigos, eles também não podem se tornar uma técnica dominada apenas por empresas, aquém do controle dos usuários, pois isto acabaria interferindo na própria liberdade do usuário em usar o código para se comunicar.

Um grande exemplo desse tipo de controle/monopólio está num movimento das teles norte-americanas que tentam, com o amparo de novas leis, modificar o protocolo de comunicação da Internet a fim de controlar o que os usuários enviam uns para os outros e, com esse controle, filtrar o que pode ou não pode ser compartilhado[13]. O paradigma, então, para efetivamente termos uma esfera pública conectada através da Internet, é não permitir monopólios e controles sobre a sua infraestrutura e seus protocolos, de modo que essa intermediação não interfira no diálogo e nos debates através da grande rede. O uso de software livre se mostra um dos poucos caminhos e alternativas para a sociedade se livrar desse tipo de controle, o que é um dos teores dos estudos de Lessig.

3-) Função “Cão de Guarda”

Outro problema, segundo Benkler, diz respeito à função que ele chama de "cão de guarda". Sob o paradigma da liberdade de imprensa, os veículos de mass media exercem uma função de vigília sobre o que concerne ao interesse público (como, por exemplo, a revista Veja, o jornal Folha de S.Paulo, o telejornal Jornal Nacional etc.). Na Internet, tal função estaria dispersa, fragmentada. Mas, neste caso, enfatiza Benkler, se é possível termos, na Internet, pessoas trabalhando cooperativamente (como, por exemplo, na enciclopédia global Wikipedia e o jornalismo open source), essa função, então, ao invés de ser exercida por poucos veículos do mass media, pode ser cumprida por milhões de usuários espalhados pela rede, com milhares de “cães de guarda”. Os próprios cases levantados por Benkler exemplificam isso.

4-) Controle e Filtragem da Internet

As objeções finais que Benkler faz dizem respeito ao fato de a Internet poder ser filtrada (como é na China, por exemplo). Nesse caso, países autoritários poderiam censurar conteúdos da rede ou até mesmo espionar as pessoas através da Internet. No Brasil temos um exemplo disso quando, em 2006, a justiça bloqueou o site Youtube. Hoje, em nosso país vive-se esse drama: um projeto do Senado[14] visa dar maiores poderes de policiamento para a justiça sobre os sites de conteúdo, além de outros detalhes que podem, até mesmo, levar à prisão jovens que baixam vídeos, músicas e conteúdos diversos através de redes de compartilhamento. Outro projeto, o PLC 89/03, visa acabar com anonimato na rede – o usuário seria obrigado a se identificar toda vez que se conectar na web. Iniciativas como essas são exemplos de como a liberdade e, conseqüentemente, a esfera pública conectada, podem ser limitadas mesmo dentro do ambiente que nasceu sob o paradigma de não possuir instâncias mediadoras centralizadas.

Sobre o controle da Internet, Caio Túlio Costa faz um questionamento: “Quem a controla? (...) os Estados Unidos” (Costa, 2008:331). Todos os sites da Internet em todo o mundo são administrados primariamente pelo Internet Corporation for Assigned Names and Number (ICANN). “Na realidade (...) o acesso à rede está tanto nas mãos dos Estados Unidos quanto de instituições, empresas e governos” (Costa, 2008:332). Hoje existe um grande debate que visa, entre outros detalhes, tirar o controle da ICANN sobre o fluxo informacional da Internet. Embora Costa não cite nenhum exemplo de como esse controle tenha sido usado para limitar a liberdade na Internet, se é que já o foi – e não é o objetivo deste artigo se aprofundar nesta questão –, é evidente que deixá-lo na mão de uma única nação é algo que se torna maior do que a simples discussão sobre o controle da Internet, torna-se um problema de segurança nacional para as nações que utilizam os fluxos informativos da grande rede. Se no passado temia-se o poder que os Estados Unidos tinha através do botão que, uma vez apertado, poderia destruir o mundo com um holocausto nuclear, hoje, teme-se o poder que emana da “chave” capaz de desligar a Internet.

5-) Exclusão Digital

Por fim, o último problema da Internet seria a exclusão digital, devido a qual pessoas excluídas da Internet inviabilizariam uma esfera pública conectada numa amplitude mais democrática. Para o Brasil, este é um problema de extrema relevância. Até hoje existem pessoas que sequer têm acesso à língua portuguesa. O analfabetismo ainda é um problema que precisamos resolver, um problema que não só afeta o acesso à Internet, mas todas as mídias que têm como base o texto. Segundo dados expostos na tese de doutorado do professor Caio Túlio Costa, a situação relativa à escolaridade brasileira, em 2008, é a seguinte: “9% é analfabeta, 25% tem até a quarta série, 23% cursou da quinta até a oitava série, 31% fez o ensino médio e 12% tem um curso superior ou mais” (Costa, 2008:287-288).

Se muitas pessoas não têm acesso ao texto, também não têm ao hipertexto, portanto ficam de fora da esfera pública conectada. Ainda temos outra barreira que é a língua inglesa, a língua universal, a principal língua da Internet. Se no Brasil muitas pessoas ainda precisam aprender Português, o que dizer do Inglês? O problema do analfabetismo vem em dose dupla para a nossa pobre realidade. Essa barreira da língua inglesa não é um obstáculo somente à população brasileira, é uma barreira que se estende mundo afora. É fato que a Internet é uma mídia cujas conexões a tornam de acesso mundial. Mas, se a Internet não apresenta fronteiras como o mapa geopolítico mundial, ela apresenta fronteiras em relação às línguas. Hoje é comum se medir a penetração de muitos sites e serviços pela web em termos da língua nativa, mapeando a rede pelas línguas que são mais “faladas”. Por exemplo, o UOL foi apontado como o maior site do mundo em língua portuguesa em 2006, de não inglesa em 1998. Muitas empresas vêm tentando transpor essa barreira, criando serviços de tradução instantânea de sites, utilizando mecanismos para identificar a língua nativa do usuário e redirecionando-o para a página respectiva, e assim por diante. Existem limitações para a universalidade atribuída à Internet, a diversidade de línguas que existe no mundo é uma delas. Como dizia o estudioso e filósofo canadense Marshall McLuhan (1964), essa é a última barreira a ser transposta nesse estágio final da evolução das extensões comunicacionais do Homem.

Notas:

[1] Palestra que fez parte do I Seminário do grupo de pesquisa “Comunicação, Tecnologia e Cultura de Rede” (Facasper-SP), cujo tema era: “Benkler e Lessig: Esfera pública conectada e a produção dos Commons”, ocorrida em 14/06/2007.
[2] Em http://boycottsinclair.blogspot.com/, 24/06/2008.
[3] O site oficial da Diebold está hospedado no endereço http://www.diebold.com/, 24/06/2008.
[4] “Veja você mesmo”, conceito oposto ao dos mass media que é “trust me”, ou seja, acredite em mim.
[5] Em palestra que fez parte do “I Seminário de Comunicação na Contemporaneidade” realizada na Faculdade Cásper Líbero (SP) em 21/05/2008.
[6] Em palestra que fez parte do “I Seminário de Comunicação na Contemporaneidade” realizada na Faculdade Cásper Líbero (SP) em 21/05/2008.
[7] Ver “A lógica do espetáculo sobre a lógica de imprensa” in Jornalismo sitiado. Eugênio Bucci e Sidnei Basile. SP: Logon, 2007.
[8] “Ciberdemocracy: The Internet and The Public Sphere” in Mark Poster (Ed), Internet Cultura. 1997 (pp. 201-218). New York and London: Routledge, 1997. Disponível em http://members.fortunecity.com/cibercultura/vol13/vol13_markposter.htm, 05/08/2008.
[9] A Internet quando surgiu era uma entre outras redes computacionais que existiam, e acabou prevalecendo justamente pelo fato de ser a que acabou crescendo mais, ou seja, quanto mais pessoas ela tinha, mais pessoas ela atraía.
[10] Lawrence Lessig é defensor da “cultura livre”, é fundador da Creative Commons, uma licença de produção cultural e intelectual que se baseia no livre compartilhamento do conhecimento.
[11] Em matéria do encarte Tecnomundo da revista Veja de setembro de 2008, intitulada “10 novas idéias que mudarão o mundo”. Veja também o blog de Nichollas Carr: Rough Type: http://www.roughtype.com/, 25/09/2008.
[12] Apocalipse, 17:3. “E levou-me em espírito a um deserto, e vi uma mulher assentada sobre uma besta de cor de escarlata, que estava cheia de nomes de blasfêmia, e tinha sete cabeças e dez chifres”.
[13] Veja maiores detalhes no site “Save the Internet”, http://www.savetheinternet.com/, 24/06/2008.
[14] Para maiores detalhes sobre esses projetos de lei veja o blog do Prof. Sérgio Amadeu da Silveira. http://samadeu.blogspot.com/, 30/06/2008, e matéria de Carlos Castilho publicada no Observatório da Imprensa: “Senador insiste no controle da Web indo na contramão do processo de inovação tecnológica”.

Referências Bibliográficas:

BENKLER, Yochai e LESSIG, Lawrence. Esfera pública conectada e a produção do Commons, http://wikipos.facasper.com.br//, 14/06/2007.
BENKLER, Yochai. The wealth of networks: how social production transforms markets and freedom. New Haven and London: Yale University Press, 2006.
BURKE, Peter e BRIGGS, Asa. Uma história social da mídia. De Gutenberg à Internet. Rio de Janeiro: Zahar, 2002.
COSTA, Caio Túlio. Moral provisória. Ética e jornalismo: da gênese à nova mídia. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo – Ciências da Comunicação. São Paulo, 2008.
CICILLINI, Fernanda Maria. Novas Tecnologias e Jornalismo Impresso: Apontamentos sobre a informatização da imprensa paulista. Intercom: Santos, Ago/set 2007.
Jornalismo sitiado. Curadores: Eugênio Bucci e Sidnei Basile. LogOn: São Paulo, 2007.
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LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999.
LÉVY, Pierre. O que é virtual? São Paulo: Editora 34, 1996.
MCLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação como extensões do homem – (Understanding mídia). São Paulo. Editora Cultrix. 1964.
MARQUES, Ângela Cristina Salgueiro. Os meios de comunicação na esfera pública: novas perspectivas para as articulações entre diferentes arenas e atores, Revista Líbero nº 21. São Paulo: Biblioteca Prof. José Geraldo, junho de 2008, p. 23-36.
POSTER, Mark. Ciberdemocracia: A Internet e a Esfera Pública. http://members.fortunecity.com/cibercultura/vol13/vol13_markposter.htm, 14/03/2008.

Palavras-chave: peer production, esfera pública, Internet, novas mídias, comunicação, jornalismo

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Artigo
A Mídia do “Eu”
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“You build egos on the size of cathedrals, fiber-optic connect the world with every ego impulse, until every human aspire emperor and become his own God” – Devil’s talking

Nos estudos relativos às novas características da Internet e da prática jornalística dentro desse novo meio, especialmente aqueles citados nas referências bibliográficas em anexo ao presente artigo, sempre se destacaram as referências à figura do leitor, do usuário, do internauta, e a importância deste na produção da informação. Hoje, à prática jornalística soma-se esse novo elemento, o internauta como coprodutor da informação. Mas não é só isso, o internauta não é só um elemento que as empresas devem levar em consideração quando planejam distribuir informação via web, ele também é um produtor individual de informação. O internauta ganha relevância produzindo informações por conta própria na Internet e também colaborando junto com outros internautas. Além disso, o internauta apresenta-se como um caminho que também faz ecoar as informações pelo espaço cibernético, as informações também navegam junto do navegador, elas surfam com o surfista.

Em sua tese de doutorado, o comunicólogo e especialista em ética jornalística Caio Túlio Costa (USP) chama a atenção para o novo usuário produtor de informações: o cidadão conectado e equipado com os novos aparatos digitais que lhe permitem ser um publisher, um criador e disseminador de conteúdos diversos através da Internet. Este, ao lado do jornalista, se apresenta como produtor de informação/conteúdo na web, e atua de duas maneiras básicas:

A-) Cidadão-repórter

Conforme a definição dada por Shayne Bowman e Chris Willis num relatório sobre a nova mídia, escrito em 2003 (EUA), o cidadão-repórter é aquele que “joga um papel ativo no processo de coletar, reportar, analisar e disseminar notícias e informações”. (...) a intenção (...) é de “prover informações independente, confiável, acurada, abrangente e relevante conforme requer a democracia”. Não deve ser confundido com o jornalista profissional (Costa, 2008:341 citando Bowman/Willis, 2003).

O cidadão-repórter é aquele que utiliza os novos meios que lhe permitem disseminar informações em prol da cidadania. Ele exerce seu direito de cidadão através de uma atuação que pode ser chamada de jornalística, embora não seja profissional. Ele é um importante ator capaz de atrair a atenção para assuntos diversos, ou ser um especialista de alguma área que divulga informações específicas que não teriam espaço em outras mídias, pode ser o defensor de uma causa qualquer que não desperdiça os meios digitais para veicular suas idéias. O cidadão-repórter também é conhecido por diversos estudiosos como netizen, junção das palavras internet e citizen (cidadão), trata-se do “cidadão da Internet, a pessoa que participa da Internet. Esse conceito inclui atributos de cidadania, responsabilidade social e participação” (Pinho, 2003:254).

B-) Indivíduo-repórter

Trata-se de qualquer pessoa que se aventure na rede com sítio próprio, blog ou mesmo participação em portais e empresas que agregam conteúdos colaborativos na rede, mas que atua sem nenhuma “preocupação social”, ao contrário do cidadão-repórter. (...) Pode aparecer sempre ou de vez em quando. Usa a rede porque ela está à sua disposição (Costa, 2008:341).

O indivíduo-repórter é aquele que interage descompromissadamente na Internet, mas que eventualmente pode trazer alguma informação de relevância e chamar a atenção de muitas pessoas. Todos os estudiosos da nova mídia são unânimes em afirmar que, neste novo ambiente, um simples e-mail pode criar um grande movimento na web, mover uma causa, ser o estopim de uma revolução, uma bola de neve que vai crescendo e navegando pelas caixas-postais digitais mundo afora, propagandeando informações diversas. O indivíduo-repórter é aquele que, eventualmente, pode disparar esse e-mail. De qualquer modo, é um indivíduo que, num certo grau, utiliza-se e interage com sites informativos, sempre em busca daqueles que lhe permitam usufruir ao máximo da interatividade que demanda. O indivíduo-repórter é aquele que faz da Internet a sua mídia, de forma que a sua individualidade se reflete no seu agir cibernético e, vez ou outra, o seu agir pode contaminar outros usuários, ou mesmo, refletir um contágio que recebeu. A personalidade desse indivíduo é algo que buscamos analisar nos parágrafos a seguir, quando refletiremos sobre o indivíduo “eu-cêntrico”.

E o blogueiro? Tecnicamente, o blogueiro nada mais é do que o indivíduo que utiliza um blog, que mantém um diário virtual na Internet – que sequer precisa ser atualizado diariamente. Hoje, qualquer um pode criar gratuitamente um blog e compartilhar todo tipo de conteúdo midiático, inclusive o cidadão-repórter, o netizen. Quando apontamos o blogueiro como um novo jornalista, trata-se na verdade, do netizen, que pode ser ou não um jornalista, e pode ou não utilizar um blog, o blog é só uma ferramenta, existem outras. Hoje existem blogs tão notórios, com tal dimensão informativa, que tornam-se pequenos portais. Antes de mais nada, o blog é apenas uma página web com conteúdo multimidiático, e pode ser utilizada tanto para compartilhar poucos posts, como se abrir para um gigantesco receptáculo de informações, tanto de outros blogs quanto de portais informativos, além da produção interativa do dono do blog (ou donos).

Dentre os blogueiros netizen, às vezes, figura o próprio jornalista. Mas há de se considerar uma diferença entre aquele jornalista que tem um blog, daquele jornalista que é blogueiro. Quem faz essa distinção é a blogueira e jornalista formada pela PUC-SP Lucia Texeira de Freitas. Primeiro ela define quem é o blogueiro: “ele é um cara antenado, que está a par dos sistemas de métricas digitais, que está familiarizado com o Alexia, que está no Technorati, no BlogBlogs, no Analitics[1], sempre buscando um destaque, buscando atingir determinadas metas. Ele tem um domínio de software, de como usar a Internet que nenhum jornalista tradicional tem”. Em outras palavras, além de ser um cidadão que dissemina informações utilizando-se das novas mídias digitais, o blogueiro tem uma postura muito parecida com a dos hackers que criaram o weblog: é alguém que usa e entende a tecnologia como um caminho inerente à própria evolução humana, que tem ligação com os ideais que nortearam a criação da Internet, nos quais a construção do conhecimento é colaborativa, e a rede é o canal que permite essa colaboração e compartilhamento. É dessa característica que emerge a própria unidade dos blogs, a blogosfera, que, segundo Freitas, “é a roda dos blogs, a roda digital, qualquer blog faz parte da blogosfera. Não existe um caráter único de temas ou estilos, não existe uma blogosfera disso e uma blogosfera daquilo, ela é uma coisa só. É a esfera dos blogs ou o conjunto dos blogs. Já o blog nada mais é que uma ferramenta de comunicação”. Em uma analogia ao exemplo de Mike Ward em relação ao webjornalismo com a definição de Freitas mencionada acima, também poderíamos afirmar que a blogosfera é uma grande “igreja liberal”, que aceita de tudo, mais liberal que os próprios portais noticiosos e webjornais inclusive, pois é tão plural quanto a massa de internautas hoje incluídos na mídia através da Internet.

O blogueiro, na acepção da palavra, é mais do que o netizen, é também um hacker, ou um nerd tecnológico, como muitos dizem. Exatamente por isso, muitos jornalistas que possuem blogs não podem ser considerados blogueiros, pois não possuem essa relação com a tecnologia típica do blogueiro. Freitas expõe que “tem jornalista que vai pro blog, mas mantém a mesma postura que tinha na redação, mantendo-se isolado” e, como vimos, um blog é mais que uma ferramenta de publicação, é uma nova maneira de relacionar-se partilhando informações, que só ganha relevância com interatividade, com feedback. O blog só ganha força através do conjunto, da blogosfera, sozinho não representa nada além de uma página web. Esse é o grande diferencial, “aliás, essa é uma característica dos blogueiros, a capacidade de compartilhar conhecimentos, todos se ajudam”, diz Freitas. Todos talvez seja exagero, mas sempre existe alguém disposto a compartilhar. Nesse universo margeado pelo jornalista que possui blog, mas não interage, e o jornalista que mantém um blog e é um nerd tecnológico, existe uma série de jornalistas-blogueiros que atuam em diferentes graus de interatividade, tanto com leitores quanto com outros blogueiros. Nota-se que esse universo é aberto, de forma que, cada vez mais, jovens jornalistas, mais familiarizados com o mundo high-tech, encontrarão nele um espaço para desempenhar sua profissão. Dessa forma, mesmo que muitos vejam o blog como uma inovação que não pertence ao jornalismo, cada vez mais teremos jornalistas que atuarão dessa maneira.

O indivíduo "eu-cêntrico"

O conceito de mídia do “eu” é debatido pelo professor Rosental Calmon Alves. Seus estudos remetem ao fim dos impressos e da forma atual de se fazer jornalismo. Na Internet, teríamos um jornalismo mais voltado para o indivíduo e mais democrático, conforme citado pelo próprio autor em palestra em Londres, e comentado em artigo intitulado Como se preparar para a mídia do ‘eu’[2], do doutor em Ciências da Comunicação Cláudio Tognolli (ECA/USP): Estamos entrando numa era de mídias “eu-cêntricas” (I-centric): o que importa é que tragam o conteúdo que eu quero, quando eu quero, no formato que eu quero, mas apenas quando eu o quiser (...).

Em “Abandoning the news”, da Carnegie Corporation, divulgado no primeiro semestre deste ano, Rosental mostrou que 39% dos jovens americanos entre 18 e 34 anos vêem a Internet como a fonte de informações mais importante, seguida de notícias locais de TV (14%), das notícias de TV a cabo (10%), vindo em seguida os jornais (8%) (...). Enquanto o jornalismo tal como o conhecemos está morrendo, novas formas de jornalismo estão sendo construídas. Nos próximos anos essas versões vão se erigir na Internet, nos celulares, nos aparelhos de MP3, na TV interativa, nas novas plataformas a serem lançadas”, vaticinou Rosental. “O leitor quer editar, não quer apenas ser editado por alguém”.

Mike Ward é outro estudioso que aponta para essa característica “eu-cêntrica” da Internet. Referindo-se ao internauta que navega em busca de informações, ele coloca que “cada vez mais, há também uma atitude indefensável – ‘Eu sei o quero e quero agora’ no mercado da notícia” (Ward, 2007:28). Uma atitude que remete a essa característica intrínseca do novo meio, a sua relação mais individualizada, mais íntima do usuário para com o meio. Tal postura do usuário também reflete as características fisiológicas da grande rede – uma mídia on demand, e essa demanda nada mais é que a imposição do usuário sobre a mídia.

Na mesma trilha segue o editor de blogs da BBC de Londres[3], Giles Wilson. Ele afirma que “o jornalismo mudou, está virando uma conversação. Não é mais uma via de mão única”, dessa forma, Wilson acredita que o blog é um instrumento que serve para o jornalista “conversar” com seu leitor. Tal conversa inclui a participação do publico na notícia, e deve ser explorada não só pelos blogs independentes, mas também por grandes veículos, de modo que se possa criar “uma verdadeira interação entre o público e a redação”. Wilson destaca que, além do blog, a BBC objetiva explorar mais os recursos de microblogging, hoje, já há um consenso no meio jornalístico de que a empresa informativa não deve focar a sua energia na centralização da informação, mas sim de explorar os meios de disseminá-las através de diversas plataformas, do blog ao microblogging, as redes sociais e outras formas de interação disponíveis que surgem incessantemente pela web. Wilson enfatiza que a centralização não funciona mais diante das novas gerações que não se preocupam em correr atrás da notícia, “eles acham que, se os acontecimentos forem importantes, chegarão até eles de qualquer jeito na Internet, principalmente por indicação dos amigos”, diz o inglês.

Nos estudos que destacamos nestes parágrafos, evidencia-se o importante papel do internauta na construção e veiculação da notícia no ciberespaço. As afirmações acima são ainda mais contundentes, elas remetem à dúvida que aumenta na medida que a grande rede cresce, cuja resposta coloca a Internet não como uma mídia onde se deve entender melhor o receptor, a fim de conquistá-lo, de chamar a sua atenção. As afirmações acima remetem ao fato de a Internet ser a mídia do usuário; assim, são as instituições que são coprodutoras da informação, pois o verdadeiro produtor é o internauta. Será? Este entendimento é possível quando interpretamos uma afirmação de Ward que expõe a quebra da hierarquia relativa à produção e veiculação da notícia: “Não há lugar para uma falsa hierarquia entre notícias e informações imposta pelo jornalista, quando é o usuário quem define o que é notícia para ele” (Ward, 2007:41). Na Internet, a informação seria, dessa forma, pautada pelo usuário e não mais pelo editor. Este produz em função das regras dos internautas, portanto seria um coprodutor deste e não o contrário.

A Modernidade Líquida

A reflexão sobre o que é essa nova expressão do sujeito dentro da mídia, ou melhor, dentro da Internet, pois esta possui uma série de características que colocam o internauta dentro do palco midiático, extrapola a simples análise relativa ao meio e abraça campos da Sociologia e da Psicologia, entre outros. Caio Túlio Costa aborda essa questão em sua tese de doutorado: é o individualismo que impera dentro da atual sociedade capitalista, que ele expõe através de um conceito conhecido como a “Modernidade Líquida”:

Pois quem talvez melhor explicou a desagregação do espaço público e desenhou a pós-modernidade, não no sentido de aceitá-la nem de negá-la, mas de criticá-la para desbravar caminhos alternativos, foi exatamente o polonês Zygmunt Bauman. Integralmente ligado à questão ética, exatamente porque a pós-modernidade se funda no individualismo, o resumo que se segue de uma obra capital de Bauman, Modernidade Líquida, é feito como uma espécie de vacina para iluminar o espaço no qual se insere o trabalho do comunicador. Não importa qual comunicador. Pode ser um comunicador tradicional formado nas inúmeras escolas de comunicação, pode ser um comunicador formado nas escolas tradicionais de ensino humanista ou técnico, pode ser um comunicador formado na escola do mundo, pode ser uma fonte qualquer ou seu preposto, pode ser um cidadão-repórter ou mesmo um indivíduo-repórter (aquele para o qual o culto a si mesmo se sobrepõe à noção de cidadania) e cujo poder de comunicação lhe foi dado pelas novas mídias porque ele é parte da dispersão que alimenta a mídia e ajuda na sua ubiqüidade (Costa, 2008:279).

A cultura atual seria fundada no individualismo, e a expressão desse individualismo na nova mídia seria a centralidade do indivíduo em si mesmo, daí estarmos numa nova era de mídias eu-cêntricas. Na Internet, o indivíduo se torna o centro de si mesmo, onde a sua demanda é irrefutável. Essas duas características que se somam, o individualismo com pessoalidade do novo meio, mostram o seu potencial diante do establishment, pois a Internet é a mídia que possui as portas abertas para o indivíduo reivindicar o seu espaço dentro dela, ou exigir o que ele quer dela, muito além do que ela lhe oferece.

Apesar da Internet ser uma mídia que reflete essa característica do mundo pós-moderno, a Modernidade Líquida, ela também pode refletir outras características muito diferentes, sendo que uma delas seria o seu sentido imediatamente oposto. Se o eu-centrismo da mídia reflete o individualismo que impera no mundo atual, a mídia universalizada através da Internet também reflete o sentido de coletividade (não seria a peer production um reflexo dessa nova coletividade digital?). Um estudo do mestre em Comunicação (Facasper), professor Luis Fernando Câmara Vitral, no qual ele analisa o nascimento, a vida e a morte do suplemento Seu Bairro publicado pelo jornal O Estado de S. Paulo, no qual trabalhou em todo seu período de existência. Ele destaca que um dos grandes pontos fortes da publicação estava nas narrativas que se afastavam das grandes coberturas típicas de um grande veículo como o Estadão, e voltavam-se para reportagens de cunho humanitário e com aspectos de solidariedade, cooperação e respeito social, que refletem o sentido de coletividade através das expressões peculiares de diversos bairros da cidade de São Paulo: “existe um espaço vivo dentro da sociedade onde pode-se observar a cidade pelo seu sentido mais humano”, diz Vitral. Seu estudo mostra que, ao menos em São Paulo, pode-se observar as pessoas além de sua individualidade, de modo que o conceito da Modernidade Líquida não pode ser entendido como uma lógica generalizada, mesmo que seja majoritária. E, se, após oito anos de publicação, o suplemento Seu Bairro perdeu o seu espaço dentro do Estadão e deixou de ser veiculado, a Internet é um canal aberto a uma série de iniciativas e diversas formas de narrativas, inclusive, valendo-se da commons-based peer production, que refletem esses conceitos destacados por Vitral, podem, inclusive, suprir essa carência narrativa que é pouco interessante para um grande veículo acostumado a grandes repercussões. No jornalismo, existe uma série de novas iniciativas baseadas na plataforma digital que refletem isso, tais como jornalismo participativo, open source e também os blogs, que possuem múltiplas formas de narrativa e interação.

Outra relação do conceito da Modernidade Líquida com a contemporaneidade está no próprio esfacelamento da esfera pública, o indivíduo voltado a si mesmo esquece-se do seu papel dentro da coletividade, dessa forma, abdica de sua participação na definição dos rumos da humanidade, na vida política da sociedade[4], onde, no intermédio entre sujeito e a sociedade está a mídia que, também, volta-se para questões mais ligadas à vida privada, inclusive, como grande vetora desse individualismo. Como se percebe na nova mídia, a Internet tem características abertas e inclusivas que podem, técnica e potencialmente, resgatar a esfera pública, mas para que isso aconteça, ou se isto vier a acontecer, pois este é ainda um ambiente que está sendo construído, esse resgate passa por um movimento que vai de encontro e choca-se diretamente contra o conceito da Modernidade Líquida, de forma que, poderíamos dizer, para voltarmos a ter uma esfera pública atuante dentro da sociedade, é preciso que a modernidade se solidifique. Podemos dizer que essas duas idéias, o resgate da esfera pública e a “Modernidade Sólida”, estão diretamente relacionadas, como uma sendo a medida e a expressão da outra. Com isso, entende-se que não basta só a Internet, como aparato tecnológico e meio multimidiático, para que esse cenário da esfera pública se altere, é preciso o engajamento dentro de um amplo movimento social[5].

Vemos que a Internet demonstra várias características e lógicas antagônicas, lógico, toda característica que ela toca, nos parece, carrega outra que lhe é imediatamente oposta; tecnologicamente, como o próprio bit, composto de dois estados opostos e, filosoficamente, como Yin e Yang. A própria modernidade é expressa através dessa forma dual, mesmo que o equilíbrio que se busca através da filosofia de Yin e Yang ainda seja algo totalmente utópico. Assim, apesar de líquida, podemos dizer que ela possui partes sólidas (e talvez outras que sejam vapor ou estejam se vaporizando).

Se a mídia que reflete a Modernidade Líquida, reflete a esfera privada e, nos meios digitais, reflete o eu-centrismo, da mesma forma, os grandes veículos passam a refletir tal característica. Calmon Alves também analisa a questão da centralidade no indivíduo como um fator que poderia ser entendido como contagioso, como uma onda cibernética que acabará por levar as empresas jornalísticas a tornarem-se “webcêntricas”, canalizando suas produções para a Internet, onde estarão lado a lado com o leitor. Para Calmon Alves, a atuação dos blogs ao lado dos jornais é o grande exemplo dessa tendência. Ele mesmo evidencia como isto ocorre:

(...) a proliferação dos blogs abriu o caminho para a criação de milhões de sítios que contém links para notícias e comentários sobre os mais variados temas. Os blogs se espalham em uma forma viral, criando comunidades e audiências até mesmo em ambientes fora do alcance dos meios de comunicação de massa, onde é difícil imaginar como uma pessoa poderia arregimentar tantas outras (Alves, 2006:100).

Parafraseando um colega (Dan Gillmor), Calmon Alves diz que “o jornalismo costumava ser uma leitura, agora é uma conversação”, que é muito comum nos blogs, enraizados no feedback, mas nem tanto em grandes portais informativos e jornais online. A estudiosa e jornalista Pollyana Ferrari lembra que essa conversação não é uma exclusividade dos blogs, ela pode ser vista também nas revistas online e diversos canais de jornalismo que são encontrados em várias comunidades, como o Orkut e no site Youtube, por exemplo. É claro que a Internet também se abre para o individualismo do jornalista, hoje vemos diversos sites ou blogs de grandes jornalistas que, além dos espaços em outros veículos, se colocam em contato com o internauta, explorando a interatividade do novo meio. Dentre os indivíduos que partilham do poder informativo que mencionamos até aqui, o jornalista, o cidadão-repórter (ou netizen), o indivíduo-repórter, o nerd tecnológico, o eu-cêntrico, existe aquele que é a mistura de tudo isso.

Império do internauta

Quanto o internauta se coloca como um canal midiático, um vetor que faz circular a informação segundo sua própria demanda junto aos demais internautas, ele tem a capacidade de atrair parte do fluxo informativo que flui na grande rede. Basta imaginar que a multidão de navegantes é muito maior que o número de instituições para enxergar o potencial informativo que os indivíduos agora dispõem. É de se imaginar que o centro dessa mídia se desloque em sua direção. Não sabemos, ainda, se o internauta é o centro de sua mídia, mas vários pesquisadores são unânimes ao afirmar que a Internet não possui um centro, como a doutora em Comunicação e Semiótica Lúcia Leão (PUC-SP): “Pode-se dizer que, na Internet, o centro está em toda parte e em lugar nenhum, o que nos leva à definição de um sistema acentrado” (Leão, 2001:71). Ou mesmo o mestre em Comunicação e Semiótica Wilson Roberto Bekesas (PUC-SP), em dissertação que discorre sobre as novas interfaces da notícia através da web, onde afirma: “Lembremos que uma das características presentes no mundo digital diz respeito justamente a ausência de centros” (Bekesas, 2006:83). Calmon Alves também vê, nas características eu-cêntricas da web, esse deslocamento, o que representaria a reestruturação completa do que até hoje entendemos por mídia: “Neste início da segunda década do jornalismo digital, estamos percebendo com mais claridade essa extraordinária transferência de controle do emissor para o receptor” (Alves, 2006:96). Resta saber até que ponto as massas são capazes de produzir para as próprias massas, mas, cremos que, dentro dessa dispersão toda, sempre será necessário o trabalho apurativo do jornalista. Afinal, todo o know-how que este possui em trabalhar informações não se perde no ciberespaço, pelo contrário, ele ganha muita importância, e tal conhecimento, sem dúvida, lhe dá até uma certa vantagem em relação a muitos. Talvez essa seja a grande mudança imposta pela mídia eu-cêntrica, pois o jornalista e as instituições perdem a centralidade inerente do meio, e inserem-se no novo, onde, até um certo nível, estão em pé de igualdade com o indivíduo. Sendo a própria sociedade centrada no indivíduo, este se impõe no novo meio.

Se a sociedade moderna é líquida devido a sua incapacidade de manter sua forma, as peculiaridades da Internet e seu fluxo não centralizado de informações, criam uma mídia que, igualmente, é incapaz de manter uma forma. O que é ruim para as instituições, afinal elas não podem mudar tão rapidamente quanto os indivíduos. Enquanto as instituições têm que estar sempre inovando para sobreviver no novo meio, o que lhes demanda um grande esforço, neste ponto o indivíduo é soberano, suas ações é que representam a inovação. Aqui poderíamos evocar as colocações de Pierre Lévy sobre o processo de virtualização/atualização (1996), entendendo que a capacidade de virtualizar do usuário é muito mais rápida e dinâmica do que a das empresas. Este também é o entedimento de Lucia Freitas, alguém que já atuou como jornalista em grandes veículos (Estadão, Abril) e hoje atua como blogueira: “O problema é que essas grandes corporações de mídia, que lidam com dez ou vinte mil funcionários, têm dificuldades em se adaptar num cenário que muda constantemente. Quem lida com um blog não tem esse problema, você muda de um dia para o outro”. O blog, como um espaço que atende jornalisticamente ao indivíduo, ilustra bem a diferença do poder de adaptação do usuário em relação às empresas dentro do terreno cibernético.

A análise da mídia eu-cêntrica é, em última instância, esse reflexo do individualismo através da grande rede, que também esbarra nas teorias de Jean Baudrillard sobre o "fim da comunicação" e a individualização e massificação dos simulacros da mídia, agora através do mundo digital e seus indivíduos conectados. A expressão midiática de cada indivíduo na mídia representaria o fim do significado, pois, estando ausentes de instâncias mediadoras, o significado só teria sentido para o emissor. Ao contrário, talvez essa dispersão toda reforce a necessidade do papel do jornalista, filtrando e selecionando aquilo que é de importância para diversos públicos, como sempre se espera deste profissional. São duas características antagônicas da Internet debatidas por Yochai Benkler (2006), que analisa os aspectos positivos e negativos, tanto da centralidade típica dos veículos de mass media que também se reproduz na web, como da dispersão do diálogo, o que ele chama de “Torre de Babel”. Essa dispersão do diálogo pode ser relacionada com o eu-centrismo, pois temos a inclusão de uma infinidade de novos atores impondo diversos pontos de vista dentro do novo palco digital da mídia. Do indivíduo ao jornalista, todos, ou muitos, participam da mídia individualmente, ainda que seja de forma colaborativa, em rede.

Em uma análise mais objetiva, a mídia do “eu” está ligada as características da Internet, a não-lineariedade, dirigibilidade e pessoalidade do meio. Calmon Alves diz que “isso abre caminho para uma comunicação que poderíamos chamar de eu-cêntrica, pois está baseada nas decisões individuais do receptor, diante do enorme leque de opções que a Internet lhe abre” (Alves, 2006:97). O que entende-se agora é que essas características são estabelecidas pelo emissor, num peso maior do que talvez se possa mensurar. Essa mudança faz com que as empresas jornalísticas tenham de se reestruturar completamente diz Calmon Alves:

Ao transferir-se para a Internet, o velho jornalismo-produto se transforma num jornalismo-serviço, um fluxo contínuo de informação que se acumula, indexada, no sítio web, colocando-se à disposição dos usuários que queiram consumi-la. Esse processo significa a desconstrução dos produtos jornalísticos que foram criados ou tiveram o seu auge no século XX (Alves, 2006:97).

O jornalismo-serviço pode ser visto na forma que, tanto jornais quanto qualquer grande veículo de mídia, adquiriram desde a sua inserção na Internet: grandes portais de informação e serviço. A cada vez mais ampla necessidade de conteúdo desses portais demonstra o esforço maior para atrair a atenção do usuário, totalmente dispersa no ciberespaço.

Notas:

[*] Em The Devil’s Advocate (1997). Fala do Diado (Al Pacino): “Você cria egos do tamanho de catedrais, conecta cada impulso egomaníaco através de fibra-óptica pelo mundo inteiro, até que cada indivíduo aspire o seu próprio império, tornando-se o seu próprio Deus” (T.A.).
[1] Sistemas de métrica e indexação de páginas web e blogs.
[2] Em http://www.observatoriodaimprensa.com.br/, 25/07/2008.
[3] Na matéria do caderno Link do Jornal da Tarde, “Acabou o monólogo jornalístico” de 18/09/2008.
[4] Um estudo que explora muito bem esse problema é a obra Bowling Alone: America’s declining social capital de Robert Putnam (New York: Simon & Schuster, 2000).
[5] O conceito de capital social pode ser uma das maneiras de se medir essa tendência, inclusive, hoje, alguns estudos demonstram como a Internet vem sendo uma plataforma de grande valia para a valoração do capital social. Um dos estudos que serve de referência para esse entendimento é a pesquisa “Capital social, engajamento cívico e Tecnologias da Informação e Comunicação”, da Drª. Heloísa Matos (pesquisadora associada ao Gresec, Université Stendhal – França).

Referências Bibliográficas:

ALVES, Rosental Calmon. Jornalismo digital: Dez anos de web… e a revolução continua, Revista Comunicação e Sociedade, vol. 9, nº 1. 2006, p. 93-102.
BAUDRILLARD, J. Simulacros e simulação. Lisboa: Relógio D’água, 1997.
BAUDRILLARD, J. Tela total. Porto Alegre: Sulina, 2003.
BEKESAS, Wilson Roberto. A interface da notícia nos meios impresso e digital - O tratamento da noticia nas páginas dos jornais impressos e portais na Internet. 1v. 92p. Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – Comunicação e Semiótica. São Paulo, 01/08/2006.
BENKLER, Yochai. The wealth of networks: how social production transforms markets and freedom. New Haven and London: Yale University Press, 2006.
COSTA, Caio Túlio. Modernidade líquida, comunicação concentrada, Revista da USP. São Paulo: Edusp, Julho/Agosto 2005, p.178-197.
COSTA, Caio Túlio. Moral provisória. Ética e jornalismo: da gênese à nova mídia. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo – Ciências da Comunicação. São Paulo, 2008.
COSTA, Caio Túlio. Por que a nova mídia é revolucionária, Revista Líbero nº 18. São Paulo: Biblioteca Prof. José Geraldo, Dezembro 2006, p. 19-30.
COSTA BISNETO, Pedro Luiz de Oliveira. Internet, Jornalismo e Weblog: a Nova Mensagem. Estudos Contemporâneos de Novas Tendências Comunicacionais Digitais. Dissertação de Mestrado. São Paulo: Faculdade Cásper Líbero, 2008.
FERRARI, Pollyana. Jornalismo digital. São Paulo: Contexto, 2004.
GILMOR, Dan. We the media: grassroots journalism by the people, for the people. O'Reilly, 2004.
LEÃO, Lúcia. O labirinto da hipermídia: arquitetura e navegação no ciberespaço. São Paulo:Iluminuras, 2001.
LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999.
LÉVY, Pierre. O que é virtual? São Paulo: Editora 34, 1996.
PINHO, J. B. Jornalismo na Internet. São Paulo: Summus, 2003.
The Devil’s Advocate. Diretor: Taylor Hackford. EUA: WGA, 1997.
TOGNOLI, Cláudio. Como se preparar para a mídia do eu. Disponível em: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/, 25/07/2008.
VITRAL, Luis Fernando Câmara. O desafio da grande imprensa em fazer o jornal de bairro: o caso do suplemento Seu Bairro de O Estado de S. Paulo. Dissertação de Mestrado. São Paulo: Faculdade Cásper Líbero, 2007.
WARD, Mike. Jornalismo on-line. São Paulo: Rocca, 2006.


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Google, Internet & Jornalismo
Google Dominando a Rede

Quarta-feira, 15 de abril de 2009

Um vídeo publicado no Youtube, intitulado Epic 2015[1], narra uma estória que, apesar de fictícia, causa terror para muitos, dentre estes muitos, as empresas de mídia e, é claro, os jornais impressos - berço do jornalismo mundial. Para as empresas de mídia, o vídeo pode ser tudo, menos épico, pois monta um cenário futuro para a comunicação que não inclui nenhuma empresa do tradicional mainstream media. O futuro da comunicação seria totalmente controlado pelo usuário e por empresas que produzem a tecnologia que permite aos usuários se conectarem e serem os senhores da informação na Internet. O marco de tal mudança teria sido a criação do sistema de recomendações da Amazon que a Google transformou em algoritmo e, a partir deste (lidando com o link como uma recomendação), estaria, ou podemos até dizer que está, dominando o ciberespaço com diversas soluções que beneficiam a interatividade do usuário, inclusive, na partilha das verbas publicitárias. Seria a segmentação e a fragmentação total da mídia, onde o valor da informação estaria atrelado diretamente ao indivíduo e não mais a qualquer grande empresa como temos hoje; estas atenderiam aos resquícios de um velho mundo cujas gerações caminham para o fim, estando à margem do novo e grande complexo midiático digital conectivo e inclusivo da Internet.

Embora tal cenário seja fictício, vários de seus elementos se encontram presentes na atualidade midiática, a começar pela própria Google, que hoje se apresenta como uma das oito maiores corporações de mídia globais. O medo da Google também é algo que se faz sentir em vários cantos do mundo; a agência Reuters[2], por exemplo, veiculou uma notícia revelando que executivos europeus dos setores de mídia, tecnologia e telecomunicações temem que a Google roube-lhe os negócios. Já nos Estados Unidos, até empresas de outros setores passam a temer a Google, e já estudam maneiras de não terem seus negócios afetados pela revolução que ela vem fazendo dentro do mercado ciberespacial. O problema é que a Google, que começou apenas com um sistema de busca inteligente na web, hoje avança para diversos outros setores, tais como softwares para celulares e soluções para diversas áreas, dentre as quais, medicina, agricultura e, inclusive, implementação de cabos submarinos de fibra-óptica e compra de freqüências de TV (que deixarão de ser utilizadas pelas redes televisivas convencionais que agora migram para o formato HD). Com as diversas soluções que a Google cria, ou compra, ela vai aumentado os seus mercados, e à medida que a Internet cresce e se desenvolve, a Google vai ficando mais forte. A própria ascensão da Google é algo assustador, foram dois anos que separaram o surgimento da empresa até o domínio do mercado de busca na web (entre 1998 e 2000). Hoje, até o lendário Gordon Moore[3] se demonstra impressionado com a empresa, “nesse universo, o Google é o que existe de mais impressionante”, diz o sapiente da informática.

Mas nem todas as notícias remetem a este cenário de completa hegemonia das empresas digitais, enquanto alguns temem a Google, outros tentam derrubá-la, buscam fazer frente a este novo gigante da mídia. Uma matéria de capa da revista Newsweek[4] se pergunta se não está chegando a hora do “Takedown?[5]” da nova gigante, e aponta os esforços de diversas empresas em atacarem o coração da Google, o seu sistema de busca. A matéria foca as principais alternativas de sistemas de busca que estão sendo desenvolvidas, tais como o Quintura (tecnologia russa e norte-americana), o portal sul-coreano de busca Naver (que já é o principal sistema utilizado no país), o alemão Mister Wong (que realiza busca através dos bookmarks dos seus usuários), o sistema russo Yandex, o comitê do governo japonês conhecido como “Great Voyage Information Project” (Information Grand Voyage), além dos sistemas da Microsoft, Yahoo e outras novidades desta área. A matéria chama atenção para dois fatos interessantes: é consenso que há um limite para o que uma única empresa possa fazer dentro do mundo informativo, de modo que imaginar a Google controlando sozinha todo o mercado de busca na Internet (ou uma única corporação qualquer) é algo inviável, inimaginável. O desenvolvimento desses novos grandes sistemas, inclusive, deve suprir as carências e as lacunas deixadas pelo Google, de modo que é mais fácil se imaginar um cenário futuro onde diversas empresas oferecerão variadas soluções para a busca de igualmente variados tipos de conteúdos que os usuários procuram pela grande rede, do que um cenário dominado majoritariamente pela Google. Uma das falhas mais evidentes do sistema da Google é que ele se baseia nos sites que são mais vinculados, ou seja, assumindo que, se, uma página possui muitos links que apontam para ela, ela deve possuir alguma importância[6]. Sim, faz sentido, mas nem sempre o usuário está em busca do que é mais relevante. Essa falha tem sido o hiato que outras empresas buscam explorar dentro deste mercado. O problema é que, enquanto isso, a Google se expande cada vez mais para outras áreas, de modo que outro consenso atual é que, se, não podemos afirmar que a hegemonia da Google será total dentro do ciberespaço, como aponta o vídeo que mencionamos, também é consenso se imaginar o cenário futuro da comunicação sem uma forte participação da Google é impossível.

O Site da Google

Uma rápida navegação pelo site do Google[7] nos mostra as soluções oferecidas pela empresa além da busca na web. Na página inicial, ao centro da página, um campo de busca com três opções (pesquisar a web, páginas em português ou páginas do Brasil), convida o usuário a digitar algo que esteja procurando. Há, ainda, ao lado do campo de busca, três links para outras opções oferecidas pelo site: pesquisa avançada, preferências e ferramentas de idiomas. No canto superior esquerdo da página são exibidas outras ferramentas da Google: pesquisa de imagens, mapas, notícias e links para os sites da comunidade virtual Orkut e para o serviço de e-mail G-mail. Há ainda, outro link para “mais” opções, sobre o qual discorreremos adiante. No canto superior direito há um link para outro serviço relacionado a noticias oferecido pela Google, o iGoogle (com um campo para login para este serviço que requer cadastro).

Abaixo do campo de busca da página inicial do Google há ainda cinco links mais. Em Soluções para publicidade, o usuário fica a par e pode encomendar os dois pacotes básicos de marketing contextual do Google: o AdWords (links patrocinados), que é voltado para anunciantes em geral, um mecanismo que só cobra pelos anúncios quando os usuários clicam sobre eles, uma máquina que movimenta cerca de quinze bilhões de dólares por ano, dos quais, quatro bilhões vão para o cofre da empresa[8]; e o AdSense, que é voltado para proprietários de sites, mecanismo que oferece uma compensação financeira ao proprietário do site caso algum usuário efetue uma compra de um produto a partir de um anúncio que este dispõe. Há, ainda, outro link para contato com a empresa para aqueles anunciantes que procuram outros tipos de soluções personalizadas em propaganda na web, o que inclui um mecanismo chamado MOB (otimização do site em mecanismos de busca). Este serviço possui um tipo personalizado de monitoramento, e é otimizado ao site conforme as palavras-chave do cliente, fazendo com que o site fique posicionado nas primeiras colocações da busca orgânica[9].

Fechando essa pequena análise da página inicial do site da Google nós temos, além do campo de busca e suas respectivas opções, um menu superior com sete links, e mais cinco links com outros serviços e informações da empresa, num total de doze links. No entanto, o destaque maior da página é para o serviço principal da empresa, a busca. O logotipo da empresa e o campo de busca junto ao centro da página servem como um ponto de fuga de onde o olhar do navegante não consegue escapar, não há como um usuário entrar na página do Google e não encontrar o sistema de busca. Ele pode até demorar para encontrar outras informações, mas a principal, aquela que se inicia a partir da busca, não há nenhuma dificuldade ou obstáculo que o separam dela. O webdesigner Luli Radfahrer[10], baseando seu estudo na teoria da Gestalt, demonstra que qualquer usuário que se depare com uma página com mais de sete links tende a perder-se e, em muitos casos, desiste de procurar a informação que busca. Embora a página inicial do Google ofereça mais do que sete links, isso não ocorre em relação à busca, já que o único grande destaque da página é para o sistema de busca. Destacamos tal fato, pois, usabilidade é um conceito fundamental para qualquer um que queira dispor informações na web, e cremos que o site da Google é um exemplo perfeito de usabilidade, tanto que, como destaca o jornalista norte-americano Mike Ward, muitos usuários preferem buscar notícias através de sites de busca ou outros mecanismos, ao invés de navegar no confuso mar de opções oferecidas pelos portais de notícias ou sites de empresas jornalísticas. Googlar é simplesmente mais fácil e, se não bastasse isso, a Google ainda oferece diferentes opções para o usuário encontrar e personalizar notícias de que queira se inteirar, como veremos adiante. E mais, como se a simplicidade e a usabilidade que destacamos até aqui fossem insuficientes, a Google ainda possui uma opção de página de busca configurável pelo usuário chamada Google mini, cuja página inicial se compõe apenas do logotipo da empresa e do campo de busca, nada mais (nem as opções de busca que listamos acima), inclusive, até o logotipo da empresa pode ser editado pelo usuário. Sem dúvida, a Google demonstra que entende muito bem o que o termo usabilidade significa e, antes de tudo, este relaciona-se com a simplicidade.

Outro link, Tudo sobre o Google, traz mais informações sobre a empresa, perfil da Google, arquivos de ajuda e links para alguns dos serviços que estamos listando. Além deste, há outro link que leva o usuário para uma página de ajuda sobre questões relacionadas à Privacidade, um dos calcanhares-de-aquiles da empresa, que sofre com diversos processos judiciais relativos a problemas ligados a esta questão. Por fim, mais dois links abaixo do campo de busca da página inicial do Google trazem a opção do usuário configurar o Google como sua página inicial de navegação e outro que o leva à página original do site norte-americano da Google. Clicando no link para o site original da Google nos Estados Unidos, a página se mantém igual, apenas o link para o Orkut é substituído pelo link Shopping, e não há o link para configurar o Google como página inicial.

No link para “mais” opções do Google, há destaque para os principais serviços oferecidos pela empresa e um link para outra opção intitulada “e muito mais”, onde são listados os seguintes serviços:

•Soluções relacionadas à busca na Internet: Acadêmico, Barra de Ferramentas, Bloco de Notas, Google Chrome (browser), Desktop, Diretório, Earth, iGoogle, Imagens, Mapas, Pesquisa de Blogs, Pesquisa de Livros e Pesquisa na Web.
•Outros serviços: Agenda, Blooger, G-mail, Grupos, Orkut, Picasa, Talk, Docs, Youtube e Pack.

Estes são os serviços oferecidos pela Google que são visíveis aos usuários, mas existem diversos outros, tais como o Froogle; busca de produtos ainda não disponível em nosso país, e o Google Watch; cookie que armazena informações sobre as buscas realizadas pelos usuários, também entendido como o sistema de espionagem da empresa, que tanto é capaz de usar as informações para melhorar e direcionar os seus serviços/produtos, como é capaz de vendê-las para terceiros, entre os quais a CIA – Central Intelligence Agency (EUA) – seria um dos clientes (Araujo, 2006:488).

Existem também os serviços e soluções voltados para empresas, tais como venda de sistemas para blogs corporativos, soluções para streaming de vídeo, licenciamento de tecnologia de busca e diversos outros[11]. Como vimos na lista acima, existem dois serviços relacionados ao mundo da notícia, a pesquisa de blogs e o iGoogle, mas há outros: o Google Notícias, o Google Reader e a plataforma de blogs Blogger. Outro site da Google que vem sendo muito utilizado pelos blogueiros é o Analytics, voltado para otimizar os serviços relacionados aos blogs.

Google Notícias e iGoogle

O Google Notícias é um serviço personalizável onde o algoritmo da empresa é utilizado para listar as principais notícias nos países onde este serviço é disponível (em 59 países, segundo disposto na página inicial do site), a página é divida em editorias (Últimas notícias, Internacional, Brasil, Negócios, Ciências, Esportes, Entretenimento e Saúde), mas limita-se a fontes parceiras da empresa naquele país (são duzentas no Brasil, segundo informação disposta no site). Há ainda uma opção específica para busca de notícias na web. O interessante do serviço é que além das notícias em manchete, o usuário pode acessar as demais notícias que se relacionam com as que aparecem em destaque. Assim, seguindo a lógica do algoritmo da empresa, as noticias de destaque são sempre aquelas que possuem mais notícias que se relacionam a mesma. O mestre em Comunicação Wilson Roberto Bekesas quando discorre sobre as novas interfaces da notícia através da web, inclui a análise do sistema de notícias da Google, e expõe:

O Google News e os agregadores de notícias servem-se da tecnologia do que ficou conhecido como semantic web, que opera com metadados semânticos dentro da web, isto é, informações que descrevem o conteúdo, o significado e a relação entre todos eles de uma maneira que podem ser reconhecidos e agrupados pelos mecanismos de busca dos diversos banco de dados presentes na rede. O RSS faz parte desses metadados (Bekesas, 2006:76).
O iGoogle é um serviço de RSS da Google, onde o usuário, através de um cadastro, pode personalizar as notícias que quer dispor em uma página configurável. A jornalista e blogueira Lucia Freitas diz que o iGoogle “é um sistema diferenciado de RSS, que não utiliza a dinâmica do código limpo (XML), e serve para compartilhar as informações que são dispostas num blog, por exemplo. O iGoogle (e o Google News) é só conteúdo, não mexe com o formato”. Na verdade, os serviços Google News e iGoogle se confundem, o segundo é um adicional ao primeiro, onde o usuário, mediante cadastro, pode configurar com mais precisão as notícias que queira acessar, inclusive, adicionando os seus próprios feeds e integrando informações de outros serviços da Google, como o G-mail e o Orkut, por exemplo.

Pelo iGoogle é possível se identificar quais são as empresas parceiras da Google dentro do mundo da informação em nosso país, quais são os parceiros que oferecem conteúdo para tal serviço. O site oferece a personalização de notícias e informações de incontáveis empresas e sites do mundo, que seriam impossíveis de serem listados, são os gadgets e feeds que o usuário pode adicionar à sua página do iGoogle. Além das opções que a Google oferece, o usuário pode configurar os feeds de qualquer site que ofereça este recurso. Uma busca por novos gadgets e feeds nos retornou mais de duas mil opções, até o momento em que desistimos de continuar a busca. Basicamente, os gadgets e feeds são organizados em oito categorias: notícias, ferramentas, comunicação, diversão e jogos, finanças, esportes, estilo de vida e tecnologia.

Dentre as opções oferecidas pela Google na categoria notícias, destacam-se as seguintes de empresas brasileiras:

•Estadao.com.br, Meio & Mensagem, PCI Concursos, Folha Online, IstoÉ Dinheiro, Revista INFO Online, Clube do Hardware, UOL, Band Jornalismo, Terra, Google News Brasil, iG Último Segundo, Viva o Linux, Dicas-L, Geek, No Mínimo, Valor Online, Jornal do Comércio Online, IDG Now, Horóscopo Virtual, Baboo, Blue Bus, Info Money, BBC Brasil, Mundo Virtual, Portal do Desenvolvimento, Últimas Notícias FIAM-FAAM-FISP e Jus Naviganti.

Vale frisar que algumas dessas empresas listadas acima oferecem diversos feeds e gadgets. No total, encontramos cerca de setenta opções ligadas a notícias no Brasil, mas existem inúmeras outras.

Há, ainda, os feeds e gadgets mais populares, aqui listaremos as empresas brasileiras que não aparecem na lista anterior. São as cem (100) opções mais populares segundo o Google, o que corresponde às dez primeiras páginas de resultados da busca por novos feeds e gadgets, já que, como expõe o sociológo e tecnocrata Sérgio Amadeu da Silveira, são poucos os que se aventuram além da décima página de resultados de busca do Google, essa listagem apresentou apenas três resultados:

•O Globo, G1 e Blog dos Blogs.
Também, adicionamos os feeds e gadgets de empresas brasileiras que aparecem entre os cem (100) mais listados numa busca em todas as categorias:

•iG, Charges.com.br, Frasear.com, Climatempo, Globo.com e Cotações BOVESPA.
A mesma busca com o filtro BR (sites brasileiros), retorna as seguintes empresas nacionais ligadas à notícia:

•SBCWeb.com.br, Macrofotografia, Tableless.com.br, Motorclube.com.br, Rasta.com.br, Just Lia, CavZodiaco.com.br, HotSurfers.com.br, iftk.com.br, eupodo.com.br, Três Minutos para o Sucesso, Inovação Tecnológica e Portal Exame.

De todos esses serviços listados, existem aqueles que são oferecidos logo na página inicial do iGoogle, que pertencem às empresas diretamente parceiras da Google no Brasil. Além dos serviços da própria Google, aparecem serviços de grandes empresas noticiosas, tais como: Globo, iG, UOL e Folha Online, entre outras de dimensões menores já listadas acima.

Como se pode observar, as principais empresas de comunicação do país oferecem diversos serviços e feeds que podem ser acessados pelo iGoogle. As que não aparecem nas listas acima podem ser encontradas através de buscas específicas, de forma que nenhuma fica de fora. Dos oito grandes grupos comunicacionais brasileiros (Globo, Bandeirantes, Record, RBS, Folha, Estado, Silvio Santos e Abril) apenas o grupo Silvio Santos não retornou nenhum resultado dentro desta busca que empreendemos.

O fato interessante que se pode observar nesta busca é que não há hierarquia entre os resultados, qualquer site que ofereça esse tipo de serviço pode aparecer na busca, seja ele de um grande grupo noticioso, de um grande portal, um serviço oferecido por um site qualquer ou um simples blog. De fato, podemos observar que, na web, nome e tradição são fatores de pouca relevância, o que se destaca, como esta pequena pesquisa revela, é o conteúdo dos sites, onde os mais interessantes para os usuários são aqueles que mais se destacam, não importando, inclusive, a sua relevância. Sendo assim, conclui-se que há um certo grau de veracidade na afirmação de que, na Internet, as empresas se encontram praticamente em pé de igualdade com o indivíduo e suas produções.

Por fim, os outros serviços relacionados à notícia oferecidos pela Google são o Blogger, plataforma gratuita para a criação de blogs, e o Reader, um programa leitor de RSS que, assim como diversos outros similares (Bloglines, News Gator News Alloy, Bandit, Feedreader, Tristana, Active Web Reader etc.), permite a organização e leitura de feeds RSS através de um programa muito parecido com os gerenciadores de e-mail (tanto que o Yahoo mail oferece esse serviço integrado ao seu programa), de forma que, uma vez atualizados os feeds, o leitor pode lê-los off-line. A diferença básica entre o Google Reader e o iGoogle é que o segundo só pode ser lido on-line (além de não trabalhar com o código XML limpo como mencionamos, uma característica dos leitores RSS em geral).

Considerações Finais

Como vemos, a Google através de seus mecanismos e tecnologias vem trazendo novas soluções para o mundo informativo, que incluem uma nova gama de possibilidades pela qual os usuários podem se informar através das novas mídias. Mesmo sem precisar produzir conteúdo, valendo-se dos conteúdos de outras empresas, a Google se apresenta hoje não mais apenas como uma empresa de tecnologia, mas também de mídia, e dadas as dimensões que a empresa vem ganhando, entende-se o porquê de muitos terem medo dela, ou outros que a incluem dentro de um novo cenário comunicacional sem a participação das empresas de mídia tradicionais, como preconizado no vídeo por onde iniciamos o presente tópico. Por essa análise, cremos que tal cenário não se desenha, pois como vimos, o que a Google faz é facilitar o acesso e servir de plataforma para que empresas e usuários desfrutem de suas produções, informações e conteúdos diversos. A totalidade dos conteúdos acessíveis pelos mecanismos da Google advém de grandes empresas informativas e terceiros, o que se faz por meio de diversas parcerias inclusive. Apesar de não acreditarmos em mundo comunicativo que venha a ser dominado apenas por empresas de tecnologia (além do próprio usuário), uma coisa é fato: a Google controla a informação centrada no usuário, algo que está fora do alcance das tradicionais empresas de mídia, trata-se de um novo negócio, um novo mundo informativo totalmente fora da lógica com a qual as grandes corporações de mídia tradicionais montaram os seus impérios, daí muitos entenderem que estes venham a ruir ou estejam sofrendo para se adaptar dentro desse novo contexto midiático.

Notas:

[1] http://br.youtube.com/watch?v=U2LcBmoE6Ws, 29/09/2008. Vídeo produzido por Robin Sloan e Matt Thompson para o museu de História da Mídia de São Francisco (Ferrari, 2007:54).
[2] http://www.adnewstv.com.br/internet.php?id=69959, 26/05/2008.
[3] Gordon Moore foi o autor da conhecida “Lei de Moore” que diz que a capacidade de processamento dos chips dobraria a cada ano enquanto o preço se manteria (em 1975). Hoje, Moore afirma que “em dez anos, os computadores atingirão a sua capacidade máxima, (...) pois estamos nos aproximando das dimensões atômicas de processamento”, em entrevista ao especial Tecnologia da revista Veja de setembro de 2008, “A lenda chamada Moore”.
[4] “Serching for the Best Engine”, de 05/11/2007.
[5] Queda.
[6] O mecanismo da Google é entendido como sendo a segunda-geração da busca na Internet. A primeira-geração foi marcada pelos sistemas de busca que encontravam páginas que continham as palavras-chaves que os usuários procuravam, como os mecanismos AltaVista e Yahoo. Hoje, a Yahoo virou um joguete na mão de corporações como a Microsoft, News Corp e a própria Google, que entraram numa disputa pelo controle da mesma. A matéria aponta que os sistemas da Yahoo e da Microsoft são os que mais satisfazem os usuários, porém o Google é o sistema de busca mais utilizado da atualidade: “The biggest hurdle for Yahoo and Microsoft is that people don’t try their engines as often as Google’s”, diz a matéria (“O maior obstáculo para a Yahoo e a Microsoft é que as pessoas não tentam os seus sistemas de busca tão freqüentemente quanto o da Google”). Uma matéria veiculada pela WBI Brasil aponta que a Google detém 61% do mercado de busca norte-americano, supremacia tal que nem a fusão Microsoft com a Yahoo poderia fazer frente (Veja: http://www.wbibrasil.com.br/boletim.php?id_boletim=479, 14/08/2008).
[7] http://www.google.com.br/, 03/10/2008.
[8] Segundo estimativas publicadas pela revista Newsweek de Novembro de 2007.
[9] A busca orgânica refere-se à busca nornal do Google. Tal mecanismo, incluindo a busca normal, possui uma ferramenta que “limpa” as palavras-chaves mais usadas, pois são todas ligadas à pornografia. Assim, quem anuncia no Google ao menos não corre o risco de associar seu produto a itens pornográficos, entretanto, outros tipos inescrúpulos de associação podem acontecer.
[10] Web / Design / Web. São Paulo: Market Press, s/d.
[11] Segundo informações expostas no site IDG Now!, a Google detém cerca de 75% do mercado de busca paga mundial. Veja: http://idgnow.uol.com.br/mercado/2008/02/04/google-ataca-compra-do-yahoo-pela-microsoft-ballmer-defende-negocio/, 28/10/2008.

Referências Bibliográficas:

ARAUJO, Artur Vasconcellos. Weblog e jornalismo: os casos de No Mínimo Weblog e Observatório da Imprensa. Dissertação de Mestrado: Universidade de São Paulo - Ciências da Comunicação. São Paulo, 2006.
BEKESAS, Wilson Roberto. A interface da notícia nos meios impresso e digital - O tratamento da noticia nas páginas dos jornais impressos e portais na Internet. 1v. 92p. Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – Comunicação e Semiótica. São Paulo, 01/08/2006.
FERRARI, Pollyana. Jornalismo digital. São Paulo: Contexto, 2004.
WARD, Mike. Jornalismo on-line. São Paulo: Rocca, 2006.


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